sábado, 22 de dezembro de 2007

Directorium Inquisitorum @ Carter Hotel

« Quando todos os dias nos lançam em rosto os desvarios das modernas revoluções, os excessos do povo irritado, os crimes de alguns fanáticos e se quiserem, de alguns hipócritas das novas ideias, seja-nos lícito chamar o juízo do passado, para vermos também aonde nos podem levar outra vez as tendências da reacção …Podíamos escrever as histórias da Inquisição, desse drama de flagicidios que se estende por mais de dois séculos.»
Alexandre Herculano


O poder da Igreja na sociedade medieval foi um poder jamais igualado na História da Humanidade. Este poder era exercido sobre as pessoas e sobre os Estados de uma forma brutal e inquestionável. A consciência das pessoas estava sobre o controlo absoluto de uma instituição , a Igreja, através do seu braço implacável, a Inquisição.

Directorium Inquisitorum
O manual da Inquisição, por Nicolau Emérico

“ Em matéria de heresia deverá proceder-se com muita simplicidade, sem linguajares de advogados e sem as grandes solenidades dos julgamentos (….) rejeitando toda e qualquer apelação, que só serve para adiar o julgamento; não admitindo inúteis multidões de testemunhas.”
“ Há três maneiras de iniciar o processo em matéria de heresia, a saber: a Acusação, a Denúncia, e a Inquisição. (….) O método de formar o processo pela Denúncia é o mais usado : denuncia-se alguém como culpado por heresia, sem aceitar ser parte, unicamente por causa de não incorrer na excomunhão que atinge todos aqueles que não denunciam.”
“ Pode o Inquisidor receber as denúncias apenas pelo Escrivão, e não se torna necessário que intervenham testemunhas. (….) A obrigação de denunciar um herege é coisa que sempre existirá, não obstante qualquer espécie de juramento, compromisso ou promessa de guardar segredo feita ao Acusado. “
“Há duas espécies de Inquisições: uma geral, que é a busca de heréticos que os Inquisidores mandam fazer de tempos a tempos em uma diocese ou em um país. ( …) a segunda espécie tem lugar quando qualquer rumor público faça chegar ao ouvidos do Inquisidor que tal ou tal pessoa disse ou fez qualquer coisa contra a fé.”

“ ….Os hereges têm uma extrema habilidade para esconder os seus erros: sabem fingir santidade, derramar lágrimas falsas, são capazes de tocar os mais implacáveis dos juízes. Mas um Inquisidor tem que defender-se contra todos os artifícios e cuidar sempre de que estão a enganá-lo.”
“Logo que um Acusado confesse o crime pelo qual foi entregue à Inquisição, torna-se inútil conceder-lhe Defesa.”

“ Tortura-se o Acusado, com o fim de o fazer confessar os seus crimes.Manda-se para a tortura um Acusado que varia as suas respostas, negando o facto principal e aquele que, tendo tido reputação de herege, e estando já provada a difamação, tenha contra si uma testemunha, mesmo que única, a afirmar que o viu fazer algo contra a fé. Se não houver testemunhas, mas se à difamação se juntarem fortes indícios, mesmo que um só, deverá proceder-se também à tortura.”
“ …..se o Acusado nada confessar, pode continuar-se a tortura um segundo e um terceiro dia, mas com a condição de seguir os tormentos por ordem e nunca repetir os já praticados.”
“ Se o Acusado tiver suportado a tortura sem nada confessar, deve o Inquisidor pô-lo em liberdade mediante sentença na qual constará que após um cuidadoso exame do seu processo nada se encontrou de legitimamente contra ele, no respeitante ao crime de que havia sido acusado.”

“ É a confiscação dos bens decretada contra os Hereges , no caso de eles não se converterem antes da sentença pronunciada.(….) Quando se fizer um Processo à memória de um Herege morto, com o fim de tirar aos seus herdeiros os bens que passaram para a sua posse, deverão ouvir-se testemunhas como se fosse um processo vulgar.Chame-se para defender o defunto quem quer que esteja interessado em que a sua memória não seja condenada. No caso de não aparecer qualquer defensor, será o Inquisidor quem nomeará um para servir de Advogado ao morto.”


Nicolau Emérico , ouNicolau Eymerich nasceu em 1320 em Gerona, no reino da Catalunha e Aragão. Era monge Dominicano e foi Inquisidor geral do reino. O seu zelo e excesso inquisitorial foi compensado com o cargo de capelão do papa Gregório IX em Avinhão e em Roma. Escreveu o “Directorium Inquisitorum” em 1376 .

Bibliografia

Eymerich, Nicolau; (1376): "Directorium Inquisitorum"

sexta-feira, 14 de dezembro de 2007

Mulholland Drive @ Carter Hotel

Mulholland Drive ou transmigração virtual

A bifurcação inicial de Mulholland Drive conduz-nos para os caminhos tortuosos da alma e da mente enquanto paradigma existencial .
A decisão inicial que tomarmos, conduzir-nos-á onde quisermos e dar-nos-á a chave…a azul.
O Universo de David Lynch é irrepreensivelmente onírico e simbólico.
Mulholland Drive conduz-nos por referenciais e marcadores muito complexos.
Boa Viagem


Mulholland Drive
A caixa azul transforma Betty em Diane e Rita em Camilla. A procura de um possível código alimenta legiões de cinéfilos, sempre na esperança de terem encontrado a chave para a compreensão desta obra de arte.
Os “experts distraídos”, neste caso, não se deixaram iludir e inundaram a Net com dezenas de teorias e possibilidades de interpretação.
Diane é ela própria a imensidão de uma procura e de um signo, a chave azul.
Mulholland Drive é um palco de marionetas, manobradas não sabemos por quem e porquê.
A existência de inúmeras “mises en abyme” confunde-nos: ilusão ou realidade, virtual ou real?
As hipóteses mais numerosas caminham por terrenos de loucura e esquizofrenia da personagem Betty\Diane e também por envolvências oníricas e hipóteses místicas, esotéricas ou espíritas
Anjos negros, diabos mendigos, cadáveres e portas de entrada , tudo é simbólico e nos transporta para mundos bem próximos do nosso, talvez o nosso, talvez outra dimensão.
Fantasmas à deriva ou puro xamanismo ?
E porquê não tudo isto numa combinação perfeitamente louca e única?
Não nos fechemos nos preconceitos dos nossos juízos de valores e do nosso sistema de crenças castrante.
David Lynch chama-nos e empurra-nos…para onde?



Mulholland Drive
Que fazer perante as grandes questões? Esquecermos e vivermos como se houvesse resposta? Que fazemos por aqui? Que mistério é este?
Que se passa em Mulholland Drive?
Corpos que mudam de alma e almas que vagueiam entre corpos: a metempsicose. Reencarnações em delírio eterno. Transmigrações em tempo de sonhos num movimento perpétuo: que acontece enquanto sonhamos? Para onde vamos?
A relação Betty\ Diane coloca-nos perante os enigmas de uma reencarnação anunciada de véspera: de adolescente ingénua a amante ardente, a fronteira é ténue, ou não será sempre assim?
A metempsicose é mais do que a recordação de vidas passadas, são cenas recorrentes e são definitivamente os símbolos que encontramos para nos invocar e relembrar, ou mesmo renegar o passado e o presente que nos trespassa.
O autómato escondido dentro de nós; por vezes não temos de viver e experimentar para conhecer, pois possuímos uma reserva de conhecimento e experiência que não nos damos conta e que não temos consciência de possuir.

“Don´t play for real until it gets real”


Mulholland Drive
O que é uma alma perdida? O que é uma alma sem corpo? O que é uma alma à deriva?
Será que ela sabe que não tem corpo?
Não poderá existir uma só alma, um só pulsar e tudo ou todos, sermos um? Um Solaris bem real?
A herança genética poderá ser apenas o registo de reminiscências e de almas passantes, de imagens que já vimos e situações que já vivemos sem as ter vivido.
Un “déjà vu” matrixiano em contornos reais; ou serão virtuais? “C´est la même chose”
Rita e Betty são como espectros e raios de luz que sobrevoam a cidade.
Louise Bonner, a velha louca, espécie de oráculo, a vizinha das afirmações inquietantes.
“Someone is in trouble, something bad is happening”
Ela sabe, ela reconhece as almas perdidas, as almas danadas.
Vidas múltiplas dentro de uma vida ou remakes de um sonho perpetuo.
Sentimo-nos perdidos em Mulholland Drive.




Silêncio
Quem é aquela felliniana de cabelos azuis que destoa no meio de Mulholland Drive?
Mais do que nos convidar a um caminho ela simboliza a bifurcação perpétua da nossa tomada de decisão.
Cada imagem nesta cena é um símbolo que nos remete por caminhos difíceis.
Emblematicamente a mulher de cabelos azuis simboliza a cinefilia, essa doença mortal contemporânea que mata lentamente o cinema.
Mais do que dar-nos pistas a mulher de cabelos azuis é uma “mise en abyme” perfeita e emblemática, uma história dentro da história , espécie de transepto metafórico na catedral mental que é Mulholland Drive.


A mensagem é clara, a cinefilia é uma patologia e mania consumista, uma agorafobia, novofobia, estreiofobia,boulimia DVD, procissão de militantes de fim de semana, cinéfilos de segundas feiras, tontos pseudo intelectuais kingodependentes, todos eles contribuem para destruir a essência da obra de arte, do cinema como a sétima arte. A morte do cinema anunciada por uma voz……”.llorando”



Mulholland Drive
As almas perdidas procuram sempre um corpo, um castelo de refugio com suporte nas imagens que retemos, nas imagens que somos.
O cadáver do numero doze, a morena que se transforma em loura e a loura que se transforma em morena, as duas borboletas por cima da vedação, o sonho de um corpo, a escravidão de um corpo, uma alma imagem e uma alma pele.
A mudança de corpos, a reencarnação simulada, regressiva, tudo isto nos é devolvido por Mulholland Drive.
A recepção múltipla de Mulholland Drive remete-nos para a essência da obra de arte e para a multiplicidade de recepções que esta poderá ter.
A caixa azul revolve a pretexta unicidade mental do argumento. Será que ela existe?
“It´s time to wake up” diz o cowboy, na função de coro grego.

Em OK Corral testemunhamos o cliché da voz de uma consciência inexistente, o Cowboy, ele é a figura incompleta do emissário da uma mentira. Será que só existem almas más? Não seremos nós a criá-las e a educá-las pela acção, pelas decisões, ou será o contrário, num movimento mimético e contagiante, propagador do mal?



Mulholland Drive
A caixa azul tem a chave do enigma simbólico. O controlo não existe, tudo é virtual, tudo é uma ilusão, tudo é uma mentira.
Quando vamos dormir, morremos por uma noite e reencarnamos pela manhã. Não nos lembramos por onde vagueámos e porquê.
Mulholland Drive é mais do que um filme, será que é um filme? É essência de uma realidade que talvez não exista.
As almas e os espíritos rodam em Mulholland Drive, à deriva: almas boas, almas danadas, almas perdidas, espíritos.
Pouco ou nada controlamos. O paradigma virtual está instalado.
Somos um.

sábado, 8 de dezembro de 2007

Carter Hotel @ radiozero.pt 09.12.2007 2200h


Arthur Rimbaud
O futuro como objecto poético


“O meu destino depende deste livro”, terá dito Arthur Rimbaud enquanto escrevia o seu “nigger book” (Une Saison en Enfer).Esta afirmação, tão levianamente profunda, moldou o próprio destino e a própria essência da linguagem poética.


O poeta como oráculo de uma determinada sociedade em uma determinada época sempre foi uma imagem recorrente da literatura e mesmo da civilização humana. As palavras de Rimbaud tornaram-se assim e sem mesmo ele se dar conta, num presságio societário incorporado numa tragicidade individual, resultado do expoente civilizacional a que chegámos.


Teremos nós, e desde a partida, o nosso destino traçado ou somos mestres dele próprio? Édipo ao sair de Corinto, ao ouvir as revelações do oráculo, não fez mais que tentar fugir do destino que. o esperava em Tebas. Não será que, a partir de determinado momento todos nós nos apercebemos do nosso destino?


Penso e sinto que sim. A renúncia ao nosso mundo civilizado pela antevisão de um destino trágico é algo de problemático, pois teremos sempre a tendência para a redefinição desse mesmo destino e para a reconstrução do mundo e da sociedade. Rimbaud renunciou a um mundo em apogeu civilizacional; considerava-se no nadir desse mundo. intemporalidade.


Nesta sociedade materialmente científica, ignoramos cada vez mais a voz do futuro, o verdadeiro oráculo, a voz do poeta e da beleza.Em vez disso damos mais atenção à voz do cientista e do horrível. Será então a poesia apenas uma anomalia?


Que fazer perante esta aberração? Acreditar e acreditar sempre. A grande crise existencial de Rimbaud foi quando tinha dezoito anos e a partir daí nada mais escreveu, isolando-se da civilização e do mundo num deserto inóspito até morrer aos 37 anos.


Consideramos assim que o demónio tomou conta da literatura e da poesia? Criámos monstros ou somos nós o verdadeiro Monstro. Rimbaud caminhou sozinho por toda a Europa, esfomeado, durante dois anos numa experiência única que muito contribuiu para a sua visão do mundo e da particularidade e singularidade das coisas simples.


Vivemos numa era em que definitivamente temos de aceitar o Demónio como símbolo da pequenez existencial dos teledependentes, escravos absolutos de uma máquina castradora.


O elemento que falta em Rimbaud é definitivamente a falta de fé – em Deus, no Homem e na Arte. Somos assim renegados numa civilização já renegada à muito. O regresso ao Bem e ao Belo é sempre possível. No fim, e como em tudo, o que resta somos nós, o Ser Humano. Esta é a verdadeira consciência do poeta e do artista em geral e a verdadeira essência da modernidade.Rimbaud iniciou a modernidade ao abrir novas portas de compreensão de uma realidade cada vez mais complexa e distante do indivíduo. “éternité,infini,charité,solitude,angoisse,lumiére,aube,soleil,amour,beauté,inoui,pitié, démon, ange, ivresse, paradis, enfer » Estas palavras foram de uma maneira obsessiva utilizadas por Rimbaud.


Liberdade de preservação da individualidade, este é o verdadeiro caminho para a Salvação referida tantas vezes por Rimbaud. A ilusão do ser e do conhecimento fizeram de Rimbaud a essência do poeta, sendo hoje comummente aceite como o poeta mais lido e mais actual de todos os tempos. Terrível ilusão esta que nos envolve como um barco bêbado que transporta a mensagem para o grande oceano do conhecimento.


Os símbolos de Rimbaud eram os do espírito, gravados em sangue e angústia. A sua linguagem era a do espírito. A modernidade tinha começado nesse momento.


“ Il faut être absolument moderne ! »


Sons De:

Mercury Rev


Jim O´Rourke

Madrugada

Jim Morrison

Jeff Buckley

Camille

Poemas de "Poesies", "Illuminations" e " Une Saison en Enfer"

sábado, 1 de dezembro de 2007

Carter Hotel @ radiozero.pt 02/12/2007 2200h


A essência da obra de arte como essência de vida

Niels Petter Molvaer
Joy Division
Philip Aaberg

« Quase que o não conheci : está mudado…
E Juvenal compreendeu que estava mudado. Ambos estavam mudados. Em todo o caso não podia ter mudado tanto como ele. Na verdade aquele homem degradara-se, dir-se-ia ter-se envelhecido a si mesmo, com os mesmos requintes com que outrora se amaneirava. Mais tarde Juvenal compreendeu melhor aquela degradação:António Eusébio deixara de se poder orgulhar de si mesmo. Uma ruína não passa de uma ruína.
Agora vivia para seu próprio deleite, como uma planta que houvesse deixado de florir por ter descoberto que as flores só dão bem-estar aos outros…..»

“ Pântano” João Gaspar Simões


Sigur Rós
Lou Reed
Keith Jarret

« Ora veja, Mersault, para um homem bem nascido, ser feliz nunca foi complicado. Basta seguir o destino de toda a gente, não por desistência ou renuncia, como é o caso de tantos falsos grandes homens, mas com uma apetência de felicidade. A única coisa que se precisa para ser feliz é de tempo. Muito tempo. A felicidade é, ao fim ao cabo, uma questão de longa paciência. E quase sempre passamos a vida a ganhar dinheiro, quando o que era preciso era ganhar tempo através do dinheiro. Esse é o único problema que sempre me interessou. É um problema preciso e claro.»

“ A Morte Feliz” Albert Camus

Damien Rice
Radiohead
Talk Talk

« Eu dizia de mim para mim: terei, não só tempo, mas capacidade para realizar a minha obra? A enfermidade que, tal um severo director de consciência, me obrigara a morrer para o mundo, fora-me útil ; talvez me resguardasse da indolência, como esta me preserva da facilidade, mas consumira-me as energias, até as da memória. Ora, a recriação, pela memória, das impressões que depois seria mister aprofundar, esclarecer, transformar em equivalentes intelectuais, não seria uma das condições, quase a própria essência da obra de arte?

“ O Tempo Redescoberto, Em Busca do Tempo Perdido” Marcel Proust


A originalidade da vanguarda

Sendo a desconstrução um processo abstracto mas real, esta é essencialmente uma busca contínua perante a impossibilidade do sistema. Em cada um, a desconstrução surge como força de deslocamento e um limite à própria totalização do sistema. De facto, foi essa própria incapacidade circular do sistema que permitiu aos filósofos falar em sistema. Por natureza o sistema não funciona e pela desconstrução, enquanto processo de trabalho e análise, somos levados à disfuncionalidade do próprio sistema e ao desejo de sistema enquanto análise de relações de desajustamento. 1

A originalidade como fluxo contínuo da origem e de um sistema não original

Recensão crítica do ensaio de Rosalind Krauss, " A originalidade da vanguarda" 2

Até que ponto o molde das "Portas do Inferno" é considerada uma obra de arte original?
Sabemos que o original em gesso não estava acabado e que apenas foi terminado com base nos desenhos de A. Rodin. Também sabemos que o artista legou todos os seus pertences, todo o seu espólio e os direitos de reprodução ao Estado francês. Este facto pressupõe a liberdade de reprodução da sua obra. A limitação do número de reproduções foi apenas decidida pela Assembleia Nacional Francesa.

Porquê colocar em dúvida a autenticidade teórica da obra quando o sentimento que nos assalta ao ver esta obra contradiz esta afirmação.
Lembro-me do dia, faz alguns anos, que tive o privilégio de ver a reprodução das "Portas" no Museu Rodin em Paris.
Nada do que pode ser dito poderá alterar a minha forma de sentir aquele momento Considero o texto de R. Krauss confuso, misturando muitos conceitos teóricos, sem os desenvolver, tentando justificar uma opinião que, quanto a mim também não está suficientemente explícita.
Todos possuímos o nosso sistema de crenças e de juízos de valor, inclusive R.Krauss, quando tenta fazer uma análise estruturalista sem a desenvolver, não especificando o porquê do signo, o que é o significado e o significante e como é que encaixam na construção teórica que tenta sem sucesso fazer.
Se analisarmos pelo angulo de uma possível desconstrução verificamos também algumas incongruências. R.Krauss, enquanto parte integrante de um sistema que ela provavelmente contribuiu para edificar, é uma referência de análise das crenças e conceitos teóricos que pretende por em causa. Os juízos de valor emitidos para a possível desconstrução do sistema são eles também parte integrante do sistema.
Como muitos textos teóricos de História e de Critica de Arte este texto múltiplos conceitos, um pouco como montra de sapiência, sem nunca os desenvolver de uma maneira incisiva.
Na primeira parte do texto existe pois uma clara confusão de conceitos; inicialmente põe em questão a originalidade das "Portas" quando deveria falar de autenticidade e talvez em essência; mais à frente refere-se à autenticidade mas volta a confundir-se ao pegar como referência o texto de 1936 de Walter Benjamin " A obra de arte na época da
sua reprodução mecânica."3 Existe uma diferença básica enquanto meio de reprodução mecânica entre um molde que necessita de ser trabalhado para se poder reproduzir e um aparelho mecânico onde a técnica e só a técnica é que permite a sua reprodução. Estamos perante dois conceitos teóricos completamente diferentes; colocá-los todos no mesmo cesto considero algo ligeiro.
Aliás a referência ao texto de Walter Benjamin aparece um pouco desgarrada (mais um artigo na montra da sapiência) pois não aborda questões que esse mesmo texto desperta ou despertou, nomeadamente quanto à grande discussão que conseguiu promover entre os teóricos da escola de Frankfurt: Adorno considerava que Benjamim deveria separar o conceito de autor e de produtor da obra de arte: o verdadeiro artista seria aquele que encarava e levava a vida como a obra de arte numa consistência de autoria, produção e vivência que o identificasse como parte da obra de arte. Yves Klein, o monochrome, conseguiu integrar todos estes conceitos tornando-o no artista, no autor e produtor da obra de arte por excelência.
Ao regressar ao conceito de original e à cultura do original, Krauss volta a confundir os conceitos ao referenciar a originalidade e a modularidade no trabalho de Rodin.
Para mim a turbulência teórica chega a um limite com as referências a Rainer Maria Rilke; fica-se sem saber o porquê da referência a Rilke e desta citação ao " hino à originalidade de Rodin". Ao saltar de um conceito para outro conceito sem definição prévia induz o leitor a confundir os dois também.
Ora uma construção teórica tem de ser consistente, onde os alicerces têm de ser fortes, o que não acontece neste caso.
Voltamos novamente à cultura do original sem ter percebido a ideia de autenticidade e dos seus contornos teóricos. Aliás esta definição só virá mais à frente onde Krauss define que a reprodução autêntica, por isso original, é aquela que é feita próxima do momento estético da criação e sempre dentro do espartilho de uma coerência estilística deixada a uma subjectividade de uma prática de "connaisseur" e não de "connoisseur". Aliás este erro é de uma certa forma simbólico, não se chegando a saber se o é tipográfico, de tradução ou de essência de produção; voltaríamos assim num movimento circular e teórico que nos leva à autoria do texto, enquanto objecto literário: como possível definir a literatura enquanto tal, como obra de arte tendo em vista a sua inevitável reprodução tipográfica ou seja, mecânica?
Claro que neste caso não se coloca a questão porque o ensaio em análise não é definitivamente uma obra de arte. Mas se falarmos de " À la recherche du temps perdu" de Marcel Proust estamos perante outro tipo de cenário e que nos pode fazer pensar que todas as impressões feitas de tal obra não são mais que réplicas, que transmitem a verdadeira essência da obra, o sentimento e a emoção, o mesmo que senti ao ver as "Portas" do Inferno no jardim do Museu Rodin.
Ao ler esta primeira parte do texto sinto a vontade de dizer como Krauss : Fraude

Rosalind Krauss desenvolve depois uma análise do conceito de originalidade enquanto denominador comum dos chamados movimentos de vanguarda. Aqui concordo plenamente com as premissas teóricas da autora em que se refere à dissolução do passado como base de uma origem ou de um zero absoluto que a própria originalidade gera.
Estamos perante um sistema de autogeneração em que a entidade original faz de fronteira entre um "passado carregado de tradição" e um "presente experimentado de novo".
Assim a prática das vanguardas pressupõe sempre uma certa assumpção de originalidade de redefinição do zero, de um outro zero, de um recomeço eterno e circular.
Em relação à reticula enquanto suporte e enquanto rede considero que a autora recorre a conhecimentos e definições que não explica colocando o leitor enquanto receptor numa situação incómoda. Considero que algumas das conclusões prévias que realiza e das relações que estabelece apenas nos induzem numa confusão teórica destinada a nada provar. Conceitos e frases como: " a reticula colapsou a espacialidade da natureza sobre a superfície limitada de um objecto cultural. O resultado é proscrição da natureza e o discurso é um silêncio ainda maior.", induzem-nos a uma teorização negativa pois superlativa, pela indução transversal e não conceptual de valores inexistentes e conseguida através de um desvirtuamento lexical conducente à demonstração de uma sapiência relativa.
Chegamos assim via reticula, às origens da arte, ao pretenso momento zero, que pouco tem a ver com a pretensa originalidade nem tão pouco com o conceito de autenticidade.
Este sentimento de começo e de eterno retorno é exposto como tal de uma forma agora clara.
O redescobrimento da origem enquanto resultado de uma atitude vanguardista e de originalidade conduz-nos à dicotomia latente no discurso da arte moderna: originalidade repetição, múltiplo \ singular, único \ reprodutível, fraudulento \ autêntico, cópia \ original.

Posteriormente a autora regressa a uma pretensa análise estruturalista com raízes numa superfície de representação em que o signo pictórico assumiria a possibilidade de existência de um significado redundante perante um significante valorizado. Partindo daqui e como conclusão desta análise semiológica, R. Krauss afirma que os moldes de Rodin são um sistema de reproduções sem original. Considero esta afirmação desenquadrada da análise anterior, por isso nunca conclusiva.
Cópia será assim a condição teórica do original. O conceito de original é assim reintroduzido como prática do discurso artístico desde o sec.XIX, numa procura constante das marcas do original enquanto produto de uma originalidade reinventada.
De repente e sem conectores teóricos suficientes a autora transporta-nos para o universo particular de Jane Austen e a partir daí para a representação da paisagem enquanto modelo pictórico e depois inevitavelmente para o "Pitoresco".
As abordagens seguintes, sempre com referencias terceiras a definições do "Pitoresco", conduzem-nos a outro tipo de discussão e naturalmente a um desvio da linha de raciocínio que a autora tinha até aí tentado nos induzir.
A paisagem como elemento singular discorre de uma característica topográfica e de como ela fica registada na imaginação do artista.

Assim, e agora extraordinariamente, R.Krauss faz a ponte para o conceito de singularidade. Interrogo-me sobre as razões ao recurso discursivo do "Pitoresco" para a introdução do conceito de singularidade. É evidente que a subjectividade do artista ao reproduzir uma característica da natureza, a paisagem, é amplificada pela subjectividade do artista.
E, num movimento circular mas sem estruturação teórica, regressamos ao conceito inicial de múltiplo enquanto oposição de singular e de cópia enquanto actividade fundamental numa concepção de original.
Este turbilhão conceptual, por vezes impressionante, catapulta-nos para a ideia de cópia enquanto produto de um copiador intencional.
A referência ao "Musée des Copies" de 1834 em Paris, a Delacroix e a Monet introduzem-nos em novas frentes de discussão conceptualmente diferentes.
R.Krauss referencia indelevelmente o papel da cópia na prática pictórica do séc. XIX e as suas implicações no conceito do novo, original e do espontâneo.
Falar, nesta sequência de raciocínio, no conceito de espontaneidade é desajustada pois distorce e confunde o receptor; ao considerar a cópia como " ponto de partida para um desenvolvimento de um signo cada vez mais organizado e codificado de espontaneidade" realiza uma deriva teórica significativa que em nada contribui para a coerência do texto.
Seguidamente a autora introduz-nos abruptamente noutro conceito, o de instantaneidade, traduzido na "pochade" de Monet: a produção da série da Catedral de Rouen por Claude Monet permite a R. Krauss regressar aos conceitos bases da primeira parte do ensaio, numa espiral conceptual verdadeiramente descontínua : originalidade, origem e autenticidade. Este regresso tem uma vantagem pois permite à autora uma outra oportunidade de explicar e justificar os conceitos iniciais.
O processo estrutural e mimético da cópia não se limita à definição básica de uma cópia mas sim à questão da verosimilhança e\ ou reprodução de uma realidade.
Esta desconstrução foi bem definida por Jacques Derrida; uma origem enquanto ponto de partida e lugar de referência inscrito na memória colectiva, na essência do Ser, da Vida como nomeação contínua de um registo pretérito.
Originalidade será assim uma reinvenção da própria realidade que permite a assumpção da cópia como esplendor estético do Pós Modernismo.
Aqui concordo com a autora na sua afirmação que " terminou o tempo das vanguardas", dos manifestos e dos retornos forçados a uma origem, a um zero original.
Este processo é muito bem definido na parte final do ensaio, onde a autora nos remete para a essência da arte numa busca sem fim. A prática cultural de validação invalidação dos registos de nomeação conduzem à autenticação da obra como produto cultural.
Como a autora considero que este processo é uma nova perspectiva de reinvenção da
modernidade num ciclo sem fim.


1 TERENAS,CARLOS (2007) : D´ailleurs Derrida.
2 KRAUSS, ROSALIND (1985) : The Originality of the Avant-Garde and Other Modernist Myths. New York . MYT
3 BENJAMIN, WALTER (1936) : L´oeuvre d´art à l`époque de sa reproduction mecanisée , in Écrits Français (1991) .Paris.Gallimard

terça-feira, 2 de outubro de 2007

Heródoto e Kapuscinski

Heródoto
foi um historiador e viajante grego, continuador de Hecateu de Mileto, nascido no sec.V aC (485-420 aC) em Halicarnasso, hoje Bodrum na Turquia.

Ryszard Kapuscinski
nasceu em 1932 na cidade polaca de Pinsk, situada hoje na Bielorrússia. Licenciado em História, a partir dos anos 50 foi jornalista correspondente na Ásia e na África. Faleceu em 2007.

Kapuscinski e Heródoto

ou de como de viagens também se faz a literatura

A nossa proposta de reflexão e leitura tem por base a referência primeira da chamada "literatura de viagens" designação nada pacífica para um género literário muito particular. Esta referência tem um nome, Heródoto, o historiador grego que conseguiu reunir num mesmo texto, história, viagens e literatura."Histórias" de Heródoto é antes de mais a grande reportagem de uma vida de observações e de viagem. Heródoto foi também considerado o pai da História ao ter sido o primeiro a registar e gravar o conhecimento do passado enquanto explicação para o presente observado.Durante quase toda a sua vida, num perpétuo viajar, Heródoto tudo anotou e registou. Essas notas, de extrema importância histórica e antropológica, foram registadas sempre no interesse de um futuro possível público. Começa assim o primeiro volume de "Histórias"

"Esta é a exposição das investigações de Heródoto de Halicarnasso, para que os feitos dos homens não se desvaneçam com o tempo, nem fiquem sem renome as grandes e maravilhosas empresas, realizadas quer pelos Helenos quer pelos Bárbaros; e sobretudo por que entraram em guerra uns com os outros. »

Kapuscinski relata de uma maneira clara e muito feliz, todos os acontecimentos que testemunhou enquanto jornalista correspondente em África e na Ásia durante a segunda metade do sec.XX, época de grandes modificações sociais e políticas que iriam moldar e condicionar o mundo transformando-o naquilo que é hoje.As associações dos acontecimentos que marcaram a História recente com o percurso de viagem de Heródoto no mundo conhecido da antiguidade, fazem do relato de Kapuscinski um guia perfeito para quem se aventura " em viajar, conhecer e compreender".Estes relatos cruzados de lugares, acontecimentos e tempos transformam-se num verdadeiro hino à viagem enquanto acto multiplicador das referências culturais numa busca constante de (o) um conhecimento que nos engrandece e amadurece.Viajar é ouvir e ver, transpor e passar a fronteira física e psicológica. Para isso tentamos sempre nos abstrair do nosso sistema de crenças que por vezes nos cega.

" ..Queria só atravessar a fronteira algures, não importava onde, porque o que contava não era um objectivo final, nem um fim, nem um destino, mas sim o acto místico e transcendental de atravessar a fronteira."

À partida o mundo da antiguidade de Heródoto poderá parecer muito distante e diferente do mundo moderno que despertava durante as viagens de Kapuscinski e radicalmente diferente da nossa aldeia global contemporânea.Os dilemas e as dificuldades de compreensão perante novos mundo e novas realidades, novos povos, culturas e acontecimentos foram os mesmos para Heródoto e Kapuscinski e são definitivamente os nossos, enquanto viajantes e empreendedores de uma compreensão possível e difícil para o mundo actual, plural e tão diferente. Mas antes de mais teremos de lutar com a nossa letárgica inércia.

"…conhecer o mundo implica um esforço desgastante e uma dedicação completa. A maioria das pessoas desenvolve em si capacidades contrárias, nomeadamente a capacidade de olhar sem ver, ou ouvir sem prestar atenção."

O livro de Kapuscinski é mais do que um guia de viagem ou um livro de História; é um livro que nos estimula a questionar, orientando-nos na extraordinária aventura do conhecimento ou seja, da vida.

Heródoto foi o primeiro a registar o passado, facto que hoje nos parece desnecessário perante a avalanche de informação e registos existentes actualmente. Mas enquanto os registos se encadeiam numa panóplia de suportes nunca antes vista na história humana, a memória colectiva dilui-se perante tanta informação e a memória individual desvanece-se pela velocidade de tanta informação.


Kapuscinski, Ryszard: "Andanças com Heródoto",http://campo-letras.pt , 2007



Heródoto: "Histórias", volume 1-9,Colecção Clássicos Gregos e Latinos www.edicoes70.pt ,1997-2002


Ile de Gorée, Dakar,Senegal

"O negro é belo"

"Do cais de Dacar até à ilha de Goreia o barco não demora nem meia hora. Da popa vimos como a cidade, que durante algum tempo estava a abanar nas ondas mexidas pela hélice do barco, se torna cada vez mais pequena, até se transformar numa linha de pedra que se estende ao longo do horizonte. Naquele momento o barco volta-se de popa para a ilha, e com o barulho do motor ouve-se a massa de ferro raspar o betão do cais."

"....Aquela muralha e toda a ilha da Goreia têm a pior fama de criminosas. Durante duzentos anos, ou mais, a ilha foi prisão, campo de concentração e entreposto de escravos africanos para outro hemisfério, para as duas Américas e para o Caribe. Os diferentes cálculos estimam que, naquele tempo, foram enviados da Goreia cerca de vinte milhões de jovens, homens e mulheres. Estes números são descomunais para aqueles tempos! A captura e o envio de pessoas em massa despovoaram a África.

O continente esvaziou-se, cobriu-se de bosque e de mato."


(Kapuscinski, Ryszard: "Andanças com Heródoto",www.campo-letras.pt, 2007 , p. 197 e 202)

A TAP, Air Portugal voa diariamente para Dakar








segunda-feira, 1 de outubro de 2007

Voltaire

« Il est impossible, dans notre malheureux globe, que les hommes vivant en société ne soient pas divisés en deux classes, l´une d´oppresseurs, l´autre d´opprimés ; et ces deux se subdivisent en mille, et ces mille ont encore des nuances différentes»

Égalité, dans " Dictionnaire Philosophique"


A vida e obra de Voltaire são a referência definitiva maior do século das "luzes", o sec. XVIII. A seu tempo famoso como poeta e criador de tragédias, hoje é recordado e estudado por seus escritos filosóficos em que se destacam os seus contos, as "lettres philosophiques" e o "dictionaire philosophique"

Voltaire
Modernidade e "Engagement"

Voltaire foi um pensador e intelectual e o verdadeiro precursor da Revolução Francesa.
Ecléctico e elitista, viveu a maior parte da sua vida na companhia dos grandes e poderosos.
A sua clareza e vivacidade de espírito aliada a uma energia imensa e a uma capacidade de trabalho incomum resultaram numa produção intelectual profícua.
Simultaneamente, a sua vida foi um repositório de questões, querelas e conflitos que lhe causaram bastantes problemas ao longo de toda a sua vida, e que lhe custaram uma estadia na Bastilha.
Foi um verdadeiro mito da sua época. Símbolo da revolução latente,foi o seu anticlericalismo e a sua coragem para enfrentar os poderosos que lhe deram grande notoriedade popular.
Mais do Pensador e intelectual, Voltaire considerava-se um verdadeiro poeta. Durante muito tempo as suas peças teatrais fizeram parte do reportório da "Comédie Française" mas acabaram por cair num esquecimento, imposto quer pelo tempo quer pela normal evolução dramática. Pelo movimento contrário, esse mesmo tempo elevou a sua escrita filosófica a um nível de impressionante actualidade e importância que não possuía a seu tempo.
Muita da sua inspiração e orientação filosófica foi buscá-la à doutrina de John Locke.
Voltaire tornou-se assim liberalista por opção e positivista por excelência; reafirma e defende os direitos naturais de todos os indivíduos mas esclarece que é a experiência de vida a base principal para a construção do caminho e escolhas do indivíduo.
É através destes conceitos positivistas que Voltaire constrói os alicerces do conceito de liberdade e de cidadão, símbolos maiores de urbanidade e modernidade.
Além destes conceitos base, Voltaire definiu pela primeira vez o princípio do controlo do destino pelos indivíduos, através do conhecimento e das artes.

« L´univers m´embarrasse, et je ne puis songer
Que cette horloge existe et n´ait point d´horloger»

Deísta militante Voltaire acreditava num deus\ entidade reguladora e organizadora por defeito bom\boa numa espécie de ordem, mais próxima de conceitos científicos do que religiosos.
Voltaire falava de um "Geómetra Eterno" e de uma ordem estabelecida.
Não serão religião e ciência duas explicações para uma mesma realidade?
A actualidade invade a obra de Voltaire remetendo as questões de ontem para hoje e vice-versa.
Combateu o fanatismo religioso e a igreja católica, dominante em França. Lutou também contra a intolerância e a injustiça latente da sociedade. Esta luta assumiu características de fobia, também ela intolerante e que o cegou em algumas análises sociais e filosóficas.
Voltaire fez uma análise e crítica do Corão que mantém uma actualidade impressionante e que hoje nenhum intelectual teria a lucidez e coragem de escrever.
No entanto e apesar das criticas latentes às religiões, considerou o monoteísmo uma evolução e um beneficio para o pensamento e conhecimento humano, por possibilitar e facilitar a explicação da possível ordem universal.
Uma das suas armas de crítica era o humor e através da sua escrita que dominava em pleno, caricaturou muitas das figuras políticas e intelectuais do seu tempo. A sua querela com Jean- Jacques Rousseau sobre o bom selvagem foi sublime pela argumentação evocada e pelos exemplos referidos.

« J´ai reçu, monsieur, votre nouveau livre contre le genre humain, je vous en remercie (…) On a jamais employé tant d´esprit à vouloir nous rendre bêtes ; il prend envie de marcher á quatre pattes quand on lit votre ouvrage.Cependant, comme il y a plus de soixante ans que j´ai perdu l´habitude, je sens malheureusement qu´il m´est impossible de la reprendre et laisse cette allure naturelle à ceux qui en sont plus dignes que vous et moi (..)»

“ Lettre à Rousseau, 30 août 1755”

Podemos considerar o seu pensamento e acção como um Humanismo militante.
"Cri de guerre: raison,tolerance et humanité"
Voltaire terá sido o primeiro dos intelectuais engagés que iriam marcar todo o pensamento francês e ocidental nos duzentos anos a seguir.Envolveu-se em vários affaires onde o seu senso de justiça o levou a tomadas de posição firmes e por vezes corajosas.


« Je ne suis pas d´accord avec ce que vous dites, mais je me battrai jusqu´á la mort pour que vous ayez le droit de le dire»

Devido à sua personalidade controversa e polémica, Voltaire granjeou muitos inimigos e foi envolvido em inúmeras polémicas. Foi inclusive acusado de estar envolvido no comércio triangular esclavagista, onde teria obtido grandes rendimentos.
Além disso, como opinava sobre todos os assuntos da época, científicos, filosóficos e mundanos, tomava por vezes posições e assumia julgamentos que o tempo se encarregaria de transformar em erros crassos. As mais famosas são as suas dissertações sobre a hipótese de dilúvio e sobre a firme oposição à inoculação do agente da varíola.
Voltaire foi assim o primeiro intelectual da modernidade.
















sábado, 23 de junho de 2007

« De la Laïcité »

La laïcité et la liberté dans la France d´aujourd´hui

« Pour singulières que soient les conditions d´émergence et de déploiement du concept français de laïcité,on aurait tort de s´obstiner à rendre compte de la portée qu´il revêt exclusivement termes d´exception française.On risque, en adoptant cette posture, d´une part de nourrir les contresens qui ont fleuri, et persistent à fleurir sur ce qu´il en est la philosophie des pères fondateurs, et de l´état de droit- la loi et la jurisprudence applicable ;d´autre part, de se retrouver en porte à faux face aux obligations internationales que la France a souscrites en matière de libertés religieuses, et que permet assurément de satisfaire un maniement conséquent du concept de laïcité, mais pas,à l´inverse, un maniement intempestif. »

Jean-Michel Bélorgey, ancien député



Les institutions cultuelles : d´un statut public à un statut privé

La loi de 1905 consacre certes la séparation de l´Église et de l´État et rend caduque, non seulement la notion de religion établie, mais celle de religion reconnue.La République « ne reconnaît ni salarie » « désormais aucun culte ».

Ainsi, les institutions du culte cessent d´être institutions publiques et rentrent dans le cadre d´organisations privés.Ça ne signifie pas, cependant, que les cultes, ou la religion se voient, quant à eux, intégrés totalement dans la sphère privée.

La loi de 1905 dit même plus et garantit l´exercice publique du culte et la libre expression publique des convictions religieuses ou d´agnosticisme.

Certains mettent en cause cette partie de la loi en évoquant la charte des droits fundamentaux de l´Union Européenne (article 10) selon lequel la liberté de religion implique « le droit de manifester sa religion individuellement, ou collectivement, en privé ou en public,par le culte, l´enseignement, les pratiques et l´accomplissement des rites. »

Si le concept de laïcité emporte celle de la neutralité des institutions publiques, elle n´emporte en aucun cas, toute formulation contraire, relevant du militantisme au mépris de la loi, celle de la neutralité de l´espace publique .L´espace publique doit être pluraliste.

La forte formule de Jaurès, en disant que la laïcité « c´est la fin de l´infaillibilité d´Église et de l´État » rendre compte de ce que la laïcité n´est :

-ni une résurgence républicaine du gallicanisme de la Monarchie, de la volonté de mainmise de l´État sur une ou plusieurs religions .

-ni l´amorce d´une nouvelle religion, ou morale d´État, deíste, atheíste,theíste destiné à entrer en concurrence avec les religions ou morales pré existantes.


Une laïcité sur un fond de christianisme

Reste que la laïcité française constitue une réponse à un siècle au moins d´affrontements entre l´Église catholique et les pouvoirs politiques et à plusieurs siècles de querelles religieuses ayant profondément marqué la société française.

On sait qu´il n´y a point eu de présence musulmane en France comme en Espagne ou comme au Portugal.

La laïcité française est donc une laïcité sur fond de christianisme,conçue pour lutter contre l´impérialisme de l´église catholique.

La majorité des pays préfèrent d´inscrire le principe de la liberté religieuse dans ses constitutions.

L´idée française de la laïcité dans le détail de la loi conduit en quelque sorte à une application indiscriminé en oubliant la pluralité et la différence de la société contemporaine.

Ce fait, a conduit a plusieurs prises de position par le Cour de Cassation qui réflectent une manque d´information,voire de sensibilité au près de ce que la société est aujourd´hui.

Voici quelques exemples de matières dont il y a eu des arrêts plutôt surprenants et aveugles :

-matières d´interdits alimentaires

-matières de vêtements (affaires de foulards)

-matières de cantines et avantages repas.

-matières de mensonge (quand il y a une prescription de mentir et la religion l´interdit)

Mais, au délá, les rapports d´une société et de ses institutions politiques avec une religion, ne peuvent s´établir sous le même signe selon que cette religion soit partie intégrante d´héritage historique national.

La laïcité française s´est construite sur des préalables uniques.De l´autre côté, cette même société, s´efforce, mais sans grande enthousiasme et avec perplexité d´accueillir l´Islam.

Il sera presque impossible, dans la société française, aussi comme dans toutes les sociétés de base chrétienne, d´éradiquer tous les signes et sens religieux, voire culturelle pour la grande majorité de la société.

Décontaminer les excès de christianisme sera au peut près deculturalisé l´ensemble de la société.



Communautarisme et laïcité

« Avec la célébration du centenaire de loi de 1905 et le vote de la loi sur l´interdit ion des signes religieux à l`école, il semblait que le principe de la laïcité était définitivement inscrit dans la vie en France.Le problème ressort par un autre biais, celui du communautarisme »

Henri Paris, président de Démocraties

Le communautarisme est la reivindication d´un groupe social à avoir une droit de dérogation au nom d´une diversité.

Ça résulte ainsi par une segmentation spatiale et apparaît une loi du groupe qui se différence, voire s´oppose aux lois de la République.

Le communautarisme n´est pas toujours réligieux.En transcendant les questions religieuses,la laïcité se dresse contre le communautarisme.

C´est la loi de groupes qui en théorie s´oppose au universalisme des Lumières

Par nature le communautarisme est une doctrine américaine et s´inscrit dans le concept plus général du multicuralisme.

Le communautarisme musulman fragment la société française.Son croissante importance transcende les lois de la République.C´est le principe même de la République qui est en jeu.

Le pouvoir de la République s´est appuyé sur une conception laïque de la société pour faire contrepoids à l´importance excessive de l`Église catholique.

Après un temps où les choses se sont stabilisés, les institutions ont baissé la garde en la matière.

Or, c´est justement dans cette période de moindre vigilance que l´on a vu émerger en France, la pluralité des nouvelles croyances, surtout l´Islam.

Inscrite dans une tradition duale, la laïcité républicaine se trouve, ainsi, confronté à un pluralisme religieux et culturel auquel elle n´était pas préparée. Elle se doit donc se préparer et s´adapter

Les tous nouveaux questions posés par la laïcité conduisent l´État républicain, à ne pouvoir ignorer les spécifiés culturelles, voire religieuses des Français.

Il faudra surtout, assurer leur expression politique et qu´elle ne contrevienne pas au principe de l´égalité et de la cohésion sociale.

Pour conclure il faudrait donc que les tenants de la laïcité, les pouvoirs publiques, prennent la mesure des nouveaux enjeux qui ressortent du pluralisme religieux et culturel qui caractérisera d´ores et déjà la société française.

Il est arrivé le temps pour que les Français afférent ce que les autres pays occidentaux ont fait à cet égard.

Bibliographie

BÈLORGEY, Jean-Michel; (2006):"Terroirs de la laïcité", dans Revue Politique et Parlementaire,janvier,mars 2006

PARIS, Heril; (2006):"Communautarisme et laïcité", dans Revue Politique et Parlementaire,janvier,mars 2006

















quinta-feira, 14 de junho de 2007

« Peut-on pleinement apprécier la littérature moderne sans connaître les grandes œuvres du passé ?


« Une fois de plus le dernier roman de Margarida Rebelo Pinto a vendu des milliers d´exemplaires. »

« Pour la première fois l´industrie de l´édition a investi plus que jamais dans la divulgation du dernier roman de António Lobo Antunes. »

Est-ce qu´on peut considérer que la littérature light, de consommation ou de gare est de la littérature dans le vrai sens du terme ?

Dans les paragraphes suivants nous allons essayer de disséquer cette question plutôt savante et qui fait les titres et l´actualité du monde culturel portugais.

Il s´agit de savoir ce qui va être le canon et la référence pour l´avenir : la littérature light dont Margarida Rebelo Pinto est l´image et le drapeau ou António Lobo Antunes et la littérature « conventionnelle »?

Dans une première partie nous allons analyser judicieusement cette question, en donnant des arguments et des exemples qui nos porterons sur la grande question : qu´est-ce que la littérature ?


Depuis que Harold Bloom a défini dans « Le Canon Occidental » les œuvres qui font la référence à notre culture, l´idée de l´universalité de l´oeuvre d´art a établi de nouvelles approches et nouveaux rapports dans le monde des lettres.

Néanmoins on sait que la littérature moderne est le résultat des centaines années d´évolution de la civilisation occidentale.Les styles et surtout les sujets sont récurrents dans l´histoire de la littérature :l´amour, la mort et tous les rapports humains sont constants dans tous les époques historiques et littéraires.

Gilbert Durand, dans sa « théorie de l´ imaginaire » décrit ce fait en détail et nous explique que tout ce que nous écrivons,tout ce que nous lisons,est conditionné par un nombre réduit d´archétypes.L´univers des images et des idées est limité, constant et parallèle.

Notre culture est basée sur l´histoire et surtout dans la séquence passé\présent.Nous vivons dans une permanente série des commémorations, dates et souvenirs qui nous emmènent vers l´avenir toujours en mémoire du passé.

La littérature est ainsi le dialogue privilégié entre le passé et le présent et un pont vers le futur.

La référence aux œuvres du présent dans les termes, les sujets et les rapports au passé est constante.

Dans l´œuvre de António Lobo Antunes les références à l´histoire de la littérature et à l´histoire récent du Portugal, surtout à la guerre d coloniale, sont permanentes.Par conséquent et pour en savoir plus, et « pleinement apprécier » il faut connaître les œuvres de référence de la littérature et de l´histoire de ce temps-là.

La décodification d´un récit à travers des « clés » pour son ouverture, sont toujours les références du passé, sont les signes et symboles d´un passé littéraire et civilisatrice , un passé registré dans les grandes œuvres.

Au-delà de l´histoire pure et simple il y a l´univers personnel de l´auteur.On peut effacer la diachronie pour y entrer.Les pistes et les associations sont parfois complexes mais intelligibles dans la toile universelle de l´évolution humaine et littéraire.

Dans le dernier livre des contes de Fiama Paes Brandão il y en a un, très caractéristique et qui exemplifie tous que nous avons dit : il s´appelle « Unicórnio » (La Licorne en français).La complexité des liens de ce conte-là est fabuleuse.Il nous emporte au musée de Cluny, le musée d`art médiéval de Paris.Le conte décrit la visite d´un homme pour analyser une tapisserie fameuse , celle de la Licorne.Le visitant n´est que Rainer Maria Rilke, le poète tchèque qui de même, dans son livre « Les carnets de Malte Laurids Brigge » a fait une description des ces tapisseries.

Par le biais d´un personnage empruntée et à travers d´un mimétisme complexe, le pont entre le passé et le présent est fait, ainsi que le rapport entre les oeuvres et les écrivains du passé et d´aujourd´hui.


Pendant plusieurs siècles, la littérature fut définie comme le plaisir de la lecture et le plaisir du texte.Les personnes lisaient souvent pour s´évader d´une réalité, plutôt hostile.

Aujourd´hui nous avons aussi ce type de littérature d´évasion, de fort consommation mais aussi de fort plaisir pour ceux qui aiment le genre.

Normalement ceux qui lisent ces livres n´ont pas de connaissances sur les grandes œuvres du passé et on ne peut point dire qu´ils n´appréciaient pas ces livres.Ils l´appréciaient et ils sont très engagés dans leur défense.

Aussi,on peut avoir et on peut imaginer des lecteurs différents, des lecteurs qui hormis ces livres n´ont pas aucun rapport avec la littérature et avec la lecture.Et cet argument est le même pour les défenseurs de la littérature light ou de grand consommation : ils défendent que, si ce type de littérature n´existait pas, aussi on raterait et perdrait des milliers de lecteurs qui ne lisent que ces types de livres et qui parfois sont catapultés pour autres vols, pour autres livres, pour la grande littérature.


De mon point de vue, nous sommes entre deux concepts de la littérature et de l´« être littéraire », entre deux idées générales de vie et de conception sociétale.

D´un côté, nous avons les partisans d´une intellectualité et culture ( les intello), avec une position á la fois extrémiste qui s´éloigne de toute forme d´écriture commerciale et sans références littéraires.De l´autre côté ,parfois nous sommes aussi confrontés avec des positions très légères et lâches en ce qui concerne la littérature et qui considèrent que la seule littérature est celle qui se vend.


Les goûts et le plaisir en général est quelque chose de personnel.L´appréciation d´une œuvre littéraire est, bien avant d´une approche presque scientifique, un sentiment et une réaction émotionnelle .C´est pourquoi on peut apprécier la littérature moderne sans connaître les grandes œuvres du passé.

Nous ne pouvons pas être éclectiques au point de mépriser les goûts des autres.Il faut toujours nous rendre compte des différents visions et conceptions de la réalité et surtout de la grande variété des points de vue et des façons de voir cette même réalité.

La question savant qu´on analyse est d´abord une façon de diviser et d´introduire une espèce de ségrégationnisme littéraire.

Mon avis c´est que nous pouvons en profiter de cet essor de la littérature light et de l´arrivée des milliers des tout nouveaux lecteurs et captiver ces personnes pour la grande littérature et pour les œuvres de référence du passé.

domingo, 10 de junho de 2007

Samuel Beckett, o gozo do absurdo

«Do not despair: one of the thieves was saved. Do not presume: one of the thieves was damned » St.Augustine

Existem imagens que ficam como referência e cânones da civilização e da cultura ocidental. Samuel Beckett brindou-nos com algumas: Winnie, enterrada até ao pescoço em "Happy Days" e a árvore sob a qual Godot se fazia esperar.

Hoje arquétipos da nossa sociedade, estas imagens começaram por ser referências do teatro e do universo de Beckett.

O poder das imagens e da minúcia de Samuel Beckett é enorme e misterioso: elas ficam gravadas nas nossas memórias, atravessando gerações numa radicalidade de fronteira entre o absurdo e o irracional.

Beckett foi tão só, a chave do portal da actualidade das artes visuais e da criação absurda.

Mito da nossa cultura, prémio Nobel em 1969, Samuel Beckett estruturou o futuro das imagens e dos media, e comprometeu o Homem contemporâneo com a linha por si definida.

Riso (humor), nudez, queda, arvore, silencio, voz, vozes, ruínas.......o mundo de Beckett é hoje o nosso mundo.

"Avant-gardiste" radical

As coisas existem e acontecem sem sentido aparente. Esta sempre foi uma das máximas de Beckett na sua procura da essência inexistente e de uma forma que exprimisse o nada e o zero.

Obcecado pelos pormenores e pelos detalhes, fez da procura da palavra certa e da imagem perfeita a sua razão de vida.

Hoje, as pausas, as reticências e o silêncio beckettiano são ícones das artes e das letras.Beckett conseguiu transmitir o silêncio da única maneira possível, isto é, através das palavras e da força do texto.

"It was another happy day. »

Beckett impôs-nos o realismo absurdo característica dos tempos modernos por si só já absurdos.

Irlandês de nascimento, francês de crescimento, Samuel Beckett escreveu as suas obras tanto em inglês como em francês, chegando a preferir a escrita na língua de Molière por considerar que, não sendo nativo, seria mais fácil escrever sem estilo.

Todas as peças de Beckett eram caracterizadas por uma aridez dos cenários, uma minúcia dos diálogos e pelo controlo total do trabalho dos actores, como se fossem marionetas nas suas mãos.

As suas obras são o espelho da condição humana e de toda a sua condição absurda. Este absurdo reflecte mais a forma, do que o conteúdo do carácter absurdo, sendo diferente do absurdo de Camus, este mais virado para a absoluta falta de sentido da existência humana.

O absurdo de Beckett existe pelo gozo do irracional e pelas obsessões sem sentido de uma vida infeliz.

A rotina da vida moderna onde nada acontece, parecendo que tudo acontece e se passa é o paradigma de todo o universo beckettiano.

Também em "À espera de Godot" o que acontece é apenas o nada, sendo esta peça conhecida por ser a peça onde nada acontece, por duas vezes, no primeiro e no segundo acto.

"Nothing is funniest than unhappiness »

A percepção para Beckett também era importante e a utilização de outras perspectivas e de outras maneiras de ver a realidade foram uma constante na sua obra. A utilização de incapacidades físicas e mentais evidentes era uma maneira de Beckett recentralizar a atenção e reforçar a multiplicidade de perspectivas pela qual a realidade pode ser encarada. Aqui vemos o quanto a visão proustiana da realidade influenciou Beckett.

Ténues murmúrios

Samuel Beckett foi sempre obcecado pela imagem, a sua e as que pretendia transmitir. Na última fase da sua vida, em plenos anos oitenta, trabalhava arduamente em televisão considerando que era o meio de comunicação do futuro.

" Eles falam, falam, falam e não dizem nada"

O humor absurdo dos Monthy Piton, a escola Britcom e mesmo os lusitanos Gato Fedorento resumem a fórmula de Beckett do riso absurdo, do riso de nós próprios, das nossas incongruências, das nossas cumplicidades com este mundo absurdo, triste e sem sentido aparente.

O humor de " The Office" ainda vai mais além na fórmula beckettiana, através do silêncio forçado em conversas sem sentido e ambiguidades ambivalentes.Delirio absoluto.

Caio e tropeço e todos se riem; tropeçam e caem e farto-me de rir. O nosso espectáculo é sempre o mais hilariante e o de maior audiência.

Em "Play", durante quinze minutos, as vozes vazias de ideias borbulham em diálogos sobrepostos e desvairados num carrossel embriagante. É a condição humana à mercê do destino e de um devir por encontrar. M1,W1 e W2 são os personagens que antes de ficarem, já estavam encurralados.

Personagens ausentes, personagens sem tempo, personagens esvaziadas: este é o mundo de Beckett. O presente faz a sua inscrição no ausente e no não existente numa espécie de criação de "nonsense" precisa e muito estudada.

"Beckett: "It's a beautiful day, isn't it?"
The friend: "Yes, it makes one glad to be alive.
Beckett: "Aw now, I wouldn't go that far.."

A obsessão de Beckett pelo absurdo e pelo gozo provocador revela-se cada vez mais actual e permanentemente. O nosso mundo necessita da visão de Beckett.

Apesar de recorrentemente utilizar temas existencialistas como a solidão, o sofrimento e a condição humana, Beckett não foi um fiel seguidor da filosofia existencialista.

O teatro de escárnio

" La vie n´est qu´une ombre qui passe, un pauvre histrion qui se pavane et s´échauffe une heure sur la scène et puis qu´on n´entend plus….une histoire contée par un idiot, pleine de fureur et de bruit et qui ne veut rien dire."

Shakespeare, Macbeth, acte V, scène 5

Com Adamov e Ionesco, Beckett foi um dos expoentes do novo teatro ou teatro do absurdo.Beckett preferia o termo de teatro de escárnio ao de absurdo, para fazer a distinção e separação em relação aos existencialistas e às conotações camusianas e sartianas.

Beckett, ao contrário de Camus não considerava a vida absurda, apenas difícil, muito difícil. Considerava que os valores morais não são definíveis, nem acessíveis, sem exprimir juízos de valor. Falar de teatro do absurdo é emitir um juízo de valor, o que definitivamente não era o que Beckett pretendia.

Beckett queria a verdade e nada mais.

O teatro do absurdo tem origens bem antigas e arcaicas, no teatro medieval, nos mimos da antiguidade, na commedia dell´arte, nas personagens cómicas de Shakespeare, na literatura de non-sense, no surrealismo, nos filmes de Laurel e Hardy, de Charlie Chaplin, de Buster Keaton e dos irmãos Marx.

A mensagem é assim transmitida metermos de oposições, de rupturas de silêncio e de precisão, de imagem e de movimento controlado.
É assim Beckett. É assim a vida.


Samuel Beckett

Centre George Pompidou

14 Março a 25 Junho 2007
















sábado, 2 de junho de 2007

A desconstrução segundo Jacques Derrida

« Raça curiosa da vida alheia, tarda em corrigir a própria. Mas porque querem saber de mim, quem sou eu, se não querem saber de ti, quem são eles? E como fazem para saber se digo a verdade quando me ouvem falar de mim próprio, quando não há homem que saiba o que se passa dentro de um homem, a não ser o espírito do homem que está dentro dele.»

Agostinho, Confissões

Sendo a desconstrução um processo abstracto mas real, esta é essencialmente uma busca contínua perante a impossibilidade do sistema. Em cada um, a desconstrução surge como força de deslocamento e um limite à própria totalização do sistema.

De facto, foi essa própria incapacidade circular do sistema que permitiu aos filósofos falar em sistema.

Por natureza o sistema não funciona e pela desconstrução, enquanto processo de trabalho e análise, somos levados à disfuncionalidade do próprio sistema e ao desejo de sistema enquanto análise de relações de desajustamento.

D´ailleurs, Derrida

O nomadismo é uma verdadeira estética do exílio enquanto desconstrução da própria origem.

Sendo assim, o único lugar nómada é o lugar de origem. De resto a locomoção dos lugares, dos lugares inscritos na nossa memória é uma questão central no pensamento de Derrida.

Sendo os lugares em nós inscritos, a essência do nosso próprio Eu, a sua não nomeação induz a uma inscrição indizível e a registos muito para além do Ser, do Eu.

São os segredos da singularidade, o gosto do segredo numa hiperradicalização do pensamento, ou seja, a génese da verdadeira desconstrução.

Que limites então para o segredo enquanto processo de identificação?

O Ser " plus qu´un" coloca problemas ao nível da inscrição individual. O pensamento torna-se elíptico e sem interrupção, o som é silêncio e a imagem um regresso constante.

É o domínio da Invisibilidade que justifica e potencializa a dimensão hiperbólica do pensamento de Derrida.

Será que estamos perante um verdadeiro pensamento filosófico?

Aqui, a singularidade toma o lugar de uma identidade e por sua vez a radicalidade induz ao mistério e estranheza, conceitos mais próximos do literário do que do filosófico. É a impossível singularidade da identificação.

Mais do que filosófico, é um conceito de excesso filosófico, ultrapassando os cânones.

Os registos e impressões tocam novamente a literatura, no que ela tem de não canónico e não filosófico.

A imaginação é assim, mais do que um recurso de forma, uma ameaça para a verdade e para as ideias.

Pablo Picasso lembrou-nos que a imaginação é memória e que sendo assim (e é assim!), o lugar de inscrição é o da ficção.

Assim a ficção é um limbo de mediação, sendo aquilo que é e não é, ou que pode ser sem o ser; estamos perante os condicionalismos da dialéctica hegeliana e cuja não linearidade (ou será não circularidade?) resiste à participação e ao sistema enquanto identidade heterogénea que não se fecha.

A desconstrução só é então possível pela impossibilidade do sistema em se resolver e mesmo em existir.

Estamos sempre no "para além do lugar", "ailleurs", aliás também, numa singularidade cultivada que interrompe o registo da possibilidade.

É a inscrição que não se dilui e que através da metáfora, a escrita surge no lugar da ferida. É a dimensão catastrófica do pensamento de Jacques Derrida.

Filmografia

FATHY, Safaa; (1999): "D´ailleurs,Derrida"


















segunda-feira, 28 de maio de 2007

Albert Camus, a revolta pelo absurdo

«Que voulez-vous, je ne m`intéresse pas aux idées, moi, je m´intéresse aux personnes » Les Justes

Do desporto e do futebol em particular, Albert Camus reteve a lição de que nem sempre tudo corre como esperamos e que a bola nem sempre vai parar onde queremos.

De origens bastante humildes, a sua evolução como ser humano, é também, uma excepção já que perante um meio adverso e hostil, o seu caminho poderia ter sido outro. Da miséria social e intelectual ( un vrai voyou pied noir) que marcou o seu ambiente de infância na Argélia, ao prémio Nobel com apenas 44 anos, o caminho foi sempre pelo lado do inesperado, da surpresa, do fulgor de uma carreira e de uma vida terminada abruptamente de forma absurda por um acidente de viação.

Foi um amante da vida, do sol e da beleza, sem nunca esquecer a sombra e o lado negro da vida.

Sempre mais atento às misérias do mundo, do que aos focos de uma vaidade universitária e intelectual, Camus estava sempre ali, longe e distante, sempre em risco de uma solidão por vezes querida e assumida.

Defensor da verdade enquanto essência da vida, foi por esta característica que chocou com uma certa cegueira de alguns intelectuais seus contemporâneos. O futuro deu-lhe razão e hoje Camus é sem dúvida o autor francês mais lido e conhecido em todo o mundo, nomeadamente através do seu emblemático e enigmático romance "O Estrangeiro".

Apesar de amante da vida, a morte, a dor, a tentação do nada e do absurdo tornaram-se em questões essenciais, que iriam caracterizar todo o seu pensamento.

Como poderemos definir Camus, o seu pensamento e a sua filosofia?

Jean-Paul Sartre, logo após a publicação de " O Estrangeiro" definiu o seu pensamento como moralista e colocou-o a par dos pensadores moralistas do séc. XVII, devido à sua escrita aplicada e ao recurso constante a aforismos.

Será que Albert Camus não seria mais um filósofo do que um escritor?

Negligenciado por Sartre como um aluno mal comportado, o seu pensamento depressa ultrapassou a catalogação primária de existencialista.

Verdadeiro " Filósofo do Absurdo" o seu caminho distancia-se definitivamente dos existencialistas com a publicação do "O Mito de Sísifo", contra os quais o livro foi escrito.Com uma "sensibilidade absurda" ímpar, foi a seguir rotulado de niilista militante.

Albert Camus respondeu com uma teoria da revolta como valor criativo.

Albert Camus, pensar a revolta

Estudo sobre o pensamento e a filosofia de Camus

A revolta do bom senso e da justa medida

Intelectual "engagé" a História acabou por lhe dar razão, quer no seu combate contra todo o tipo de ditaduras quer na sua querela com Sartre.

Colocou sempre o homem à frente de qualquer filosofia, associou o conceito de revolta a uma justa medida e combateu o niilismo básico e castrador do conceito de revolta pura.

" Je ne crois pas assez à la raison pour croire à un système.Ce qui m´intéresse, c´est de savoir comment il faut se conduire quand on ne croit ni en Dieu ni en la raison. » Essais

Homem de bom senso, humanista, céptico e equilibrado, Albert Camus é o "protótipo" do homem moderno , sensível e amante da natureza e do mundo.

Camus desconfiou sempre do radicalismo político e apesar de "engagé" nunca comprometeu uma amizade e o diálogo aos assaltos do ódio ideológico.

Em " O Homem Revoltado" coloca em causa todo o artifício niilista e de como a revolta absoluta poderá ou não ser legítima.

Camus demonstra-nos que o Homem não vive de ódios e de lutas, não morre sempre com as armas na mão. Posição corajosa no contexto panfletário existencialista. Camus orienta para a História os exemplos para o seu pensamento; avança com conceitos inovadores para a época, como a valorização da beleza, da paixão, o amor dos seres e a felicidade.

Ao contrário de Sartre, que fazia do ódio profissão de fé, Camus defendia a amizade como valor quase absoluto e como tal bem a preservar e considerando que deveriam haver limites para as querelas ideológicas.

E foi em resultado da publicação de "O Homem revoltado" que se inicia a querela ideológica que marcaria os anos cinquenta e toda a segunda metade do séc. XX. Sartre inicia um diálogo, belo por vezes, mas que acaba por elevar e justificar todo o pensamento de Camus.

Camus antecipou a critica ideológica e filosófica contra o comunismo e contra a revolução, com uma abordagem totalmente anti- totalitarista; não hesita em pegar em autores como Lautréamont para justificar o seu pensamento.

Muitas das suas ideias são precursoras de um pensamento mais próximo do séc. XXI. Justa medida, equilíbrio, humanidade e bom senso são palavras de um léxico actual e que nos anos cinquenta eram consideradas pelos radicais como virtudes burguesas.

Aliás todos estes conceitos só seriam recuperados por Milan Kundera em plenos anos oitenta quando faz uma análise da revolta de Praga como uma revolta de moderados cépticos post-revolucionários: uma revolta de moderados, verdadeiro pecado capital para os intelectuais radicais.

Muito mais do que uma crítica a regimes ou doutrinas totalitárias todos estes conceitos são a génese de um pensamento e de uma filosofia da modernidade.

A coragem referida anteriormente é de sublinhar já que o contexto dos dois blocos políticos e da guerra fria tornava a esquerda e os seus radicais dominantes no contexto intelectual ocidental.

Mas Camus considerava-se de esquerda, " malgré moi et malgré elle" mas de uma esquerda que hoje poderíamos como humanista e despreconceituada.

Albert Camus foi muito longe em " O Homem Revoltado" na antecipação de um pensamento dessacralizante da política. Vai recuperar o regicídio de Luís XVI como exemplo de um assassínio de um homem bom mas que é assassinado em função do que representa. É a abstracção pura ao serviço do pensamento revolucionário. Considerava Camus que estávamos perante um momento chave da história, em que o sagrado deixava o campo do religioso e invadia o campo político. Recusa assim definitivamente os radicalismos e sai de um certo pensamento maniqueísta deleitante e reinante.

Nascido equidistante "da miséria absoluta e do sol abrasador" foi como que obrigado ao "engagement" na defesa do que nunca teve por direito e por opção. Mas Camus tinha mais: tinha o mundo e a sua gratitude, a afectividade, os sentimentos, a condição humana revisitada em plena renovação. A esperança como futuro, o futuro como esperança.

"La pensée de Midi" é assim a definição ou redefinição de Camus do pensamento clássico greco-mediterranico, nascido do sol e do mar, contraponto a um pensamento do norte da Europa, sombrio e personificador do nada e do mal.

O mundo pensado por Camus é baseado no amor pela vida que nos faça esquecer o desespero da condição humana, o absurdo de viver: a verdadeira tese da felicidade.

" Um homem é sempre presa das suas verdades. » O Mito de Sísifo

Um raciocínio absurdo

Albert Camus sempre teve especial apetência para ser artista em vez de filósofo. A sua capacidade de adaptação da forma ao sujeito foi muito importante na divulgação e no reconhecimento quer da sua obra, quer do seu pensamento.

De 1938 a 1941 Camus escreverá três obras que marcarão todo o seu percurso enquanto pensador: um ensaio, " O mito de Sísifo", um romance " O Estrangeiro" e uma peça de teatro "Calígula". Diversificando as formas, tentava atingir o essencial: o pensamento do absurdo.

" O divórcio entre o Homem e a sua vida, entre o actor e o seu cenário, é que é verdadeiramente o sentimento do absurdo"

O Mito de Sísifo

Muitos criticaram que "O Estrangeiro" foi sempre lido à luz do "O mito de Sísifo". Camus percebeu desde cedo que a melhor maneira de ser filósofo era de escrever romances, espécie de álbum de imagens do pensamento filosófico.

Será que os jurados tinham ou não razão em condenar Mersault à pena capital? Para muitos este é o grande poder de ilusão de "O Estrangeiro" comparável ao génio de Flaubert ao colocar o leitor a favor ou contra Emma Bovary.

" Ce que attire beaucoup de gens vers le roman c´est que apparemment c´est un genre qui n´a pas de style.En fait il exige le style le plus difficile, celui qui se soumet tout entier à l´objet.On peut ainsi imaginer un auteur écrivant chacun de ses romans dans un style différent » Carnets II

No final dos anos quarenta e início dos cinquenta, Camus frequentava com Sartre e Simone os cafés de St.Germain-des-Prés, nomeadamente o "Flore" e o "Deux Magots". Os ignorantes e distraídos confundiam Camus como um simples seguidor de Sartre e do seu movimento existencialista.

Preferia testemunhar e exemplificar a "sensibilidade absurda" em vez de teorizar sobre uma "teoria do absurdo".

As suas ideias políticas são hoje verdades inalienáveis no nosso dia-a-dia. Todos nós concordamos que a servidão não é maneira de levar o Homem a sentir-se feliz.

O acreditar no devir de um mundo melhor sempre foi condenado pela esquerda dogmática.

Camus tanto criticava os métodos do General Franco em Espanha, como a ditadura Estalinista. Esta parece-nos hoje, uma atitude óbvia, mas tomar uma posição destas naquela época era demonstrador não só de coragem como de um carácter forte. Denunciou sempre a sombra e o mal, em contraponto ao bem e ao sol.


As palavras-chave de Albert Camus

O Absurdo

O sentimento do absurdo nasce no homem na sua incapacidade de se interrogar sobre a presença do próprio mundo e quando não obtém nenhuma resposta.Resta-lhe apenas assumir a sua condição absurda, tal como Sísifo que transportava repetitivamente e sem parar um enorme rochedo até ao cume da montanha e que de cada vez, este rolava até à base. Esta condição absurda, a condição humana, não impedia Sísifo de ser feliz e não impede o Homem de ser feliz. Do absurdo ao nada, e daí ao niilismo militante é apenas um passo.O conceito de Absurdo foi também utilizado pelos niilistas para justificar assassínios e a morte, o que deixou Camus escandalizado.

A Beleza

Os Gregos sempre viveram rodeados da beleza. Esta servia muitas vezes de código moral.Camus defendia um retorno à beleza, afastada do Homem por esses tempos.Afastava-se assim de um certo pensamento moderno defendendo que a beleza seria a justiça perfeita.

A beleza é necessária para o Homem de acção e para o criador, numa vontade de equilíbrio determinadora de um bom senso. Defendia a estética clássica como o cânone de beleza, como a dominação de todas as paixões.

O Sol

Quando perguntam a Mersault por que razão tinha cometido o assassínio, este responde que tinha sido por causa do sol. O seu próprio nome ,Meurt-Solei, predestinava-o já a um destino trágico. É um signo em toda a obra de Camus, de uma felicidade que caminha lado a lado com a tragédia.


Bibliografia

CAMUS, Albert; (1971):"A Morte Feliz", Livros do Brasil, Lisboa

CAMUS, Albert; (S\D):"O Mito de Sísifo", LBL Enciclopédia, Livros do Brasil, Lisboa

CAMUS,Albert;(1951):"L´homme révolté", Éditions Gallimard,Paris

Le magazine littéraire; (mai 2006): "Albert Camus: penser la révolte"