sábado, 22 de dezembro de 2007

Directorium Inquisitorum @ Carter Hotel

« Quando todos os dias nos lançam em rosto os desvarios das modernas revoluções, os excessos do povo irritado, os crimes de alguns fanáticos e se quiserem, de alguns hipócritas das novas ideias, seja-nos lícito chamar o juízo do passado, para vermos também aonde nos podem levar outra vez as tendências da reacção …Podíamos escrever as histórias da Inquisição, desse drama de flagicidios que se estende por mais de dois séculos.»
Alexandre Herculano


O poder da Igreja na sociedade medieval foi um poder jamais igualado na História da Humanidade. Este poder era exercido sobre as pessoas e sobre os Estados de uma forma brutal e inquestionável. A consciência das pessoas estava sobre o controlo absoluto de uma instituição , a Igreja, através do seu braço implacável, a Inquisição.

Directorium Inquisitorum
O manual da Inquisição, por Nicolau Emérico

“ Em matéria de heresia deverá proceder-se com muita simplicidade, sem linguajares de advogados e sem as grandes solenidades dos julgamentos (….) rejeitando toda e qualquer apelação, que só serve para adiar o julgamento; não admitindo inúteis multidões de testemunhas.”
“ Há três maneiras de iniciar o processo em matéria de heresia, a saber: a Acusação, a Denúncia, e a Inquisição. (….) O método de formar o processo pela Denúncia é o mais usado : denuncia-se alguém como culpado por heresia, sem aceitar ser parte, unicamente por causa de não incorrer na excomunhão que atinge todos aqueles que não denunciam.”
“ Pode o Inquisidor receber as denúncias apenas pelo Escrivão, e não se torna necessário que intervenham testemunhas. (….) A obrigação de denunciar um herege é coisa que sempre existirá, não obstante qualquer espécie de juramento, compromisso ou promessa de guardar segredo feita ao Acusado. “
“Há duas espécies de Inquisições: uma geral, que é a busca de heréticos que os Inquisidores mandam fazer de tempos a tempos em uma diocese ou em um país. ( …) a segunda espécie tem lugar quando qualquer rumor público faça chegar ao ouvidos do Inquisidor que tal ou tal pessoa disse ou fez qualquer coisa contra a fé.”

“ ….Os hereges têm uma extrema habilidade para esconder os seus erros: sabem fingir santidade, derramar lágrimas falsas, são capazes de tocar os mais implacáveis dos juízes. Mas um Inquisidor tem que defender-se contra todos os artifícios e cuidar sempre de que estão a enganá-lo.”
“Logo que um Acusado confesse o crime pelo qual foi entregue à Inquisição, torna-se inútil conceder-lhe Defesa.”

“ Tortura-se o Acusado, com o fim de o fazer confessar os seus crimes.Manda-se para a tortura um Acusado que varia as suas respostas, negando o facto principal e aquele que, tendo tido reputação de herege, e estando já provada a difamação, tenha contra si uma testemunha, mesmo que única, a afirmar que o viu fazer algo contra a fé. Se não houver testemunhas, mas se à difamação se juntarem fortes indícios, mesmo que um só, deverá proceder-se também à tortura.”
“ …..se o Acusado nada confessar, pode continuar-se a tortura um segundo e um terceiro dia, mas com a condição de seguir os tormentos por ordem e nunca repetir os já praticados.”
“ Se o Acusado tiver suportado a tortura sem nada confessar, deve o Inquisidor pô-lo em liberdade mediante sentença na qual constará que após um cuidadoso exame do seu processo nada se encontrou de legitimamente contra ele, no respeitante ao crime de que havia sido acusado.”

“ É a confiscação dos bens decretada contra os Hereges , no caso de eles não se converterem antes da sentença pronunciada.(….) Quando se fizer um Processo à memória de um Herege morto, com o fim de tirar aos seus herdeiros os bens que passaram para a sua posse, deverão ouvir-se testemunhas como se fosse um processo vulgar.Chame-se para defender o defunto quem quer que esteja interessado em que a sua memória não seja condenada. No caso de não aparecer qualquer defensor, será o Inquisidor quem nomeará um para servir de Advogado ao morto.”


Nicolau Emérico , ouNicolau Eymerich nasceu em 1320 em Gerona, no reino da Catalunha e Aragão. Era monge Dominicano e foi Inquisidor geral do reino. O seu zelo e excesso inquisitorial foi compensado com o cargo de capelão do papa Gregório IX em Avinhão e em Roma. Escreveu o “Directorium Inquisitorum” em 1376 .

Bibliografia

Eymerich, Nicolau; (1376): "Directorium Inquisitorum"

sexta-feira, 14 de dezembro de 2007

Mulholland Drive @ Carter Hotel

Mulholland Drive ou transmigração virtual

A bifurcação inicial de Mulholland Drive conduz-nos para os caminhos tortuosos da alma e da mente enquanto paradigma existencial .
A decisão inicial que tomarmos, conduzir-nos-á onde quisermos e dar-nos-á a chave…a azul.
O Universo de David Lynch é irrepreensivelmente onírico e simbólico.
Mulholland Drive conduz-nos por referenciais e marcadores muito complexos.
Boa Viagem


Mulholland Drive
A caixa azul transforma Betty em Diane e Rita em Camilla. A procura de um possível código alimenta legiões de cinéfilos, sempre na esperança de terem encontrado a chave para a compreensão desta obra de arte.
Os “experts distraídos”, neste caso, não se deixaram iludir e inundaram a Net com dezenas de teorias e possibilidades de interpretação.
Diane é ela própria a imensidão de uma procura e de um signo, a chave azul.
Mulholland Drive é um palco de marionetas, manobradas não sabemos por quem e porquê.
A existência de inúmeras “mises en abyme” confunde-nos: ilusão ou realidade, virtual ou real?
As hipóteses mais numerosas caminham por terrenos de loucura e esquizofrenia da personagem Betty\Diane e também por envolvências oníricas e hipóteses místicas, esotéricas ou espíritas
Anjos negros, diabos mendigos, cadáveres e portas de entrada , tudo é simbólico e nos transporta para mundos bem próximos do nosso, talvez o nosso, talvez outra dimensão.
Fantasmas à deriva ou puro xamanismo ?
E porquê não tudo isto numa combinação perfeitamente louca e única?
Não nos fechemos nos preconceitos dos nossos juízos de valores e do nosso sistema de crenças castrante.
David Lynch chama-nos e empurra-nos…para onde?



Mulholland Drive
Que fazer perante as grandes questões? Esquecermos e vivermos como se houvesse resposta? Que fazemos por aqui? Que mistério é este?
Que se passa em Mulholland Drive?
Corpos que mudam de alma e almas que vagueiam entre corpos: a metempsicose. Reencarnações em delírio eterno. Transmigrações em tempo de sonhos num movimento perpétuo: que acontece enquanto sonhamos? Para onde vamos?
A relação Betty\ Diane coloca-nos perante os enigmas de uma reencarnação anunciada de véspera: de adolescente ingénua a amante ardente, a fronteira é ténue, ou não será sempre assim?
A metempsicose é mais do que a recordação de vidas passadas, são cenas recorrentes e são definitivamente os símbolos que encontramos para nos invocar e relembrar, ou mesmo renegar o passado e o presente que nos trespassa.
O autómato escondido dentro de nós; por vezes não temos de viver e experimentar para conhecer, pois possuímos uma reserva de conhecimento e experiência que não nos damos conta e que não temos consciência de possuir.

“Don´t play for real until it gets real”


Mulholland Drive
O que é uma alma perdida? O que é uma alma sem corpo? O que é uma alma à deriva?
Será que ela sabe que não tem corpo?
Não poderá existir uma só alma, um só pulsar e tudo ou todos, sermos um? Um Solaris bem real?
A herança genética poderá ser apenas o registo de reminiscências e de almas passantes, de imagens que já vimos e situações que já vivemos sem as ter vivido.
Un “déjà vu” matrixiano em contornos reais; ou serão virtuais? “C´est la même chose”
Rita e Betty são como espectros e raios de luz que sobrevoam a cidade.
Louise Bonner, a velha louca, espécie de oráculo, a vizinha das afirmações inquietantes.
“Someone is in trouble, something bad is happening”
Ela sabe, ela reconhece as almas perdidas, as almas danadas.
Vidas múltiplas dentro de uma vida ou remakes de um sonho perpetuo.
Sentimo-nos perdidos em Mulholland Drive.




Silêncio
Quem é aquela felliniana de cabelos azuis que destoa no meio de Mulholland Drive?
Mais do que nos convidar a um caminho ela simboliza a bifurcação perpétua da nossa tomada de decisão.
Cada imagem nesta cena é um símbolo que nos remete por caminhos difíceis.
Emblematicamente a mulher de cabelos azuis simboliza a cinefilia, essa doença mortal contemporânea que mata lentamente o cinema.
Mais do que dar-nos pistas a mulher de cabelos azuis é uma “mise en abyme” perfeita e emblemática, uma história dentro da história , espécie de transepto metafórico na catedral mental que é Mulholland Drive.


A mensagem é clara, a cinefilia é uma patologia e mania consumista, uma agorafobia, novofobia, estreiofobia,boulimia DVD, procissão de militantes de fim de semana, cinéfilos de segundas feiras, tontos pseudo intelectuais kingodependentes, todos eles contribuem para destruir a essência da obra de arte, do cinema como a sétima arte. A morte do cinema anunciada por uma voz……”.llorando”



Mulholland Drive
As almas perdidas procuram sempre um corpo, um castelo de refugio com suporte nas imagens que retemos, nas imagens que somos.
O cadáver do numero doze, a morena que se transforma em loura e a loura que se transforma em morena, as duas borboletas por cima da vedação, o sonho de um corpo, a escravidão de um corpo, uma alma imagem e uma alma pele.
A mudança de corpos, a reencarnação simulada, regressiva, tudo isto nos é devolvido por Mulholland Drive.
A recepção múltipla de Mulholland Drive remete-nos para a essência da obra de arte e para a multiplicidade de recepções que esta poderá ter.
A caixa azul revolve a pretexta unicidade mental do argumento. Será que ela existe?
“It´s time to wake up” diz o cowboy, na função de coro grego.

Em OK Corral testemunhamos o cliché da voz de uma consciência inexistente, o Cowboy, ele é a figura incompleta do emissário da uma mentira. Será que só existem almas más? Não seremos nós a criá-las e a educá-las pela acção, pelas decisões, ou será o contrário, num movimento mimético e contagiante, propagador do mal?



Mulholland Drive
A caixa azul tem a chave do enigma simbólico. O controlo não existe, tudo é virtual, tudo é uma ilusão, tudo é uma mentira.
Quando vamos dormir, morremos por uma noite e reencarnamos pela manhã. Não nos lembramos por onde vagueámos e porquê.
Mulholland Drive é mais do que um filme, será que é um filme? É essência de uma realidade que talvez não exista.
As almas e os espíritos rodam em Mulholland Drive, à deriva: almas boas, almas danadas, almas perdidas, espíritos.
Pouco ou nada controlamos. O paradigma virtual está instalado.
Somos um.

sábado, 8 de dezembro de 2007

Carter Hotel @ radiozero.pt 09.12.2007 2200h


Arthur Rimbaud
O futuro como objecto poético


“O meu destino depende deste livro”, terá dito Arthur Rimbaud enquanto escrevia o seu “nigger book” (Une Saison en Enfer).Esta afirmação, tão levianamente profunda, moldou o próprio destino e a própria essência da linguagem poética.


O poeta como oráculo de uma determinada sociedade em uma determinada época sempre foi uma imagem recorrente da literatura e mesmo da civilização humana. As palavras de Rimbaud tornaram-se assim e sem mesmo ele se dar conta, num presságio societário incorporado numa tragicidade individual, resultado do expoente civilizacional a que chegámos.


Teremos nós, e desde a partida, o nosso destino traçado ou somos mestres dele próprio? Édipo ao sair de Corinto, ao ouvir as revelações do oráculo, não fez mais que tentar fugir do destino que. o esperava em Tebas. Não será que, a partir de determinado momento todos nós nos apercebemos do nosso destino?


Penso e sinto que sim. A renúncia ao nosso mundo civilizado pela antevisão de um destino trágico é algo de problemático, pois teremos sempre a tendência para a redefinição desse mesmo destino e para a reconstrução do mundo e da sociedade. Rimbaud renunciou a um mundo em apogeu civilizacional; considerava-se no nadir desse mundo. intemporalidade.


Nesta sociedade materialmente científica, ignoramos cada vez mais a voz do futuro, o verdadeiro oráculo, a voz do poeta e da beleza.Em vez disso damos mais atenção à voz do cientista e do horrível. Será então a poesia apenas uma anomalia?


Que fazer perante esta aberração? Acreditar e acreditar sempre. A grande crise existencial de Rimbaud foi quando tinha dezoito anos e a partir daí nada mais escreveu, isolando-se da civilização e do mundo num deserto inóspito até morrer aos 37 anos.


Consideramos assim que o demónio tomou conta da literatura e da poesia? Criámos monstros ou somos nós o verdadeiro Monstro. Rimbaud caminhou sozinho por toda a Europa, esfomeado, durante dois anos numa experiência única que muito contribuiu para a sua visão do mundo e da particularidade e singularidade das coisas simples.


Vivemos numa era em que definitivamente temos de aceitar o Demónio como símbolo da pequenez existencial dos teledependentes, escravos absolutos de uma máquina castradora.


O elemento que falta em Rimbaud é definitivamente a falta de fé – em Deus, no Homem e na Arte. Somos assim renegados numa civilização já renegada à muito. O regresso ao Bem e ao Belo é sempre possível. No fim, e como em tudo, o que resta somos nós, o Ser Humano. Esta é a verdadeira consciência do poeta e do artista em geral e a verdadeira essência da modernidade.Rimbaud iniciou a modernidade ao abrir novas portas de compreensão de uma realidade cada vez mais complexa e distante do indivíduo. “éternité,infini,charité,solitude,angoisse,lumiére,aube,soleil,amour,beauté,inoui,pitié, démon, ange, ivresse, paradis, enfer » Estas palavras foram de uma maneira obsessiva utilizadas por Rimbaud.


Liberdade de preservação da individualidade, este é o verdadeiro caminho para a Salvação referida tantas vezes por Rimbaud. A ilusão do ser e do conhecimento fizeram de Rimbaud a essência do poeta, sendo hoje comummente aceite como o poeta mais lido e mais actual de todos os tempos. Terrível ilusão esta que nos envolve como um barco bêbado que transporta a mensagem para o grande oceano do conhecimento.


Os símbolos de Rimbaud eram os do espírito, gravados em sangue e angústia. A sua linguagem era a do espírito. A modernidade tinha começado nesse momento.


“ Il faut être absolument moderne ! »


Sons De:

Mercury Rev


Jim O´Rourke

Madrugada

Jim Morrison

Jeff Buckley

Camille

Poemas de "Poesies", "Illuminations" e " Une Saison en Enfer"

sábado, 1 de dezembro de 2007

Carter Hotel @ radiozero.pt 02/12/2007 2200h


A essência da obra de arte como essência de vida

Niels Petter Molvaer
Joy Division
Philip Aaberg

« Quase que o não conheci : está mudado…
E Juvenal compreendeu que estava mudado. Ambos estavam mudados. Em todo o caso não podia ter mudado tanto como ele. Na verdade aquele homem degradara-se, dir-se-ia ter-se envelhecido a si mesmo, com os mesmos requintes com que outrora se amaneirava. Mais tarde Juvenal compreendeu melhor aquela degradação:António Eusébio deixara de se poder orgulhar de si mesmo. Uma ruína não passa de uma ruína.
Agora vivia para seu próprio deleite, como uma planta que houvesse deixado de florir por ter descoberto que as flores só dão bem-estar aos outros…..»

“ Pântano” João Gaspar Simões


Sigur Rós
Lou Reed
Keith Jarret

« Ora veja, Mersault, para um homem bem nascido, ser feliz nunca foi complicado. Basta seguir o destino de toda a gente, não por desistência ou renuncia, como é o caso de tantos falsos grandes homens, mas com uma apetência de felicidade. A única coisa que se precisa para ser feliz é de tempo. Muito tempo. A felicidade é, ao fim ao cabo, uma questão de longa paciência. E quase sempre passamos a vida a ganhar dinheiro, quando o que era preciso era ganhar tempo através do dinheiro. Esse é o único problema que sempre me interessou. É um problema preciso e claro.»

“ A Morte Feliz” Albert Camus

Damien Rice
Radiohead
Talk Talk

« Eu dizia de mim para mim: terei, não só tempo, mas capacidade para realizar a minha obra? A enfermidade que, tal um severo director de consciência, me obrigara a morrer para o mundo, fora-me útil ; talvez me resguardasse da indolência, como esta me preserva da facilidade, mas consumira-me as energias, até as da memória. Ora, a recriação, pela memória, das impressões que depois seria mister aprofundar, esclarecer, transformar em equivalentes intelectuais, não seria uma das condições, quase a própria essência da obra de arte?

“ O Tempo Redescoberto, Em Busca do Tempo Perdido” Marcel Proust


A originalidade da vanguarda

Sendo a desconstrução um processo abstracto mas real, esta é essencialmente uma busca contínua perante a impossibilidade do sistema. Em cada um, a desconstrução surge como força de deslocamento e um limite à própria totalização do sistema. De facto, foi essa própria incapacidade circular do sistema que permitiu aos filósofos falar em sistema. Por natureza o sistema não funciona e pela desconstrução, enquanto processo de trabalho e análise, somos levados à disfuncionalidade do próprio sistema e ao desejo de sistema enquanto análise de relações de desajustamento. 1

A originalidade como fluxo contínuo da origem e de um sistema não original

Recensão crítica do ensaio de Rosalind Krauss, " A originalidade da vanguarda" 2

Até que ponto o molde das "Portas do Inferno" é considerada uma obra de arte original?
Sabemos que o original em gesso não estava acabado e que apenas foi terminado com base nos desenhos de A. Rodin. Também sabemos que o artista legou todos os seus pertences, todo o seu espólio e os direitos de reprodução ao Estado francês. Este facto pressupõe a liberdade de reprodução da sua obra. A limitação do número de reproduções foi apenas decidida pela Assembleia Nacional Francesa.

Porquê colocar em dúvida a autenticidade teórica da obra quando o sentimento que nos assalta ao ver esta obra contradiz esta afirmação.
Lembro-me do dia, faz alguns anos, que tive o privilégio de ver a reprodução das "Portas" no Museu Rodin em Paris.
Nada do que pode ser dito poderá alterar a minha forma de sentir aquele momento Considero o texto de R. Krauss confuso, misturando muitos conceitos teóricos, sem os desenvolver, tentando justificar uma opinião que, quanto a mim também não está suficientemente explícita.
Todos possuímos o nosso sistema de crenças e de juízos de valor, inclusive R.Krauss, quando tenta fazer uma análise estruturalista sem a desenvolver, não especificando o porquê do signo, o que é o significado e o significante e como é que encaixam na construção teórica que tenta sem sucesso fazer.
Se analisarmos pelo angulo de uma possível desconstrução verificamos também algumas incongruências. R.Krauss, enquanto parte integrante de um sistema que ela provavelmente contribuiu para edificar, é uma referência de análise das crenças e conceitos teóricos que pretende por em causa. Os juízos de valor emitidos para a possível desconstrução do sistema são eles também parte integrante do sistema.
Como muitos textos teóricos de História e de Critica de Arte este texto múltiplos conceitos, um pouco como montra de sapiência, sem nunca os desenvolver de uma maneira incisiva.
Na primeira parte do texto existe pois uma clara confusão de conceitos; inicialmente põe em questão a originalidade das "Portas" quando deveria falar de autenticidade e talvez em essência; mais à frente refere-se à autenticidade mas volta a confundir-se ao pegar como referência o texto de 1936 de Walter Benjamin " A obra de arte na época da
sua reprodução mecânica."3 Existe uma diferença básica enquanto meio de reprodução mecânica entre um molde que necessita de ser trabalhado para se poder reproduzir e um aparelho mecânico onde a técnica e só a técnica é que permite a sua reprodução. Estamos perante dois conceitos teóricos completamente diferentes; colocá-los todos no mesmo cesto considero algo ligeiro.
Aliás a referência ao texto de Walter Benjamin aparece um pouco desgarrada (mais um artigo na montra da sapiência) pois não aborda questões que esse mesmo texto desperta ou despertou, nomeadamente quanto à grande discussão que conseguiu promover entre os teóricos da escola de Frankfurt: Adorno considerava que Benjamim deveria separar o conceito de autor e de produtor da obra de arte: o verdadeiro artista seria aquele que encarava e levava a vida como a obra de arte numa consistência de autoria, produção e vivência que o identificasse como parte da obra de arte. Yves Klein, o monochrome, conseguiu integrar todos estes conceitos tornando-o no artista, no autor e produtor da obra de arte por excelência.
Ao regressar ao conceito de original e à cultura do original, Krauss volta a confundir os conceitos ao referenciar a originalidade e a modularidade no trabalho de Rodin.
Para mim a turbulência teórica chega a um limite com as referências a Rainer Maria Rilke; fica-se sem saber o porquê da referência a Rilke e desta citação ao " hino à originalidade de Rodin". Ao saltar de um conceito para outro conceito sem definição prévia induz o leitor a confundir os dois também.
Ora uma construção teórica tem de ser consistente, onde os alicerces têm de ser fortes, o que não acontece neste caso.
Voltamos novamente à cultura do original sem ter percebido a ideia de autenticidade e dos seus contornos teóricos. Aliás esta definição só virá mais à frente onde Krauss define que a reprodução autêntica, por isso original, é aquela que é feita próxima do momento estético da criação e sempre dentro do espartilho de uma coerência estilística deixada a uma subjectividade de uma prática de "connaisseur" e não de "connoisseur". Aliás este erro é de uma certa forma simbólico, não se chegando a saber se o é tipográfico, de tradução ou de essência de produção; voltaríamos assim num movimento circular e teórico que nos leva à autoria do texto, enquanto objecto literário: como possível definir a literatura enquanto tal, como obra de arte tendo em vista a sua inevitável reprodução tipográfica ou seja, mecânica?
Claro que neste caso não se coloca a questão porque o ensaio em análise não é definitivamente uma obra de arte. Mas se falarmos de " À la recherche du temps perdu" de Marcel Proust estamos perante outro tipo de cenário e que nos pode fazer pensar que todas as impressões feitas de tal obra não são mais que réplicas, que transmitem a verdadeira essência da obra, o sentimento e a emoção, o mesmo que senti ao ver as "Portas" do Inferno no jardim do Museu Rodin.
Ao ler esta primeira parte do texto sinto a vontade de dizer como Krauss : Fraude

Rosalind Krauss desenvolve depois uma análise do conceito de originalidade enquanto denominador comum dos chamados movimentos de vanguarda. Aqui concordo plenamente com as premissas teóricas da autora em que se refere à dissolução do passado como base de uma origem ou de um zero absoluto que a própria originalidade gera.
Estamos perante um sistema de autogeneração em que a entidade original faz de fronteira entre um "passado carregado de tradição" e um "presente experimentado de novo".
Assim a prática das vanguardas pressupõe sempre uma certa assumpção de originalidade de redefinição do zero, de um outro zero, de um recomeço eterno e circular.
Em relação à reticula enquanto suporte e enquanto rede considero que a autora recorre a conhecimentos e definições que não explica colocando o leitor enquanto receptor numa situação incómoda. Considero que algumas das conclusões prévias que realiza e das relações que estabelece apenas nos induzem numa confusão teórica destinada a nada provar. Conceitos e frases como: " a reticula colapsou a espacialidade da natureza sobre a superfície limitada de um objecto cultural. O resultado é proscrição da natureza e o discurso é um silêncio ainda maior.", induzem-nos a uma teorização negativa pois superlativa, pela indução transversal e não conceptual de valores inexistentes e conseguida através de um desvirtuamento lexical conducente à demonstração de uma sapiência relativa.
Chegamos assim via reticula, às origens da arte, ao pretenso momento zero, que pouco tem a ver com a pretensa originalidade nem tão pouco com o conceito de autenticidade.
Este sentimento de começo e de eterno retorno é exposto como tal de uma forma agora clara.
O redescobrimento da origem enquanto resultado de uma atitude vanguardista e de originalidade conduz-nos à dicotomia latente no discurso da arte moderna: originalidade repetição, múltiplo \ singular, único \ reprodutível, fraudulento \ autêntico, cópia \ original.

Posteriormente a autora regressa a uma pretensa análise estruturalista com raízes numa superfície de representação em que o signo pictórico assumiria a possibilidade de existência de um significado redundante perante um significante valorizado. Partindo daqui e como conclusão desta análise semiológica, R. Krauss afirma que os moldes de Rodin são um sistema de reproduções sem original. Considero esta afirmação desenquadrada da análise anterior, por isso nunca conclusiva.
Cópia será assim a condição teórica do original. O conceito de original é assim reintroduzido como prática do discurso artístico desde o sec.XIX, numa procura constante das marcas do original enquanto produto de uma originalidade reinventada.
De repente e sem conectores teóricos suficientes a autora transporta-nos para o universo particular de Jane Austen e a partir daí para a representação da paisagem enquanto modelo pictórico e depois inevitavelmente para o "Pitoresco".
As abordagens seguintes, sempre com referencias terceiras a definições do "Pitoresco", conduzem-nos a outro tipo de discussão e naturalmente a um desvio da linha de raciocínio que a autora tinha até aí tentado nos induzir.
A paisagem como elemento singular discorre de uma característica topográfica e de como ela fica registada na imaginação do artista.

Assim, e agora extraordinariamente, R.Krauss faz a ponte para o conceito de singularidade. Interrogo-me sobre as razões ao recurso discursivo do "Pitoresco" para a introdução do conceito de singularidade. É evidente que a subjectividade do artista ao reproduzir uma característica da natureza, a paisagem, é amplificada pela subjectividade do artista.
E, num movimento circular mas sem estruturação teórica, regressamos ao conceito inicial de múltiplo enquanto oposição de singular e de cópia enquanto actividade fundamental numa concepção de original.
Este turbilhão conceptual, por vezes impressionante, catapulta-nos para a ideia de cópia enquanto produto de um copiador intencional.
A referência ao "Musée des Copies" de 1834 em Paris, a Delacroix e a Monet introduzem-nos em novas frentes de discussão conceptualmente diferentes.
R.Krauss referencia indelevelmente o papel da cópia na prática pictórica do séc. XIX e as suas implicações no conceito do novo, original e do espontâneo.
Falar, nesta sequência de raciocínio, no conceito de espontaneidade é desajustada pois distorce e confunde o receptor; ao considerar a cópia como " ponto de partida para um desenvolvimento de um signo cada vez mais organizado e codificado de espontaneidade" realiza uma deriva teórica significativa que em nada contribui para a coerência do texto.
Seguidamente a autora introduz-nos abruptamente noutro conceito, o de instantaneidade, traduzido na "pochade" de Monet: a produção da série da Catedral de Rouen por Claude Monet permite a R. Krauss regressar aos conceitos bases da primeira parte do ensaio, numa espiral conceptual verdadeiramente descontínua : originalidade, origem e autenticidade. Este regresso tem uma vantagem pois permite à autora uma outra oportunidade de explicar e justificar os conceitos iniciais.
O processo estrutural e mimético da cópia não se limita à definição básica de uma cópia mas sim à questão da verosimilhança e\ ou reprodução de uma realidade.
Esta desconstrução foi bem definida por Jacques Derrida; uma origem enquanto ponto de partida e lugar de referência inscrito na memória colectiva, na essência do Ser, da Vida como nomeação contínua de um registo pretérito.
Originalidade será assim uma reinvenção da própria realidade que permite a assumpção da cópia como esplendor estético do Pós Modernismo.
Aqui concordo com a autora na sua afirmação que " terminou o tempo das vanguardas", dos manifestos e dos retornos forçados a uma origem, a um zero original.
Este processo é muito bem definido na parte final do ensaio, onde a autora nos remete para a essência da arte numa busca sem fim. A prática cultural de validação invalidação dos registos de nomeação conduzem à autenticação da obra como produto cultural.
Como a autora considero que este processo é uma nova perspectiva de reinvenção da
modernidade num ciclo sem fim.


1 TERENAS,CARLOS (2007) : D´ailleurs Derrida.
2 KRAUSS, ROSALIND (1985) : The Originality of the Avant-Garde and Other Modernist Myths. New York . MYT
3 BENJAMIN, WALTER (1936) : L´oeuvre d´art à l`époque de sa reproduction mecanisée , in Écrits Français (1991) .Paris.Gallimard