sexta-feira, 15 de fevereiro de 2008

A Modernidade de Baudelaire


« C´est ici une belle occasion, en vérité, pour établir une théorie rationnelle et historique du beau, en opposition avec la théorie du beau unique et absolu; pour montrer que le beau est toujours, inévitablement, d´une composition double, bien que l´impression qu´il produit soit une ; car la difficulté de discerner les éléments variables du beau dans l´unité de l´impression n´infirme en rien la nécessité de la variété dans sa composition. Le beau est fait d´un élément éternel, invariable, dont la quantité est excessivement difficile à déterminer, et d´un élément relatif, circonstanciel, qui sera, si l´ont veut, tour á tour ou tout ensemble, l´époque, la mode, la morale, la passion. Sans ce second élément, qui est comme l´enveloppe amusante, titillante, apéritive, du divin gâteau, le premier élément serai indigestible, inappréciable, non adapté et non approprié à la nature humaine. Je défie qu´on découvre un échantillon quelconque de beauté qui ne contienne pas ces deux éléments. » 1


Recensão crítica do texto de Charles Baudelaire, “ O Pintor da vida moderna” 1

A publicação deste texto extraordinário e referencial para a História da Arte, teve algumas peripécias. Escrito em 1859, Baudelaire só conseguiria publicá-lo em 1863, em três fascículos no jornal “ Le Fígaro”. Esta dificuldade de publicação, apesar do prestígio de Baudelaire, ter-se-á devido ao facto de este poderosíssimo texto ser uma elegia a um pintor desconhecido e sem interesse mediático (ontem como hoje): Constantin Guys.
Este texto faz parte de um conjunto de textos ligados à arte que Baudelaire produziu, desde pequenas críticas a textos mais conceptuais como este.
Baudelaire assume com audácia o confronto com o “poder académico”, que espartilhava os novos caminhos da arte .
Podemos sem duvida afirmar que em termos teóricos, a modernidade foi introduzida através deste texto.
Toda a critica baudelairiana é uma produção de conceitos de uma forma lírica e ao mesmo tempo realista.
Charles Baudelaire defende os pintores da sua época, os modernos que ultrapassam o motivo com a paixão.
A nova concepção do belo, de certa forma dual, é a principal característica da modernidade : “ La modernité, c´est le transitoire, le fugitif, le contigent, la moitié de l´art, dont l´autre moitié est éternel et immuable.”
Para Baudelaire a arte era algo de universal e que, para ser atraente, deveria ser incorporada de laivos de actualidade.
Em termos puramente teóricos poderíamos chegar a um paradoxo e verificar que desde sempre a modernidade estaria presente na arte, o que nos colocava perante um dilema conceptual. Para nos esclarecer teremos de nos reportar a toda a obra de Baudelaire e verificarmos de como ele, desde sempre, abordou estes novos tempos e conceitos: ser moderno é incorporar a artificialidade das grandes metrópoles: a reinvenção de uma nova natureza, a natureza artificial, urbana e simultânea à assunção de um novo sentimento, semi melancólico, semi existencial, o Spleen.
A modernidade seria assim, segundo Baudelaire, o transitório, o efémero, o contigente, a metade da arte, sendo a outra metade o eterno e o imutável.Charles Baudelaire afirma neste texto que a modernidade teria de extrair a beleza misteriosa da vida e do presente para que possa ser digna de se tornar antiguidade. Resume também, através de uma extraordinária lucidez, todo o pensamento que perdura até aos nossos dias ( o pensamento moderno).
Este texto “ O Pintor da vida moderna” é plenamente conseguido, pois resume de uma maneira muito intensa todo o pensamento e filosofia artística do autor de “ Les Fleurs du Mal”. A posterioridade estava conseguida mas Baudelaire tinha consciência que os seus leitores e os verdadeiros entendedores da sua obra ainda poderiam não ter nascido.
Afirmava também que toda a beleza seria originária no progresso da razão e não da natureza, em oposição aos conceitos do sec. XVIII : « Passez en revue, analysez tout ce qui est naturel, toutes les actions et les désirs du pur homme naturel, vous ne trouverez rien que d´affreux. Tout ce qui est beau et noble est le résultat de la raison et du calcul. »1
Ao artista, ele opõe o homem do mundo, inteiro e curioso. Este artista, este « pintor da vida moderna » vagueia entre o “ flâneur” e o génio.
Com este texto, Baudelaire passa à teoria, num método único de estruturação da lógica do raciocínio: estabelece uma relação única entre percepção, lembrança e experiencia estética. Foi Walter Benjamim que primeiro estabeleceu uma afinidade estética e conceptual entre Proust e Baudelaire. Jacques Derrida referencia também esta ligação teórica reafirmando a opinião de Baudelaire que associa a origem do desenho à memória, muito mais do que à percepção.2 E sendo assim, Baudelaire reafirma que os bons e maus desenhadores desenham com base na imagem escrita / inscrita no seu cérebro e não na imagem da natureza. Assim, e por consequência de razão, o verdadeiro crítico não seria aquele que no fulgor da exposição tira notas avidamente mas aquele que, na calma do seu retiro, redige de memória: o crítico criativo.1
O belo para Baudelaire é sempre bizarro e conduz a uma definição de arte como uma “ mnémotechnie du beau” uma certa oposição filosófica entre o visível e o dizível, entre o que se mostra e o que se diz. Ele assumia as dificuldades naturais em dizer e escrever a lembrança e a memória na confrontação das potencialidades expressivas da língua e dos afectos visuais produzidos pelo quadro.
Em resumo, o texto “ O Pintor da vida moderna” é também um ensaio sobre um pintor, Constantin Guys, onde Baudelaire analisa a sua obra e a sua vida. Em certa medida Guys reflectia a imagem baudelairiana de um dandismo ecléctico e espiritual. Um dandy urbano em que a metrópole e as suas novas valências ( o boulevard, o cabaret, o teatro, o Bois ) assumem o papel de uma natureza artificial.
Neste texto, Baudelaire reafirma o que deve ser uma verdadeira obra de arte enquadrada na teoria poética moderna.
Com Baudelaire e com este ensaio, é todo um espírito e um estilo que nascem, é toda uma consciência de si mesmo, do ser urbano que se estabelece em rede e em relação com a cidade.
Apesar de dizer respeito à pintura, este ensaio é mais uma significação simbólica de uma modificação e alteração profunda que é modernidade.
Em suma, este ensaio de Baudelaire é o acto da aparição da modernidade. Quer seja pelo espírito e pela inteligência incomparáveis dos seus escritos, quer pelo seu extremo bom gosto ou pela amplitude magnífica das suas ideias, Baudelaire ( crítico de arte ou poeta) é o primeiro grande esteta dos tempos modernos.

Referências Bibliográficas :



1 BAUDELAIRE, CHARLES (1868) : “ Le Peintre de la vie moderne » dans Baudelaire- Critique d´art ( 1992) . Paris. Gallimard
2 DERRIDA, JACQUES (1990) :Mémoires d´aveugle, Catalogue du Louvre Paris.RMN

segunda-feira, 11 de fevereiro de 2008

A paixão pelo Real : o Realismo e a Realidade


“….a dialéctica da aparência e do Real não pode ser reduzida ao mecanismo bastante elementar pelo qual o carácter cada vez mais virtual do nosso quotidiano ( essa vida sentida como que desenrolando-se cada vez mais no quadro de um universo artificialmente construído) implicaria a necessidade irresistível de uma “ ressurgência do Real”, de uma ancoragem firme numa qualquer “realidade real”.O Real que regressa tem o estatuto de uma (outra) aparência: é precisamente por ele ser real, é precisamente devido ao seu carácter traumático e excessivo, que somos incapazes de integrá-lo naquilo que apreendemos como sendo a nossa realidade, sendo portanto forçados a experimentá-lo como uma aparição de pesadelo.” 1


Abordagem sintética da obra de Gustave Courbet (1819-1877) à luz de uma historicidade artística e perante as novas questões da contemporaneidade.


Quando inaugurou em 1855 a sua exposição num barracão simples em Paris, Gustave Courbet não teve consciência que estava a ser actor da História da Arte. Intitulou-a “Le Réalisme, G. Courbet” ; o próprio facto desta exposição decorrer em paralelo à grande Exposição Universal de 55 onde estavam expostos todos os pintores consagrados do seu tempo, foi à partida um acto provocatório. A Revolução na Arte tinha-se iniciado.
Courbet assumiu-se como homem e artista do seu tempo , como activista político, com a capacidade e o poder individual de pintar qualquer tema .Buscava a verdade, a realidade tal qual ela se lhe aparecia. A realidade simples e pueril, sem artifícios e rotineira, sofredora e real. Uma realidade sem formosura, sem poses graciosas e linhas fluentes; uma realidade de cor, uma realidade por vezes também sem cor.
O choque foi total e a afronta imensa. Os artistas do sistema e da norma académica sentiram-se ultrajados.
Courbet tinha conseguido: o protesto estava feito, o golpe ao sistema e às convenções artísticas estava desferido. O verdadeiro artista fiel aos seus princípios morais e artísticos tinha então nascido. Transformou-se numa das personalidades mais poderosas do sec. XIX.

“Espero sempre ganhar a vida com a minha arte, sem me desviar um milímetro dos meus princípios, sem nunca ter mentido à minha consciência, sem pintar sequer algo que caiba na palma da mão apenas para agradar a alguém ou para vender mais facilmente”

O Realismo tinha nascido, provocatório e político. A representação mimética da Natureza transformava o artista em seu discípulo. A representação clássica e académica tinha ficado nos antípodas. A Academia sentia-se chocada pela banalidade chocante dos quadros de Courbet; mas não será a realidade, ela sim banal e por isso chocante? Não será a realidade de uma banalidade chocante?

Courbet trouxe para o espaço pictórico uma dimensão da vida que nunca nele estivera representado. Entrava-se assim noutra dimensão da arte, numa dimensão real, numa realidade real agora transposta para o universo da representação pictórica.

Um verdadeiro pintor do seu tempo

A realidade romântica desvanecia-se, e o realismo, assim como o pensou Courbet, assumia-se como novo conceito e movimento.
A adesão dos artistas a uma realidade que se quer sempre objectiva, vem de longe. Desde Altamira e Lascaux que a representação da Natureza é tentada tão fielmente quanto possível numa atitude mimética que por vezes transcende o ser humano. O mesmo aconteceu nas expressões realistas das esculturas egípcias da primeira dinastia. Na Flandres renascentista o realismo deu mais uns passos com Van Eyck. 2
O realismo francês, o de Courbet, foi realmente inovador por se assumir como pintura social, como pintura de intervenção em defesa das classes mais desfavorecidas contra uma burguesia que tinha assumido o poder após a Revolução de 1789.
Courbet assumia-se como interventor social, como socialista e a sua obra reflecte o amplo enquadramento social que a sua vida sempre teve: anticlerical, antiacadémico e antiburguês. Na tradição bem francesa do artista e intelectual engagé, Courbet assumiu esse estatuto na plenitude.
A nova dimensão de Courbet é reflexo de uma época de procura, onde as grandes questões que iriam marcar a modernidade e contemporaneidade até aos nossos dias foram pela primeira vez despoletadas.
Cada pintor assumia-se na tentativa de procurar estilos próprios e novos caminhos.
Courbet era um defensor da realidade objectiva, sem se aperceber que o seu compromisso politico pessoal o afastava de uma linearidade objectiva e sintética.
Além disso Courbet não se conseguiu abstrair de uma poesia latente que transmitiu nas suas telas imensas. O seu sentimento poético retirava realidade ao seu realismo, transformando-o sempre na sua visão, sempre contaminada pelo “sistema de crenças” ( no seu caso fortíssimo).
E Courbet assumiu-se como pintor de uma realidade que o circundava; assumiu-se com o poder de tudo pintar. E quase tudo pintou: paisagens, caça, natureza morta, motivos sociais, nus e pintou-se a ele próprio numa produção imensa que fizeram dos seus auto-retratos verdadeiros testemunhos da sua vida.
Também aqui a provocação era o mote na sua abordagem artística .

A invenção de Courbet
Os auto-retratos multifacetados

Os auto-retratos de Gustave Courbet sempre foram considerados com muita prudência e parcimónia pelos críticos e historiadores de arte.
Entre 1842 e 1855 Coubet representou-se em mais de uma vintena de auto retratos.
Analisados inicialmente como fruto de uma instabilidade estética e psicológica e de um grande narcisismo, hoje esses auto-retratos, e toda a obra de Courbet, começam a ser reanalisados à luz de grandes questões da nossa contemporaneidade.
Será que podemos dizer que Courbet tinha uma paixão pelo Real ou pela aparência? Somos forçados a regressar àquela ideia de Lacan segundo a qual, se os animais podem iludir apresentando o que é falso como verdadeiro, só os homens ( entidades habitando o espaço simbólico) podem iludir apresentando como falso o que é verdadeiro. 3
Gustave Courbet sempre foi um consumidor de imagens: visitava todas as exposições, todos os museus, viajava, era ávido de conhecimento pictórico. A sua formação artística, apesar de não académica, era muito completa, demonstrando um conhecimento do passado artístico e da herança pictórica que lhe deram uma confiança e segurança imensas. A sua principal influência foram os naturalistas do sec. XVII como Caravaggio e Velásquez .
Podemos dizer que Courbet foi o primeiro a pensar a imagem como reflexo de si, como espelho de pensamento e raciocínio.
Sabemos hoje, mais do que nunca, que a nossa estrutura de pensamento é realizada recorrendo a imagens perceptivas, uma vez que o pensamento é algo iminentemente visual. 4 Courbet talvez tenha sido dos primeiros a sentir e transmitir isso.
Nos seus auto-retratos Courbet mascarava-se e assumia personagens que encarnavam a sua personalidade instável associada a imagens referenciais de um passado romântico recente.
Sao exemplos disso “Auto portrait au chien noir” e o “Portrait de l´artiste dit l´homme blessé ». Aqui Courbet assume um diálogo extraordinário com toda uma tradição pictórica numa ebulição estética que lhe garantiu uma coerência refundada no exemplo.
Se bem que a maioria dos auto-retratos foram realizados na primeira fase da sua carreira, Courbet nunca a ele renunciou, fazendo-se representar em inúmeras telas de maneira indirecta ou secundária; ele estava presente nas paisagens magníficas que nos ofereceu e nos nus provocatórios que ainda hoje podem chocar.
As várias máscaras de Courbet não poderão ser o testemunho de várias personalidades a tentarem sobressair, a tentarem-se evidenciar, numa atitude quase esquizofrénica? Realidade? Realismo? Aparência?

Não será a realidade a melhor aparência de si mesma?

Podemos então, considerar também a interpretação dos auto-retratos de Courbert como uma espécie de rito iniciático à semelhança do que outros pintores fizeram; uma única razão para tentar explicar a quantidade e razão de tantos auto-retratos será desproporcionada e um conjunto de muitas, talvez seja a aproximação mais justa esta questão.
A associação das atitudes e máscaras que Courbet assumiu nos seus auto-retratos ajudaram-no a criar uma imagem metamórfica junto da opinião pública, facto completamente novo. Courbet soube gerir esse facto muito bem num exercício de uma dimensão inédita e foi o primeiro a tirar disso proveito, sabendo da apetência do público pelas imagens, pela inovação e sobretudo pela controvérsia

« Quand je ne serai plus contesté, je ne serai plus important »

São famosos pela identificação que lhe proporcionaram a barba assíria e a sua pose em o “ Le Violoncelliste, 1847” , a sua atitude de bebedor de cerveja e fumador de cachimbo e sobretudo o extraordinário e magnifico “Portrait de l´artist, dit Le desespere,1844-1854”, a verdadeira expressão realista do criador atormentado, incompreendido e solitário.
Toda esta profusão de máscaras e personagens contribuíram para a abundante presença de Courbet nos jornais da época nomeadamente ao nível das caricaturas, meio de crítica sarcástico comum na época.
A sua postura como artista é assim associada às múltiplas poses que assumiu nos auto- retratos, numa atitude de indiferença face ao olhar e ás criticas dos outros, que simboliza a sua verdadeira liberdade de criador.
As personagens que assume são associadas sempre a um passado de uma cultura literária e a uma herança cultural pictórica dando-lhe de alguma forma uma certa credibilidade mesmo que só assumida muito mais tarde.
O difícil equilíbrio instável desta tensão quase esquizofrénica iria marcar toda a sua vida pessoal e artística.
Ao se retratar transvesticamente o personagem Courbet substitui-se ao pintor Courbet, numa espécie de antecipação a uma realidade e a uma polémica contemporânea : a ausência da realidade para planos pictóricos e estruturas virtuais num processo de desaparecimento gradual do conceito de realidade e real numa substituição estrutural por novos planos ou seja o aparecimento da nova realidade virtual.
Com Courbet o Real tinha começado a deixar de existir, paradoxo conceptual com o facto de ele ser associado a um movimento que tentou transpor para o espaço pictórico a própria realidade.
Podemos considerar que foi esse mesmo processo, inovador em Courbet, de transporte da realidade para o espaço pictórico, que iniciou a retirada de essência da realidade, subtraindo dela a substância, que lhe permitia ser a “material realidade real”.


Será que o Real existe mesmo?


O extremo conceptual desta questão é magnificamente simbolizado no filme Matrix (1999) dos irmãos Wachowski, onde esta lógica atinge o seu clímax: a realidade real que nos passa pelos nossos sentidos não é mais que uma realidade virtual gerada pelo “grande computador” . Ao despertar para a verdadeira realidade o herói apenas vê ruínas e destruição. Ao ser acolhido nesta realidade real, Morpheus, o chefe da resistência, reserva-lhe a saudação que marcou e marca as gerações que já hoje vivem na abstracção do Real:

“ Bem vindo ao deserto do real”


Destino do realismo. O poder das imagens


Charles Baudelaire, grande anunciador dos tempos modernos, já tinha dado o mote:

Glorifier le culte des images ( ma grande, mon unique, ma primitive passion)”

A procura durante o séc. XIX de um meio de reprodução exacta das imagens foi uma necessidade e uma exigência: a Ciência estava já pronta para fornecer descoberta da fotografia mas o século em geral e a arte em particular já há muito que estavam prontos para a receber.
O texto começa a ceder espaço para a imagem. A fotografia e a impressão, a imagem e o livro; esta dupla oposição retrata a evolução da nossa cultura. O lisivel e o visível.
É com o sec. XIX que se inicia o fim da civilização do livro e em parte, do raciocínio estruturado só em frases. A velocidade apanhou o homem moderno e impôs-lhe a necessidade de pensar mais depressa. A sensação e a resposta da impressão da imagem no cérebro são instintivas e a sua percepção imediata e simultânea.
Podemos dizer que o signo suplantou o verbo, ultrapassando as palavras, pela imagem.
Estamos perante o império da imagem em que a memória visual é condição de sobrevivência.
Este processo teve origem no sec. XIX e Gustave Courbet em muito contribuiu para o seu desenvolvimento. Assumindo-se como realista e como pintor da realidade, a pintura de Courbet não deixa de traduzir a poesia das suas emoções em imagens. Toda a criação por mãos humanas aplica uma certa concepção de beleza e exprime uma certa presença psicológica, não sendo nunca neutra, nem plenamente plástica, nem plenamente realista.
E foi assim que o realismo, à força de se suplantar como representação total, deu pistas para as futuras livres interpretações do real, dependentes de cada personalidade e de cada sensibilidade. Estava aberto o caminho para o impressionismo.


Referencias Bibliográficas:

1 ZIZEK, SLAVOJ (2002) : Bem-Vindo ao deserto do Real. Lisboa. Relógio de Água.
2 DE CASTRO, FERREIRA (1972) : “As maravilhas artísticas do mundo” in Obras Completas. Lisboa. Guimarães Editores
3 LACAN, JACQUES (1966) : Écrits. Paris. Le Seuil
4 ARNHEIM, RUDOLF (1986): New Essays on the Psychology of Art. Bekerley.UCP














quarta-feira, 6 de fevereiro de 2008

A construção do mito de Veneza

Seria difícil sobreestimar o valor das lições que o estudo aprofundado dessa estranha e poderosa cidade pode proporcionar. Sua história, apesar dos trabalhos de inúmeros cronistas, ainda permanece vaga, perpassada de sombra e de luz, semelhante à orla longínqua de seu oceano, onde a rebentação da onda no banco de areia se confunde com o céu .”1

Abordagem sintética sobre o mito da cidade de Veneza a partir da análise do quadro “ O Leão de S.Marcos “2 de Vittore Carpaccio3


Ao recordar a minha visita ao palácio dos Doges em Veneza e no meio de dezenas de salas carregadas de arte e história, não posso esquecer o momento em que pela primeira vez, vi ao vivo o célebre “ Leão de S.Marcos”. Foi e é na sala Grimani junto a outros quadros que representam também o leão alado, que se encontra esta extraordinária obra prima de Carpaccio: as patas anteriores sobre a terra e as posteriores sobre o mar, simbolizando a dominação da Republica sobre a terra e sobre o mar.
A cidade de Veneza ou a Sereníssima como é vulgar chamá-la edificou-se sobre modelos reais e imaginários que contribuíram para a construção do mito que servia de factor motivador e de união para os seus habitantes e de arma psicológica fortíssima contra os seus inimigos presentes e futuros.
Para essa construção muito contribuiu a arte e particularmente a pintura. O Leão de S. Marcos é uma obra emblemática que oficiosamente se tornou o símbolo da Sereníssima Republica de Veneza.
Em termos do movimento artístico e cultural renascentista, Veneza foi a ultima Cidade Estado italiana a iniciar o processo do “Rinascità” fruto da sua politica geoestratégica orientalista, só invertida após a conquista de Bizâncio pelos turcos otomanos em 1453. Foi por esta razão que Veneza desenvolveu os modelos bizantinos até muito tarde no Quattrocento.
A dimensão internacionalista e orientalista de Veneza foi assim substituída por uma politica de aproximação a ocidente à “ la terra ferma” o que conduziu a uma aproximação aos modelos renascentistas já em desenvolvimento em cidades como Florença, Pádua e Milão.

1-A cidade de Veneza : contexto histórico, cultural e sociopolítico

“O espaço em si pode ser primordialmente dado, mas a organização e o sentido do espaço são produto da translação, da transformação e da experiência sociais.
O espaço socialmente produzido é uma estrutura criada, comparável a outras construções sociais resultantes da transformação de determinadas condições inerentes ao estar vivo, exactamente da mesma maneira que a história humana representa uma transformação social do tempo.” 4

A cidade de Veneza nasceu com o Palácio dos Doges em 810: era um palácio fortificado que tomava posição estratégica no controlo do comércio do Mediterrâneo oriental. A ligação com Bizâncio dá-lhe uma situação estratégica e de crescimento exponencial ao nível comercial, militar e político. A organização política era peculiar: apesar de ser uma Republica, os Doges eram eleitos para a vida.
A imensa rede de interesses comerciais e políticos fizeram dos Venezianos mestres na arte política e exímios marinheiros.
A relação com Bizâncio sempre foi uma constante na política Veneziana e na geo- estratégica do Mediterrâneo Oriental.Veneza era assim uma potência marítima incontestável.
Não é de estranhar que Veneza incorpore os modelos artísticos bizantinos e um certo orientalismo.
Estes modelos mantiveram-se até meados do Quatrocentto .Após a tomada de Bizâncio a agulha de Veneza volta-se definitivamente para ocidente, tornando-se no derradeiro bastião ocidental perante a ameaça otomana latente.
O mundo também tinha mudado a ocidente e novas potencias dominavam agora o cenário politico, militar e comercial.
Os complicados períodos por que passou estrutura constitucional do Estado Veneziano obrigaram a uma separação entre a nobreza e a plebe, sendo o governo colocado nas mãos dos nobres, excluindo assim as influências do Doge. No primeiro período, de novecentos anos, o povo outorgou o poder ao mais digno, o doge. Este período encerra a ascensão de Veneza nos seus mais destacados progressos. No segundo período, de quinhentos anos, existiu uma Veneza oprimida pela guerra de Chiozza e perturbada pela conspiração interna, a de Faliero. Este período encerra a principal luta de sua história. O coração de Veneza batia por suas guerras. As suas vitórias deveram-se a heroísmos individuais provados pela sucessão de acções terríficas, sob as quais o seu poder se consolidou.

1.2 S. Marcos Evangelista , uma visita à Basílica

“Imponente sobre a praça do mesmo nome, a Basílica de S.Marcos, de estilo puro bizantino, foi construída para guardar as relíquias de S.Marcos, evangelista, patrono da cidade.
O primeiro núcleo da Basílica foi construído em 829, mas o conjunto actual é um culminar de construções ao longo dos séculos, que resultaram num monumental edifício de cinco cúpulas, de 4000 metros quadrados de obras de arte e tesouros da humanidade, resultado de milhares de horas de trabalho de artesão e artistas.
Sendo também a catedral de Veneza, presenciou acontecimentos marcantes da história do mundo ocidental. Quinhentas magníficas colunas suportam a estrutura, num emoldurado de mosaicos de uma beleza impressionante.
Para impor a sua independência em relação a Roma, Veneza sentiu necessidade de rumar a Alexandria e resgatar as relíquias de S.Marcos Evangelista, para as depositar junto ao altar da Basílica.
A famosa "Pala de Ouro" ofusca pela sua grandeza e riqueza; altar de ouro e pedras preciosas: 250 painéis de valor incalculável.
Ao circular e apreciar a Basílica, apercebemo-nos do real poder e riqueza que a Republica Veneziana conseguiu ao longo dos séculos.
"Veneza, capital da liberdade, paz e justiça.....terra dos homens honrados"
Nunca uma terra acolheu tantos e bons homens e nenhuma foi tão conhecida pelo equilíbrio da sua governação e pela continuidade e equidade da sua justiça ao longo dos séculos.
Estava perante a descoberta pessoal do famoso leão alado, que representa S.Marcos e Veneza, o seu poder na terra e nos mares, com duas patas na terra e duas no oceano.
Tinha de esperar mais um pouco para entrar no Palácio dos Doges, mesmo ao lado da Basílica para ver o extraordinário quadro de Carpaccio. “5

1.3 Visão pessoal do Palácio dos Doges

“De fora parece-nos pequeno, de dimensão razoavelmente normal. Ao entrarmos tomamos consciência da sua impressionante dimensão e da sua riqueza emblemática.
Residência de cerca de 120 Doges, que governaram Veneza de 697 a 1797, o Pallazo Ducale é uma extraordinária mistura de estilos: bizantino, gótico e renascentista.
Salas a perder de vista, salões enormes (está lá a maior sala da Europa),quase todas as salas estão pintadas por mestres venezianos, que transformaram o palácio num autêntico museu: Carpaccio,Ticiano,Tintoretto e Bellini deixaram a sua marca em paredes,tectos,painéis, num verdadeiro hino à criação humana. Aqui está a maior tela do mundo, de Tintoretto; beleza sem limites e de dimensões impressionantes.
Arte em estado puro, onde toda uma civilização se revela e onde o espírito da humanidade fica registado. A alma humana registada.
Mais natural e sóbrio que Versalhes, menos rico mas mais ecléctico que o palácio dos riquíssimos Ioussoupov em S.Petersbourg, mais imponente e importante do que o mongol, escarlate e fantástico Fatehpur Sikri,construído no meio do deserto do Rajastão, na Índia.
Salas de governo, de tribunais, de estratégia, de análise, do senado, de armas, aposentos sem fim, numa sucessão alucinatória de riqueza e imponência.
Confesso que me espantei ao me aperceber da real importância e dimensão da Republica Veneziana. Lacuna pessoal.
Virada desde sempre para oriente, foi lá que criou os laços e as ligações necessárias e suficientes, que lhe permitiram manter-se durante tantos séculos, como símbolo, mito e ícone da civilização e do poder ocidental.
Justiça, fraternidade e equidade são outras das características desta República que inspiraram o respeito por todo o mundo então conhecido.
Porta da Europa a Oriente, Veneza ajudou a propagar e divulgar o património cultural e civilizacional ocidental.
Todo o caldeirão cultural que era Veneza, foi propício ao surgimento de várias gerações de artistas, simplesmente fenomenais, onde figuram quatro dos meus preferidos, verdadeiros génios: Vivaldi e Monteverdi no esplendor do barroco musical; Carpaccio e Canaletto, em momentos diferentes, expoentes máximos da pintura.
É dentro do Pallazzo Ducalle que se situa a ponte mais famosa do mundo, a ponte dos suspiros,símbolo do barroco e que liga as prisões ao palácio. Suspiros, porque os condenados costumavam suspirar ao por lá passar, vindos das salas de audiência; suspiravam ao ver o sol e o mar pela última vez.
Também eu suspirei, mas de alegria por poder estar ali, muitos séculos depois e beber tanto de uma sociedade e de uma civilização.” 5

2-O mito construído

“(...) é a história que transforma o real em discurso, é ela e só ela que comanda a vida e a morte da linguagem mítica. Longínqua ou não, a mitologia só pode ter um fundamento histórico, visto que o mito é uma fala escolhida pela história: não poderia de modo algum surgir da “natureza” das coisas.” 6

A criação do mito de uma cidade é algo de complexo e intemporal. Entramos num labirinto de ideias, de imagens, cheiros e lugares oníricos. Veneza, construída sobre estacas, onde o gótico desenvolveu uma fantasia , lugar em que a magnificência de cor e decoração se conjuga como pensamento da estética bizantina. Foi a Sereníssima República, cenário de casas com peitoris de gerânios, de gôndolas negras e elegantes, da Piazza San Marco. Deixando-nos conduzir pelo sombrio labirinto dos calli, flanqueando lúgubres fachadas palacianas, descobre-se a magia da soberana cidade-água, a Sereníssima.
O pulsar do coração de Veneza é simbolizado pela própria construção da cidade, do mito.
O mito requisita uma reflexão especulativa, concretiza rupturas de limites. Talvez verificar a verdade que existe no mito seja a busca de uma ilusão que o mesmo contém. O mito constrói-se no passar do tempo. Segundo Barthes o mito é uma fala, e tudo pode ser mito, uma vez que seu universo é infinitamente sugestivo.7
Veneza transmite a emoção de uma grandeza glorificada a cada esquina em cada obra de arte.
“Os quadros acompanharam a edificação das primeiras arquitecturas, quando não as precederam e assim entende-se o apoio que deram ao Conselho dos Dez, preocupado com o inculcar em seus compatriotas o sentido de grandeza de sua cidade. Carpaccio e Bellini não nos deram apenas o retrato de uma cidade (…) são cheios de uma vontade inclinada para a grandeza; eles estabelecem uma ligação concreta entre o cenário material da vida corrente e as lendas que os dirigentes queriam ver, a promessa superior dos destinos gloriosos. Essas obras engendraram a visão de um espaço imaginário cujas coordenadas não são fornecidas apenas pela habilidade do artista em manejar linhas ou os valores luminosos; elas materializam um espaço ideal a que a época atribui justamente um valor positivo. Por conseguinte é natural que o Quatrocentto, que acreditou nas imagens, tenha criado uma série de figuras do espaço fundadas numa renovação, mas não em uma recusa da função mítica.” 8

3- “O Leão de S. Marcos “2

O leão alado sempre foi o símbolo da Republica Veneziana, como emblema tradicional do Evangelista S. Marcos, patrono da cidade e santo protector desde o século IX.
A posse das suas relíquias fizeram de Veneza um quase Estado apostólico, ajudando a criar um mito de quase mil anos.
O mesmo se poderá dizer com o leão alado, espelho do imenso poder da Sereníssima Republica e das suas intenções pacificas.
Carpaccio seguiu os moldes iconográficos de representação simbólica que a Republica ditava produzindo uma das mais impressionantes e emblemáticas obras primas da civilização ocidental.
Do lado esquerdo a Piazza di San Marco , o Palácio dos Doges, a Torre e a Basílica como pano de fundo: a representação do poder de Veneza é completa e perfeita.
“Pax tibi Marce Evangelista meus” – Que a paz esteja contigo Marcos, meu Evangelista, dizem as palavras escritas no livro na pata direita do leão.
Do lado direito a representação do poder marítimo e domínio dos mares de Veneza: os navios a saírem do famoso arsenal.
Inicialmente o quadro foi pintado para decorar uma das salas do Governo da Republica.
Hoje encontra-se na sala Grimani no Palácio dos Doges.

4- Vittore Carpaccio

Em dialecto veneziano o seu nome era Scarpazza mas muitos dos seus trabalhos receberam a sua assinatura latina: Carpathius.
Carpaccio apenas saiu por uma vez de Veneza para uma curta visita a Roma. A sua formação não é bem conhecida mas as suas influencias estéticas são definitivamente Gentile, Giovanni Bellini e Antonello da Messina.
É conhecido pelos seu quadros de representação festiva que segundo a tradição veneziana incluem sempre uma representação de locais e figuras identificáveis pela população.
Carpaccio também é conhecido como retratista, principalmente antes de 1505, seus anos mais profícuos e de maior qualidade. Foi um dos primeiros a usar a tela regularmente, abandonando definitivamente o painel como suporte pictórico.
O seu traço era de uma singularidade facilmente identificável e a sua inteligente utilização da cor fez dele um antecipador das tendências que só viriam a desenvolver-se após o primeiro quartel do século XVI.

Referências bibliográficas:

1 RUSKIN, JOHN (1992): As pedras de Veneza. S.Paulo. Martins Fontes
2 LEÃO DE S.MARCOS (1516) : 130 x 368 cm ,Palácio dos Doges, Veneza
3 VITTORE CARPACCIO: Veneza 1460 /65 – Veneza 1525/26
4 SOJA, EDWARD W. (1993): Geografias pós-modernas a reafirmação do espaço na teoria social critica. Rio de Janeiro. Jorge Zahar
5 TERENAS, CARLOS(2006):O Palácio do Doges, Veneza. S. Marcos Evangelista, http://carlosterenas.spaces.live.com/
6 BARTHES, ROLAND (1972): Mitologias. S. Paulo. Perspectiva
7 MEYER, APARECIDA (1972): A Sereníssima sob o discurso da arte e da paixão.UFRJ
8 FRANCASTEL,PIERRE (1990) : “Nascimento de um Espaço – Mitos e geometria no Quattrocento “ in Pintura e Sociedade, RJ, Martins Fontes

O Espaço pictórico como imagem espacial do “novo” mundo

(..) la perspective est la forme symbolique d´un monde d´où Dieu se serait absenté, et qui devient un monde cartésien, celui de la matière infinie.Les lignes de fuite d´une perspective sont parallèles et se rejoignent dans l´infini, le pont de fuite est donc à l´infini.Panofski estime que la perspective est la forme symbolique d´un univers déthéologisé , où l´infini n´est plus seulement en Dieu, mais réalisé dans la matière en acte sur terre. 1

Recensão crítica do texto “Nascimento de um Espaço – Mitos e geometria no Quattrocento” de Pierre Francastel 2


Ao analisar este extraordinário texto somos transportados a uma parte essencial da História da civilização ocidental, o Renascimento , verdadeiro despertar de valores adormecidos e esquecidos durante quase um milénio.
Resumir o Quattrocento à invenção da perspectiva e elevá-la como único valor objectivo e permanente deste período é a mensagem que Pierre Francastel (PF) nos tenta transmitir.
PF assume assim muito claramente a defesa de um período riquíssimo da nossa História como um todo em que a invenção da perspectiva se assume como técnica simbólica e demonstrativa de uma evolução societária .
O Espaço pictórico é testemunho do triunfo de um Humanismo que brotava das cinzas de uma Idade Média terminal e agonizante.
Hubert Damish disse que a perspectiva não se limitava a mostrar mas a pensar um novo mundo.
As obras de pintura passam definitivamente a ser sistema de signos com significados e significantes demonstrativos de uma época . “ Uma obra de arte é um meio de expressão e de comunicação (…) “
Pela primeira vez na História estávamos perante um movimento que se reconhecia num espaço e num tempo, com perfeita consciência de si próprio.
O Espaço pictórico torna-se assim símbolo e pela primeira vez signo, sujeito a leis e regras de expressão plástica, que conduzem à demonstração do desabrochar de uma sociedade e civilização.

A perspectiva foi inventada em Florença entre 1420 e 1450. Foi um grupo de homens visionários, que após séculos de erro, desenvolveram uma forma de expressão plástica que correspondia ao primeiro estádio superior de uma evolução civilizacional.
A perspectiva assume assim uma dimensão simbólica que serve de base a toda e qualquer interpretação da História e da civilização modernas.
Pela primeira vez a expressão plástica estava relacionada com a expressão literária num caminho conjunto que não mais iriam abandonar até aos nossos dias. Petrarca e seu discípulo Boccacio foram veículos de um humanismo crescente que concentrava no Homem todas as preocupações da Humanidade em completa oposição ao pensamento medieval.
O fim da Idade Média era uma realidade e doravante as referencias artísticas, culturais e civilizacionais passaram a ser as de um passado clássico , abruptamente destruído por vagas sucessivas de horror que conduziu a um período de trevas de quase mil anos.
O sistema de representação espacial foi apenas a forma como um grupo de artistas transportou para a arquitectura e pintura o saber acumulado e a imagem de um mundo em mudança.
Desde o sistema de poder e politico com as suas relações nem sempre claras até à nova imagem de um mundo que deixava de ter um centro e de ser finito, esta nova representação assume assim dimensões simbólicas bem maiores do que à partida mesmo se poderia ter pensado.
As novas relações sociais emergiam também nas novas formas de representação na nova forma de descrever o mundo, que se dava lentamente a conhecer.
Podemos considerar assim a perspectiva como Erwin Panofsky a considerou, uma forma simbólica? 3
Considero que a História cultural negligencia muita da produção artística em termos de texto e imagens, produção que por vezes serve de base e reequaciona novas dimensões na explicação histórica.
Este movimento de interpretação individual da obra de arte enquanto testemunho do pensamento e da civilização humana é característico dos “ Formalistas Russos” e do Movimento Norte-Americano “ New Criticism”.
A individualização para análise da perspectiva enquanto estrutura assume importância não só formal e académica mas enquanto expressão de novos horizontes e novos olhares.
A nova questão espacial foi colocada e resolvida por Brunelleshi ao terminar a cúpula da catedral de Florença. A partir daqui, tinha-se entrado numa outra época, uma época que inventou e desenvolveu métodos e capacidades representativas que durante séculos satisfizeram as necessidades de toda uma civilização, a ocidental.
A cúpula de Santa Maria del Fiore é o expoente estético baseado pela primeira vez em soluções matemáticas. Estamos perante uma novo processo e um novo sistema.
Este novo processo encarava o espaço como um conjunto de linhas e planos que envolvia o espaço.
O espaço passa a ser envolvido e a envolver através da construção de proporções harmoniosas em função da distância do observador.
Uma nova Era aparecia lentamente, como aparecem todos os movimentos de transformação.
Pierre Francastel explica muito bem todo este processo no seu texto fazendo uma descrição muito pormenorizada.
Através dele ficamos também a saber que toda a pintura italiana do Quattrocento deriva da arte de cenografia do teatro antigo e medieval.
Além de Brunellesci, Donatelo, Masaccio, Angelico e Masolino, foram nomes de vanguarda neste movimento artístico e sobretudo cultural.
Todos eles trataram a representação e a perspectiva como uma nova forma de ver e sentir o mundo.
A segunda vaga de artistas do Renascimento é mais consciente do seu percurso; contam-se entre eles Pierro de la Francesca, Filippo Lippi, Bellini e Carpaccio.Mas a grande referência dourinária é sem dúvida Alberti.
Todos eles contribuem para a formação de um estilo , baseado na perspectiva linear, esse conceito preciso mas ao mesmo tempo vago, que vai suportar todo um sistema baseado na assumpção de que o espírito humano assume o espaço como permanente.
O renascimento é apenas uma etapa na grande aventura do conhecimento. A perspectiva euclidiana apenas nos induz a ilusão de um espaço, que todo o ser humano pode ou não sensibilizar.
A figuração plástica não fez mais do que adaptar-se a um estádio do desenvolvimento humano e cientifico da sociedade ocidental.
Considerar que a representação pictórica do Renascimento materializa a visão natural do homem é muito abusivo e redutor. Pierre Francastel é claro na defesa deste pensamento.
Mais do que isso o autor recorda-nos que a análise de uma obra de arte deve ser completamente isenta de padrões de beleza ou gosto e baseada em procedimentos e fundamentos históricos e intelectuais de um sistema ligado a todo um conjunto de valores passados.
A análise estruturalista, com raízes numa superfície de representação, em que o signo pictórico assume a possibilidade de existência de um significado redundante perante um significante valorizado, conduz-nos sempre a interpretações diversas da obra de arte. 4
Pierre Francastel desenvolve depois a teoria de Alberti, de que a pintura seria exclusivamente a figuração do mundo visível e de como ela contaminou toda a representação pictórica ocidental por mais de dois séculos.
Para além disso a arte como a concebemos hoje é a captação do gosto e das ideias de uma época.
É depois do Renascimento que a arte caminha paralelamente aos desenvolvimentos e progressos cientifico e sociais num processo revolucionário que foi a base de todo o esplendor humano da sociedade ocidental.
Foi a libertação do espírito enquanto fluido catalisador da criação que permitiu que o Renascimento tivesse lugar.
Por muito que se queira extrapolar , a invenção da perspectiva como símbolo de uma visão própria de ver o mundo e de representação de uma concepção geral do universo, não é mais do que a transposição para o espaço pictórico dos avanços científicos que em determinado momento, determinado numero de homens teve o privilégio de reinterpretar.


A arte do Quattrocento é muito influenciada pela arquitectura pois esta sempre se baseou num equilíbrio de sistemas lineares.
O sistema de representação é mais mental do que objectivo, podendo mesmo dizer-se que a arquitectura foi pintada mesmo antes de ser construída.
Também este movimento não foi um movimento brusco e repentino mas sim o resultado de um trabalho de diversas gerações de artistas. A mudança de atitude mental característica do homem do Renascimento foi um processo progressivo de mais de cem anos.
A arte apenas exprime os valores e as forças vivas de uma sociedade; neste caso e pela primeira vez assistimos a este movimento eterno.
A dualidade de intenções e métodos demonstram-nos um certo primitivismo, que o próprio Francastel reconhece existir no Renascimento. É bem este primitivismo que nos permite perceber o mito enquanto forma de pensamento e a sua utilização simultânea ao pensamento racional e cientifico. O mundo é assim representado em expressões sublimares de imagens numa mesma composição e numa complexidade dita primitiva: estamos perante uma objectivação mítica e renovada em que as distâncias psíquicas são pela primeira vez expressas.
A criação do mito e de mitos é exemplarmente expressa por Bellini e sobretudo Carpaccio ao criarem o mito de uma cidade e de um Império, o Veneziano. A relação ténue entre a vida social e politica, o mito, a motivação e a união de um povo é pela primeira vez encarnada pelo Renascimento.
Podemos dizer que o sistema de representação inventado no Renascimento e que conduziu à perspectiva é apenas um sintoma de uma transformação em curso na mente individual de alguns eleitos .

Como conclusão, Pierre Francastel conduz-nos por linhas de raciocínio extremamente perspicazes e inovadoras; afirma ele que o sistema de representação do Quattrocento assenta numa concepção centralizada na acção humana e no homem como actor principal de uma vida harmoniosa neste planeta. Esta é a definição perfeita de um Humanismo nascente.
Este sistema serviu como espaço de representação enquanto o homem acreditou no seu lugar e no espaço terreno enquanto lugar privilegiado e mítico .
O espaço nasceu ; a sua concepção enquanto representação centrada numa humanidade valorizada impôs um modelo e um sistema por mais 4 séculos.


1 ARASSE, DANIEL (2004) : « L´invention de la perspective » in Histoire de peintures,Paris,Gallimard
2 FRANCASTEL,PIERRE (1990) : “Nascimento de um Espaço – Mitos e geometria no Quattrocento “ in Pintura e Sociedade, RJ, Martins Fontes
3 PANOFSKY, ERWIN (1991): Perspective as Symbolic Form, New York, Zone Books
4TERENAS,CARLOS(2007) : A originalidade da vanguarda,. http://carter-carter-carter.blogspot.com/

terça-feira, 5 de fevereiro de 2008

“Iacobus”

“Resulta inexplicable que a estas alturas, yo, Galcerán de Born, hasta hace poco caballero de la orden del Hospital de San Juan de Jerusalén, segundo hijo del noble señor de Taradell, que fue cruzado en Tierra Santa y es vasallo de nuestro señor Jaime II de Aragón, pueda creer todavía en la existencia de un destino ineludible oculto tras los aparentes azares de la vida. Sin embargo, cuando pienso en lo sucedido durante los últimos cuatro años – y pienso en ello con harta frecuencia – no consigo librarme de la sospecha de que un misterioso fatum , quizá ese supremum fatum del que habla la Qabalah, teje los hilos de los acontecimientos con una lúcida visión de futuro sin contar en absoluto con nuestros deseos y proyectos.Así pues, con el propósito de intentar aclarar mis confusas ideas y con el deseo de dejar constancia de los extraños pormenores de esta historia para que puedan ser conocidos fielmente por las futuras generaciones, comienzo esta crónica en el año de Nuestro Señor de mil trescientos diecinueve, en la pequeña localidad portuguesa de Serra d´El-Rei, donde, entre otras actividades, ejerzo como físico”. 1

El romance histórico en su esplendor
A
nalice descriptiva del libro “Iacobus”

1-Iacobus: La Historia

“Iacobus” es una novela en que convergen muchas historias, reales y ficcionadas en una perspectiva histórica con una vertiente fantástica y misteriosa.Esta obra literaria cuenta en prosa una historia imaginaria con grandes ligaciones a acontecimientos reales.
La caída y el final sin gloria de la Orden de los Caballeros Templarios simbolizado en la muerte en la hoguera del gran Maestre del Temple Jacques de Molay, es el momento llave y central de la novela : en medio de las llamas maldijo al Papa, al Rey de Francia y al secretario real.
Los templarios siempre fueron durante siglos, una leyenda y motivo para muchas novelas y películas; eran una de las ramas más poderosas de los caballeros cristianos y su poder era tal, que hasta la Iglesia tuvo miedo.
La leyenda cuenta que los Templarios descubrirán el Tesoro del Temple de Salomón y les atribuye su posesión así como la Arca de la Alianza.
Temeroso de su poder, el papado decide acabar con ellos en una guerra implacable y de exterminio que solo iria terminar en la cruzada contra los Cataros en el Sur de Francia.
Mas también la misma leyenda nos dice que los Templarios siguen viviendo en la clandestinidad bajo otras organizaciones; en Portugal los Templarios se transforman en los caballeros de Cristo de Tomar, bajo la protección del Rey.
Tenemos así el contexto histórico en que “Iacobus” se desarrolla: un gran tesoro, una vida en la clandestinidad, la leyenda y el misterio de los Templarios es el conductor firme de toda esta maravillosa novela.

El caballero Galcerán de Born es monje de la Orden del hospital de San Juan de Jerusalén, conocida también como Orden Militar de los Hospitalarios. Aquí se dedico a prestar sus conocimientos médicos y su grandes dotes deductivas e sagacidad (inevitable el recuerdo de Guillermo de Baskerville héroe de “El nombre de la rosa” 2 )
Tras varios años de ausencia regresa a la Península Ibérica con un objetivo doble: por un lado para hacer la traducción de libros de importancia vital para su Orden.Por otro lado intentar localizar a un mozo que fue abandonado poco tiempo después de nacer en un recinto religioso.
Los dos objetivos se concretizan cuando Galcerán de Born se hospeda en el lejano monasterio maurience de Ponç de Riba. Ese niño que buscaba es Jonás y al que toma como ayudante para realizar sus investigaciones en los libros del monasterio.
Mas la vida calma del Caballero Galcerán de Born estaba a terminar: es llamado para una importante misión que procede de El Papa Juan XXII. El Caballero tenía que marchar a Francia donde el Papa residía por esos días. En ese viaje le acompaña el joven del monasterio.
El Papa Juan XXII estaba temeroso que las muertes recientes del Rey de Francia y su secretario no se trataran solamente de la maldición de Jacques de Molay, sino una ejecución por manos templarias. El Papa hará dos peticiones al Caballero: una para descubrir si son los Templarios los ejecutores de las personas responsables por la destrucción de la Orden del Temple. Otra descubrir la ubicación de los tesoros del Temple que nunca aparecieron.
El Caballero se transforma en un autentico detective y para llevar a cabo su tarea tendrá de recorrer el Camino de Santiago, lugar en el que se entrecruzan tradiciones cristianas y paganas. Vaya a descubrir las pistas que los templarios irán dejando a lo largo de todo el Camino. Vivirá muchas aventuras teniendo que enfrentarse a su pasado y también su nuevo futuro. En París verá sus dogmas y mucho de lo que siempre ha creído se tambalear .En el Camino enfrentará sus propios fantasmas.
En definitiva, “Iacobus” es una historia con una atmósfera propicia para que el lector se adentre y se sienta parte integral de la novela.


2-Personajes

El momento histórico en que se desarrolla la historia existió realmente así como muchos personajes referencia del pasado medieval. Los Templarios y su Gran Maestre Jacques de Molay han existido así como los Papas y los Reis de Francia; Mafalda de Artois también ha existido.
Los verdaderos personajes son producto de la imaginación de la autora .Son ellos que irán desarrollar como los auténticos protagonistas de la novela.

GALCERÁN DE BORN es el protagonista absoluto. Es el Persiquitore, el monje culto y prodigo en conocimientos.Es un personaje excepcional al que con poco uno se acostumbra y empieza a admirar. Es un físico (medico) español que tomó los hábitos de la Orden de los Hospitalarios .En sus años jóvenes tuvo un hijo ilegitimo junto con Isabel de Mendoza, una noble hermana de uno de los Maestres del Temple que sobriviviu a la extinción de la Orden. Ese hijo (Jonás), lo llevará consigo en todas las aventuras a lo largo de Paris y en el Camino.
Es una persona de aguda perspicacia y gran inteligencia que sabrá hacer frente a muchos problemas que se le crucen.

JONÀS es el hijo de Galcerán y testimonio de su amor juvenil con Isabel de Mendoza. Por un acaso o no, logrará sacarlo de la abadía en la que fue depositado por su madre. Así Jonás se quedo como escudero y aprendiz de su padre, un verdadero compañero en sus aventuras y peripecias y a quien finalmente es revelada su identidad.
La mayor parte del tiempo que Jonás pasará con el Caballero no sabrá su identidad.
Aunque por veces Jonás parezca un iluminado, ha otras en que su padre no se enorgullezca.

SARA LA HECHICHERA es una judía que vive en el bario del Marais de Paris. Con sus artes mágicas estará involucrada en la venganza de Jacques de Molay y de los Templarios. Por haber sido salvada de niña por los Templarios, le debe muchísimo a nivel personal. Siendo ya adulta mantendrá una relación con Mendoza (hermano de Isabel, madre de Jonás), lo nuevo Gran Maestre del Temple.
Su conversión religiosa y moral se hace a lo largo del Camino: su cambio es casi total aunque en la vida hay otro tipo de cosas que nunca cambian. Sin embargo, será el gran apoyo del Caballero de Galcerán para descubrir todo el misterio.

MENDOZA es un personaje de conexión a todas las demás. Por un lado es el hermano de Isabel, la pasión de la juventud de Galcerán y madre de Jonás. Por otro es el amante de Sara y lo más importante es uno de los Grandes Maestres del Temple.
A pesar de su Orden haber sido aniquilada, los Grandes Maestres mantiene su poder.Ello es quien sabe más sobre la Maldición y los pretensos tesoros del Temple.
El futuro del Temple y su organización está también en sus manos.

NADIE es un viejo anciano que por casualidad cruza con Galcerán y su hijo mientras realizan el Camino de Santiago. Su verdadero nombre es Rodrigo Jiménez y es una de las claves del libro. Enigmático y misterioso Nadie juega un papel fundamental en la novela. Nadie es un templario.

3- Conclusiones Personales

El libro me ha gustado muchísimo .La temática está de moda y además la novela esta muy bien construida.
El contexto histórico es perfecto y las referencias permiten una constante identificación del lector con la historia. En ningún momento te aburres ni decae tu interés.
Con el conteudo histórico muy real, tú aprendes cosas hasta el final. Muchos dados te son aportados sobre el Temple y sobre el Camino de Santiago dándote una nueva visión sobre estos acontecimientos que marcaran la Edad Media.
Personalmente mi ha gustado la atmósfera misteriosa e medieval de “Iacobus”: asesinatos encubiertos, búsqueda de tesoros, intrigas y conspiraciones, suspense, tramas ingeniosas, amor y todo que nos mete hasta el pescuezo en la novela.
Para mi Matilde Asensi fue una buena sorpresa.

“ – Nekan, Adonai!....Chol- Begoal!... Papa Clemente……caballero Guillermo de Nogaret…rey Felipe: os convoco a comparecer ente el Tribunal de Dios antes de un año para recibir vuestro justo castigo…! Malditos…..! Malditos…..!Todos malditos hasta la decimotercera generación de vuestras razas!”3


Referencias Bibliografías:

1,3 ASENSI,MATILDE (2000) : Iacobus. Barcelona.Random House Mondadori
2 ECO,HUMBERTO (1980) : O nome da rosa. Lisboa .Difel

“Lenguas y dialectos de España “

Malgré l´expansion du castillan, qui est la base de la langue officielle commune d´Espagne, plusieurs autres langues se sont maintenues dans la Péninsule : une langue non indo-européenne ( le basque) et des variétés romanes. Le galicien, le portugais, le léonais, l´aragonais, l´aranais et le catalan sont des dialectes du latin, comme le castillan. En revanche, l´andalou est une variété du castillan, née du repeuplement de l´Andalousie du XIII au XVI siècle par des populations du nord. 1


Recensão crítica do livro “Lenguas y dialectos de España “2


Esta obra é uma abordagem elementar acerca da situação linguística em Espanha. Afirma-se como obra clara e séria tendo como alvo os estudantes universitários dos primeiros anos.
A obra começa com uma Introdução onde se analisa os diversos conceitos e definições de língua, dialecto e fala.
A definição que a autora mais refere e em que baseia o seu raciocínio é na definição de língua como sistema linguístico, isto é , baseia-se no conceito estruturalista dominante na escolástica ibérica.Uma referencia especial para a questão politicamente correcta ( dependente do quadrante de análise) da associação de Língua a Nação e de como a autora a desmistifica.
Logo a seguir, e no capitulo Antecedentes sobre a Formação das Línguas em Espanha ,
A autora estabelece a diferença entre os dialectos históricos, com origem no Latim e os dialectos inovadores com raiz no Castelhano . Aqui é feita uma contextualização diacrónica da evolução das várias línguas ( Castelhano , Catalão , Galego e Basco) e alguns dialectos ( Aragonês , Leonês, Estremenho , Murciano , Andaluz e Canário).
Nos capítulos seguintes são dissecados aos pormenor as características fonéticas e morfológicas todas as línguas e dialectos referenciados anteriormente.
Para isso , a autora dá exemplos de características próprias e distintivas de cada uma das línguas e dialectos. A influencia passada e presente de cada Língua e Dialecto sobre os seus vizinhos ao nível fonético e morfológico é analisada e referenciada de uma maneira muito superficial.
Uma palavra para a hierquização ao nível dos falantes da cadeia Língua, Dialecto e Fala e de como a estruturação social e cultural vai exigir e forçar essa mesma hierquização.
No capítulo do Castelhano e Espanhol a autora reforça o carácter sinónimo destas duas definições com base na questão politica e na origem.

Como conclusão podemos considerar esta obra , apesar de ligeira , muito interessante como primeira abordagem à diversidade linguística da Península Ibérica.



1 WALTER, HENRIETTE (1994) : L´Aventure des Langues en Occident,Paris . Éditions Robert Laffont
2 GARCÌA MOUTON; PILAR (1996) : Lenguas y dialectos de España. Madrid . Arco Libros