sexta-feira, 5 de fevereiro de 2010

A historia apócrifa de Judite e Holofernes nas obras de Michelangelo da Caravaggio e Artemisia Gentileschi








Judite degolando Holofernes” Artemisia Gentileschi, 1620












Judite e Holofernes” Michelangelo da Caravaggio 1598

1 Resumo
A história apócrifa de Judite e Holofernes sempre atraiu e fascinou artistas ao longo dos séculos. A reprodução, quer da degolação de Holofernes quer dos momentos anteriores e posteriores a este acto, estão entre as cenas religiosas mais representadas ao longo da História da Arte (pintura, escultura, literatura e música) sobrevivendo mesmo e resistindo até ao século XX. Artistas como Palma Vecchio, Michelangelo, Rembrandt, Donatelo, Botticelli, Gustav Klimt entre muitos outros, contribuíram para que este episódio, que faz parte do imaginário cultural ocidental, se estabelecesse como tema recorrente do ideário próprio da historiografia da arte, atravessando os séculos e sendo peça essencial da construção da própria identidade e cultura ocidental.
O que procurarei fazer neste breve trabalho é descrever as origens da história e a construção do mito religioso e ao mesmo tempo sintetizar a sua integração no nosso imaginário colectivo. Procurarei fazê-lo não de uma forma arqueológica mas mais epistemológica. Posteriormente, irei analisar duas transposições plásticas deste episódio, durante o período barroco, mais concretamente da pintora italiana Artemisia Gentileschi e do pintor italiano Michelangelo da Caravaggio.

1. 1.Anoiteceu. Os oficiais apressaram-se em voltar aos seus aposentos.
Vagao fechou as portas do quarto e foi-se.
2. 2.Estavam todos embriagados pelo vinho.
3. 3.Judite ficou só no seu quarto,
4. 4.enquanto Holofernes repousava em seu leito, bêbedo a cair.
5. 5.Judite havia dito à sua serva que ficasse fora, diante do quarto, vigiando
.
Judite, 13, Antigo Testamento




Judith, 1585, Hendrik Goltzius




2 O Livro de Judite

« Seigneur, dit le jeune homme, il vous serait préférable de demeurer immobile, car rien ni personne au monde ne m´arrêtera »
Chrétien de Troyes, Perceval

O livro de Judite é um livro deuterocanónico. Esta terminologia (teológica católica romana) serve para nomear os livros escritos por comunidades cristãs ou pré-cristãs em que a figura de Jesus Cristo ainda não tinha sido conhecida ou reconhecida e por isso não foram considerados numa primeira fase como textos canónicos. Como o de Judite, fazem parte deste grupo os livros de Tobias, Baruque, Eclesiástico, Sabedoria de Salomão e I e II Macabeus, além das adições aos livros de Ester e Daniel.
O livro de Judite relata como a bela e a jovem viúva Judite afasta dramaticamente a ameaça de uma invasão Assíria decapitando o general inimigo Holofernes. Este facto restaurou simultaneamente a fé do povo judeu e testemunhou a capacidade salvadora do seu Deus.
Este livro tem três versões em grego e várias versões em latim onde se reconhecem os traços do original hebreu. A sua redacção deverá ter sido algures situada no século II antes de JC.
A intriga conta que Nabucodonosor rei dos Assírios, ao invadir Israel, toma de assalto a cidade de Betulia iniciando um cerco. É no limite dos seus recursos que a cidade desespera e anseia pela intervenção divina, já entretanto predita. A decapitação de Holofernes estimula e motiva o povo cercado que ataca vitoriosamente as tropas inimigas enfraquecidas pela morte do seu general.
Para muitos a primeira ficção histórica, ela é antes de mais, uma referência iconográfica que serviu à construção de um mito bem mais importante do que a pseudo (não) autenticidade do relato e dos factos neles descritos. Ela é uma parábola fortíssima que recria em si mesmo a essência motivadora das identidades nacionais (nacionalismos).

O livro de Judite é uma história em constante mutação estética e transmitida pelos Homens como um mito e em que a reflexão sobre a essência da história é realizada de uma maneira continua ao longo dos séculos. Interrogarmo-nos sobre essa mesma essência é antes de mais questionar a essência da nossa identidade e sobre a História, como alicerce dessa mesma construção identitária.
Esta história faz parte das escritas (escrituras) fundadoras da nossa identidade civilizacional.

Ao longo de dois mil anos Judite retoma modelos de virtuosidade, violência e sensualidade através de múltiplas representações em incontáveis criações artísticas. Freud dá-a como exemplo do complexo de castração que a mulher vive em relação ao homem que a “desflorou”.
Aliás, a intertextualidade futura da história e da personagem é bem solidificada na própria história, em que Judite se assume já como mito motivador e identitário para o povo que salvou.
“O triunfo de Judite sobre Holofernes é de uma certa maneira uma prefiguração do triunfo da Virgem Maria sobre a sensualidade. Toda a análise iconográfica acaba assim por suportar a interpretação simbólica.” 4

Existiram sempre muitas razões para os artistas recriarem o mito de Judite; desde a reprodução sob encomenda muito especifica até à continuação de um ideário artístico que se multiplica por si e se auto alimenta. Existem também as teorias que justificam esta multiplicidade suportadas pelo inconsciente individual de S. Freud e as teorias suportadas num inconsciente colectivo de Carl Jung (que repousam numa camada mais profunda do inconsciente)

Sabemos que a nossa cultura e expressão identitária acaba por ser um produto por vezes misturado de expressões, mitos, filosofias e dogmas do passado. Sendo assim, Judite é antes de mais um objecto histórico e mesmo arqueológico em termos culturais.
“Perder a Cabeça” é sobretudo uma questão de conhecimento e de racionalidade e a expressão sobrevive e reconstrói-se ao longo de séculos e de diferentes sociedades ao longo de toda a cultura ocidental. 1
Verificamos que a multiplicidade de representações, ao nível da criação artística, de Judite representa em si um campo infindável de estudo e análise que nos conduziriam por caminhos muito abrangentes. Resolvi concentrar a minha análise nas representações de Caravaggio e de Gentileschi pelo que estas representam na relação complexa com as incidências das suas vidas pessoais.









“ Judite e Holofernes” Michelangelo da Caravaggio 1598, pormenores



3 Michelangelo da Caravaggio, a arte e a vida em claro-escuro

« Recebi encomenda de um quadro sobre o tema de Judite e Holofernes. Os meus predecessores representaram o após, quando Judite aporta a cabeça cortada num plateau. Eu queria bem mostrar o acto em si. Uma prostituta minha conhecida posou para a Judite e a criada velha do cardeal pela seguinte. Um ferreiro fez de Holophernes. Para a expressão da cara fui ver muitas execuções públicas e observei muito bem as cabeças cortadas tombadas e guardei as expressões de terror. »
Caravaggio

Caravaggio (1571-1610) foi um pintor genial e que introduziu no espaço pictórico uma relação dramática de claros e escuros que iriam determinar e caracterizar a pintura a partir desse momento.
Em termos pessoais Caravaggio era irascível, marginal, intratável e também homossexual. Foi condenado à morte por assassinato tendo fugido de Roma. Vivendo um destino trágico, acabou por morrer cedo não sem antes marcar a eternidade através das suas múltiplas obras-primas que iriam revolucionar toda a história da arte.
Inventou uma luz muito própria e um estilo muitíssimo característico em que direcciona a luz para onde quer a atenção do receptor, assumindo em pleno a essência e a mensagem de uma Contra-Reforma vigorosa. Podemos afirmar que a obra de Michelangelo da Caravaggio reflecte o conteúdo, o apelo e o sentimento em um fausto arrebatador bem característica do Barroco.

Durante a sua vida polémica recheada de violência e drama, Caravaggio estudou toda a tradição pictórica do passado mas ao mesmo tempo recusou as normas académicas do seu tempo assumindo a superação do Maneirismo corrente. Criou uma maneira nova de representar, mais realista e popular e uma arte que representava a labuta e o sofrimento da plebe, até aí afastada dos espaços pictóricos de representação. Com Caravaggio a fealdade e a deformidade entraram no universo artístico.

E, um grande exemplo deste processo é o quadro “ Judite e Holofernes” onde o realismo e naturalismo dos personagens chegam a ser perturbantes, desde a expressão corporal à luz. Pela primeira vez na História da arte a luz assume um papel central e de protagonismo.
Neste quadro, a expressão avarenta da criada segurando o saco (para colocar a cabeça de Holofernes), a expressão de terror de Holofernes e a expressão final de desdém de Judite marcam uma emergência de todo o cenário com uma penumbra latente num acto de profundo desconcerto.
Verificamos assim que Caravaggio, apesar de seguir a tradição iconográfica vigente (por conta também das encomendas pelas quais sobrevivia) acabou por criar dentro do mesmo universo pictórico uma nova abordagem em que dava ênfase às questões que mais o interessavam e martirizavam.
A iconografia de Caravaggio é assim pululada por laivos pessoais muito característicos que foi denominada “sensualidade obscura” onde a androginia e o erotismo latente marcavam uma presença indelével.
Wolfflin afirmou que “todas as formas artísticas são imaginação, sendo a mesma coisa” 2, Pablo Picasso reescreveu a frase dizendo que Arte era essencialmente imaginação e a imaginação…memória”.
A Judite de Cararavaggio é assim uma Judite carregada de sensualidade e ao mesmo tempo de violência numa dicotomia que serviu para dar uma marca muito pessoal e serviu para perpetuar o mito (o grande objectivo das encomendas) espalhando a mensagem militante da Contra Reforma.

“ Caravaggio´s rendering of such aesthetically imbalanced types- the female conventional, the male real- is less likely to be explained by Renaissance art theory or Jesuit theology than by the influence of gender on the practice of an artist who happened to be male” 3







“ Judite degolando Holofernes” Artemisia Gentileschi, 1620, pormenor



4 Artemisia Gentileschi, a sibila de uma nova Era


« Depois, chegou perto do leito, agarrou a cabeleira da cabeça dele e disse :
Ó Deus de Israel, fortifica-me Senhor, Deus de Israel, neste dia »
Judite, 13, Antigo Testamento

Artemisia Gentileschi (1593-1652) foi filha do pintor Orazio Gentileschi e é por muitos considerada a pintora mais importante até ao século XX. Nascida em Roma conseguiu desenvolver o seu talento até limites impensáveis para uma mulher naquela época. Violada por um amigo de seu pai tudo na sua vida mudou ao ter de suportar a desonra e a injustiça perante a saída incólume do violador. A sua raiva foi muitas vezes transportada para a pintura.
Especializou-se em cenas bíblicas em que dava forte ênfase a mulheres fortes num realismo de cores intensas. É assim, que o episódio de Judite é recorrente na obra de Artemisia com cerca de cinco representações sobre a temática. As suas obras eram muito pretendidas e apreciadas principalmente pelos papas Gregório XV e Urbano VIII.
Foi uma mulher independente pois ficou viúva muito cedo e assumiu o controlo da sua vida a todos os níveis.
Como era hábito nessa altura, não teve acesso a nenhum tipo de educação e só em adulta aprendeu a ler e a escrever. No entanto aprendeu com os mestres e captou a essência da arte de pintar especialmente com Caravaggio, a sua principal influência.
Foi logo a seguir à farsa de julgamento que pretensamente deveria julgar e condenar o seu violador, que Gentileschi pintou “ Judite degolando Holofernes” uma verdadeira obra-prima em que Judite é retratada de maneira decidida e com uma força fora do vulgar.
Já em Florença, e casada com um artista local, retorna a Judite com a tela “ Judite e a sua serva”. Retornará mais cinco vezes a esta cena bíblica que se transformou na sua assinatura artística.
Regressa a Roma e morre em Nápoles, não sem antes trabalhar dois anos na corte de Carlos I em Inglaterra.










“ Judite e sua serva” Artemisia Gentileschi, 1623,



É claro na análise da obra e vida de Artemisia, que a Arte se transformou na sua razão de viver após uma entrada conturbada e dramática na idade adulta.
O esquecimento a que a pintora e a obra da pintora foram sujeitas terminaram com o advento dos estudos feministas. Mas o grande e mais profundo estudo realizado até hoje foi realizado por Mary Garrard3 em 1989. Neste estudo Garrard interpreta a multiplicidade de representações de Judite como “uma oferta de fantasia de vingança de uma mulher que fora ofendida no que lhe era mais íntimo”.
Esta assumpção é tanto mais correcta já que a equação freudiana do binómio decapitação/ castração é também uma referência bíblica, numa perspectiva da vingança “olho por olho”.
As referências a Judite na obra de Artemisia assumem características de catarse e exorcismo que serviram para expulsar a raiva da sua pessoa
O choque ainda se torna maior na perspectiva de a violência ser perpetrada de uma mulher para um homem, numa atitude assumidamente anti-patriacal: estamos assim na génese das ideias feministas, o que justifica só por si a recuperação e utilização desmesurada do nome e da obra da pintora ao longo dos últimos vinte anos.


5 Conhecimento e objectividade na figura de Judite

« Depois, retirando da sacola a cabeça, mostrou-a a eles dizendo: Eis a cabeça de Holofernes, o comandante em Chefe do exército dos Assírios! Eis aqui também o cortinado, debaixo do qual ele jazia, na sua embriaguez. O Senhor matou pela mão de uma mulher!”
Judite, 13, Antigo Testamento



Os filósofos feministas da ciência afirmam repetidamente que o conhecimento, a sua busca objectiva e a sua identificação pressupõe sempre a noção de confusão. Sendo assim, é clara a inscrição da objectividade enquanto noção antagónica de simplificação e síntese.
A personagem Judite assume o conhecimento enquanto alegoria do ser com um topos múltiplo sobre o qual podemos realmente muito aprender 1.
Judite é assim uma ideia-história com estrutura narrativa que assume a própria construção emblemática do imaginário ocidental. É a função principal de Judite, um certo confusionismo cognitivo que permite sistematicamente construir desafios que permitam a evolução.

Esta ansiedade cognitiva ou incerteza cognitiva como lhe chama Bal 1, é em si uma narrativa da própria representação.Judite balança entre o “life giving” e o “life taken” num processo estrutural e definidor bem característico da essência barroca.
E são estes aspectos que fazem o tema de Judite muito apropriado para a representação pois o seu topos é deste logo a imagem forte da decapitação e a centralidade e suspense da acção.

Existe assim ligação directa entre a forma narrativa e a competência epistemológica, entre a capacidade de perceber e receber o conhecimento e a competência para contar e perceber histórias complexas.
No final é sempre a análise narrativa das ideia-histórias como as de Judite e com o seu potencial epistémicológico que serão de crucial importância para a compreensão da cultura e da sociedade contemporânea.

6 Conclusão

A história de Judite foi ao longo dos séculos utilizada como sujeito de representação criando as bases pictóricas e narrativas essenciais à construção identitária da cultura e da sociedade Ocidental. O que pretendi fazer através deste trabalho foi uma análise do mito de Judite e das suas raízes epistemológicas e ao mesmo tempo analisar a perspectiva de representação desse mesmo mito por Caravaggio e Gentileschi sempre nas perspectiva de uma relação directa com o paradigma de vida de cada um desses extraordinários pintores.

8 Notas e referencias bibliográficas
1 BAL, MIEKE (1994): «Head hunting: Judith on the cutting edge of knowledge », in Journal of the Old Testament 1994, 19
2 WOLLFLIN, HEIRINCH (1958): “The sense of form in Art”. New York .CPP
3 GARRARD, M (1988): “Artemisia Gentileschi: The image of female hero in Italian baroque art”. Princeton. PUP
4 BURZLAFF, MARY (2006): « Chaste Sexual Warrior, Civil Heroine, and Femme Fatale: Three views of Judith in Italian Renaissance and Baroque Art. », BA, Georgetown College


segunda-feira, 15 de junho de 2009

YVES KLEIN, O MONOCROMO










1 Resumo
A obra do francês Yves Klein ultrapassa claramente o estrito campo da pintura e acaba por ser por ela própria contributo para a definição do conceito sistémico de arte moderna por todas as dimensões críticas que levanta. Yves Klein é um artista maior da segunda metade do século XX com uma fulgurante e produtiva carreira, interrompida por uma morte precoce aos 34 anos.
Os monocromos de Klein são a essência da definição da própria arte moderna na medida em que reabrem fronteiras de discussão por territórios ainda e sempre por explorar.
Este trabalho propõe-se a fazer uma abordagem sintética sobre a obra de Klein e sobre as questões conceptuais que ela ainda hoje coloca, na sempre e contemporânea questão do que é ou não arte.


« Le contenu immanent des oeuvres, leurs matériaux, et ses mouvements, sont fondamentalement différents du contenu en tant que détachable de l´intrigue d´une pièce de théâtre ou du sujet d´un tableau, tels que Hegel, en toute innocence. Les identifie (…) Le contenu d´un tableau n´est pas seulement ce qu´il représente, mais tout ce qu´il contient d´éléments de couleur, de structures, des rapports ; le contenu d´une musique, par exemple, est - selon Schönberg – l´histoire d´un thème. L´objet ( représenté) peut aussi compter comme élément, de même en littérature, l´action ou l´histoire narrée ; mais ne compte pas moins tout ce qui se passe dans l´ouvre, ce par quoi elle s´organise, ce par quoi elle se modifie » 1







Yves Klein, IKB 48, 1958


2 Arte por definição

« Les tableaux ne sont que les cendres de mon art »
Yves Klein

As propostas de Yves Klein introduzem na discussão da história da arte moderna duas questões que, apesar de não ter sido o primeiro a colocá-las e a abordá-las através da sua obra (e da sua vida) conseguiu reintroduzi-las a um tempo mais mediatizado em que as questões teóricas e conceptuais tinham já saído dos pequenos círculos de teóricos e críticos de arte.
A primeira questão é o duplo estatuto da produção individual e da produção industrial e da subjacente questão da originalidade e do original. É referência obrigatória nesta problemática o texto de 1936 de Walter Benjamin “ A obra de arte na época da sua reprodução mecânica.”3. Neste texto é abordada pela primeira vez esta questão que ainda hoje inunda de cepticismo muita da recepção aos monocromos e da abstracção dita radical. Rosalind Krauss explora de maneira conceptual todas estas questões no seu texto “ A originalidade da vanguarda” 2.
A dimensão espiritual e expressiva de uma obra de arte introduz-nos a segunda questão para que as propostas de Yves Klein nos transportam. A expressão de algo de humano e como tal de sensibilidade elevada, é objectiva em Klein. A insignificação aparente e a subsequente significação objectiva vem da relação entre sujeito e objecto e por outro lado entre a forma e conteúdo. Estamos perante o que Klein definiu como “ sensibilité pictural”4
Considero que esta “subjectividade não emotiva” é o garante à continuidade da própria arte enquanto conceito perseguido quer pelo artista quer pelo espectador receptor.
A aparência estática só pode ser compreendida na medida da sua significação, significação esta que é a impregnação óbvia do espírito no espaço pictórico.

“ C´est par imprégnation de la sensibilité de l´homme dans l´espace que se fera la véritable conquête de cet espace tant convoité »
Yves Klein


Podemos, é certo, referirmo-nos e posicionarmo-nos no paradigma geral das expressões artísticas enquanto modeladoras de um conteúdo temático mais ou menos perceptível
mas teremos sempre que regressar à discussão articulatória dessa mesma forma e conteúdo. Considero que a espiritualidade e a sensibilidade da recepção fazem parte do conteúdo temático da obra, o que posiciona os monocromos de Klein no patamar de libertação dos arquétipos arbitrais e ditatoriais da representação.
A certeza da presença ou não de uma obra de arte é assim ultrapassada pela postura de artistas como Yves Klein: a assumpção da obra de arte como um todo, a obra de arte como atitude de vida, a vida como obra de arte.

Indirectamente Klein responde-nos ao dilema criativo do que fazer quando tudo está já feito.






Yves Klein, RE 21, 1960

Yves Klein, ANT 154, 1960

3 Yves Klein, criador de mitos


« Un peintre doit peindre un seul chef-d´oeuvre : lui-même »
Yves Klein


Klein afirmou que a sua forma de existência seria o acontecimento artístico por excelência. A sua estratégia comunicacional era propagandística qb o que criou condições para o surgimento de um explícito mito pessoal. Nas sua exposições aparecia normalmente disfarçado de cavaleiro contribuindo também para o estabelecimento de uma corrente mítica superlativada pelos nomes das exposições e dos hapenings em que participava: “ Apoteose de Yves, o Monocromo, Yves, o proprietário da cor, Yves o campeão da cor, Yves, o conquistador do vazio, etc.…”.
Yves Klein instalou-se assim num cenário de arquétipos bem antes do reconhecimento em cenário de expressão artística.
Gaston Bacherlard afirmou que os sonhos transportam o sonhador para fora do mundo imediato para um mundo que tem a marca do infinito 5.
Este cenário que foi muito mais do que um sonho, foi uma estratégia premeditada com objectivos claros ( e que foram plenamente conseguidos). A sua morte prematura acabou por exponenciar o factor arquétipo do mito Yves Klein.
Os seus escritos acabaram por contribuir para a construção desta imagem mítica do personagem Yves Klein. Mais do que uma atitude Dada a atitude artística e de vida de Klein adquire foros místicos. Os múltiplos códigos que propagandeava acabavam por servir de protecção individual para uma pretensa insegurança e timidez. O seu discurso podia ser na forma Dada mas expressava algo de muito diferente.

« Seigneur, dit le jeune homme, il vous serait préférable de demeurer immobile, car rien ni personne au monde ne m´arrêtera »
Chrétien de Troyes, Perceval


A sua transfiguração permanente é testemunho de uma intenção de traduzir o seu objectivo simbólico de vida enquanto obra de arte e ao mesmo tempo introduzir o misticismo simbólico.

Escreveu: “ Transfigurar-se é pensar em cada momento na essência central da pureza da santidade, a respiração faz o resto, ou seja, expande pelo corpo uma nova vida que entra por cada átomo em separado e reage cada partícula infinitesimal passando do corpo ordinário a um corpo transfigurado.”

4 A procura do Monocromo Azul


« Fuis du plus loin de la pointe assassine,
l´esprit cruel et le rire impure
Qui font pleurer les yeux d´azur »
Paul Verlaine, Art Poétique


Da análise da obra e da vida de Yves Klein podemos afirmar que ele não é nem um artista abstracto nem um pintor figurativo. Onde se encaixa então Klein no meio dos ismos da historicidade da arte?
Ao olharmos os monocromos de Klein sentimos a vibração energética e a sensibilidade primordial que transmite ao espaço em redor.
O azul ultramarino descoberto e patenteado por Klein, o International Klein Blue (IKB) flui em todas as direcções e suspende-nos o fôlego. O azul propaga-se a cada radiação e colora os sentidos numa espécie de sopro vital embriagante. É a vida na sua essência, na sua grandiosidade, é a obra de arte na sua génese.
Em 1951, Robert Rauchemberg tinha inaugurado uma exposição de quadros brancos. Yves Klein considerou este acontecimento como um marco na História da Arte. Podemos considerar que este acontecimento acabou por o marcar pois mostrou-lhe que “o caminho que trilhava estava certo” e que a imaterialidade que sempre defendia era uma conceito forte e sustentável. Escreveu em 1957: “ (…) só transportados pela imaginação alcançaremos o espaço imaterial da própria vida”.
Já Rodchenko em 1921 quando expôs os seus quadros de cores puras, naquela que foi a primeira exposição de monocromos da História, pretendeu conduzir a pintura à sua “conclusão lógica” isto é, reduzindo a forma ao mais simples e criando um paradigma conceptual de redução absoluta. Rodchenko afirmou em 1939: “ Reduzi a pintura à sua conclusão lógica expondo três telas; uma vermelha, outra azul, e outra amarela. (…) Cores primárias. Cada plano é um plano e não haverá mais representação”6
A redução niilista da “estrutura dedutiva” ( Krauss, 2004) 7 poderia fazer pensar que a pintura tinha sido resolvida de per si.

Eram necessários mais esclarecimentos.

Yves Klein é um artista que, obviamente e desde o inicio esteve afastado da monocromia académica da História da arte.

« Patience, patience,
Patience dans l´azur ! »
Paul Valérie, Palme


O seu azul impressionante ( IKB) de força e variedade, a idiossincrasia da sua utilização constante fizeram a sua imagem de marca. O IKB consegue fazer regressar ao espaço pictórico o indefinível de Delacroix, a substância poética que tão afastada andava da pintura nessa segunda metade do sec. XX. Klein transforma-se assim em poeta do azul.
O monocromo de Klein transforma-se em comprometimento com a vida numa espiral de sensibilidade pictórica nunca antes atingida. A essência do seu trabalho acaba por ser uma das explorações mais complexas e potentes do monocromo em toda a História da arte.

A experiência estética dos monocromos azuis e dos seus inevitáveis desdobramentos foi muito para além da produção repetitiva e criou uma espécie de pensamento e sensibilidade monocromática. Com os monocromos azuis a matéria impalpável é libertada em fluxos de sensibilidade constante e por vezes perturbadora.
Cor pura. Klein sublinhava muitas vezes a sua paixão enquanto artista na tentativa de libertar a cor da linha. Dizia: “ Je suis contre la ligne et toutes ses conséquences: contours, formes, composition. Tous les tableaux, quels qu´ils soient, figuratifs ou abstraits me font l´effet d´être des fenêtres de prison dont les lignes, précisément, seraient les barreaux ».


5 Visível e invisível, do condicionamento da arte à dúvida do vazio

« Je suis l´amant
J´ai des ailles
Je t´apprendrai à voler »
Max Jacob

A recusa do seu primeiro monocromo no Salão de 1946 dedicado à arte abstracta não fez Yves Klein perder a confiança. Disse em reacção: “Mon tableau représente une idée d´unité absolue dans une parfaite sérénité : idée abstraite représentée de façon abstraite, parfaitement en accord avec vos Statuts. »
Após a recusa, a consagração alternativa só teria de esperar pela primeira exposição pessoal “ Yves peintures”, um pouco à maneira do percurso de Courbet.
Catálogo de luxo, linhas em vez de parágrafos e cores em vez de quadros. Esta ausência implicará o falso? Ou o verdadeiro implicará uma presença, ainda que efémera?
Farsa ou obra de arte?
Esta atitude propõe definitivamente a simulação completa do pensamento monocromo, numa aspiração dialéctica sempre condicionada por uma cultivação da sensibilidade, origem de toda a vida, de toda a arte. A cor é-nos assim imposta como matéria impalpável.
Em termos de ideário, o monocromo azul de Yves Klein apenas é a introdução de uma revolução azul. Uma verdadeira revolução cósmica onde emerge uma realização pessoal verdadeiramente impressionante: orquestração e discursos do vazio, antropometrias, cosmogonias, utilização de lança chamas na criação artística, venda de zonas de sensibilidade imaterial, em uma espiral de happenings, arte conceptual minimal e performance que fizeram de Klein um personagem que encarnou a obra de arte em termos de conceitos global de vida e sobretudo de atitude individual.
Mais do que um pensamento monocromo estava-se perante a revolução IKB.
As acções grandiosas e espectaculares que caracterizaram o percurso de Klein nos últimos anos acabaram por influenciar as muitas vertentes artísticas do ultimo quartel do século XX.
A imagem de habitante do vazio é sublinhada por performances como a assinatura no céu de Nice e o salto no vazio. Este imaginário espacial de conquista do vazio ( não do nada) contribuiu para toda a modelação poética de Klein e de toda a sua obra.
Esta conquista do espaço vazio assume contornos líricos mesmo quando assume características de incerteza conceptual. Sobrevivência? Irreverência consciente?
A aventura monocromática é um reflexo extremo da sensibilidade, interpretada como origem civilizacional. Esta atitude sensível e espiritual transposta do exemplo de vida de Delacroix, faz deste pintor romântico a referencia maior no âmbito da pintura para Klein. É este estado e capacidade de ser pintor que encarna de Delacroix que também lhe permite recusar linearmente a colagem ao tão actual expressionismo abstracto americano.
Após uma breve estadia nos Estados Unidos assume a diferença no pressuposto da sua falta de substrato expressivo de interacção com a realidade ( sobretudo a politica). Klein assume a arte pela arte, enquanto actividade pura e resolúvel intra muros.
Impôe-se o regresso ao mestre Gaston Bacherlard :”A imaginação é o veículo da sensibilidade! Transportados pela imaginação efectiva, atinge-se a vida, ela mesma a obra de arte em si” 5


6 Le Dépassement de la problématique de l´art

« Je vais dévoiler tous les mystères : mystères religieux ou naturels, mort, naissance, avenir, passé, cosmogonie, néant.
Je suis maître en fantasmagories .
Arthur Rimbaud, Une Saison en enfer



O facto de que o IKB seja ou não propriedade de Yves Klein não é importante. Importante foi a objectividade da sua patente na prossecução de um objectivo num processo ele sim subjectivo de apropriação.
A interpretação da arte dos monocromos de Yves Klein é muito mais do que tentar decifrar simbolismos escondidos e de obedecer aos arquétipos de análise: perante a sensibilidade empolgante da cor qualquer interpretação será efémera perante a universalidade e sobretudo a eternidade da proposta.

« La connaissance ne possède complètement aucun de ses objets. Elle ne doit pas susciter le fantasme d´un tout. Ainsi, la tâche d´une interprétation philosophique des œuvres d´art ne peut pas produire leur identité au moyen du concept, les absorber en lui ; l´œuvre se déploie cependant dans sa vérité à travers interprétation. (…) En principe, ( interprétation philosophique) peut toujours faire fausse route ; et seulement pour cette raison gagner quelque chose»9
Mas no momento em que o seu azul triunfa, Yves Klein sonha em algo mais, algo que ultrapasse a própria problemática da arte. A projecção no invisível e no vazio projecta a pintura e a arte por caminhos nunca antes percorridos. A cor é substituída por vazio e o corpo assume-se como acto pictórico em possibilidades de performance de liberdade total. Evolução ou revolução?
As antropometrias de Klein estão entre as obras de maior afectividade pictórica até hoje produzidas. Fica assim resolvido o problema da distância na pintura, assumindo a carne o papel de pincel vivo teleguiado pelas indicações precisas de Klein: a substância pictórica viva.
A inscrição final é feita no lugar criador do desejo a uma só cor: IKB
O mote estava dado. As portas da percepção preparavam-se para fechar. A marca do Noveau Realisme é assim definida e extrapolada em termos teóricos: homem, corpo e realidade num chamamento à arte, da sensibilidade e do senso comum.



8 Notas e referencias bibliográficas


1 ADORNO, THEODOR W. (2006) : « Théorie esthétique », pp 493-494
2 KRAUSS, ROSALIND (1985): The Originality of the Avant-Garde and Other Modernist Myths. New York . MYT
2 TERENAS,CARLOS (2007) : http://carter-carter-carter.blogspot.com/2007/12/originalidade-da-vanguarda.html
3 BENJAMIN, WALTER (1936) : « L´oeuvre d´art à l`époque de sa reproduction mécanisée », in Écrits Français (1991) .Paris. Gallimard
4 Optei aqui pelo original em francês já que a tradução para português iria introduzir novas questões teórica não relevantes para o trabalho ( picturale / pictural/ pictórica)
5 BACHERLARD, GASTON (1969): «The poetics of Space », p.183 .Boston. Beacon
6 MOSZYNSKA, ANNA. (1997): « Purity and Belief: The lure of abstraction » in The Age of Modernism: Art in the Twentieth century, p204, Berlin, VGH & Zeitgeist
8Y.A. BOIS, B. BUCHLOH, H. FOSTER, R. KRAUSS. (2004)“Art Since 1900 modernism antimodernism postmodernism”. London. Thames Hudson.
9 ADORNO, THEODOR W. (2006) : « Dialectique négative », pp. 146









sábado, 9 de maio de 2009

A conquista da América

Ficha de Leitura
TODOROV, Tzvetan, « A Conquista da América”, 1990, Lisboa, Litoral Edições

A. Introdução
« Quero falar da descoberta que o eu faz do outro » . Com esta frase inicial Todorov dá o mote para este interessante ensaio (no original “La conquête de l´Amérique, la question de l´autre”) em que é analisada ao detalhe a alteridade e a visão que um povo tem de outro e as interacções que se estabelecem no contacto entre dois povos e culturas (através dos seus representantes). Esta análise é feita tendo por base o exemplo histórico da descoberta e conquista da América Central ( México e Caraíbas) pelos espanhóis no século XVI.
O trabalho do franco-bulgaro Todorov foi sempre marcado pela relação entre o Eu e o Outro mas numa perspectiva meramente linguística.
Ao analisar um determinado período histórico através de relatos descritivos da época, que já por si são visões condicionadas da realidade, Todorov expõe-se de uma maneira clara e directa pois não consegue libertar-se de uma perspectiva muito pessoal politicamente critica e que acabou por condicionar todo o ensaio.
Este tipo de análise estática e modular característica do seu estruturalismo militante entra por caminhos de análise sociológica muito limitada que transforma o texto em uma mensagem moralista de carácter meramente panfletário.
A tentativa de transportar os exemplos do passado para a actualidade e assumir a sua critica aos olhos de um conhecimento e de valores actuais e pretensamente globais transformam este ensaio num trabalho condicionado politicamente e definitivamente muito datado.

I.”Descobrir”
Neste capítulo é feita uma análise da viagem e dos motivos de Colombo e de como eles definiram o que viria a ser o paradigma da descoberta e posteriormente o paradigma da conquista. O Outro como o ente completamente desconhecido e o Eu com entidade única e redutora perfeitamente condicionada aos axiomas societários limitados do século XVI.
Todorov demonstra desde o inicio “ de que lado está”, isto é, do lado dos opressores perante a redução primária à relação conquistador\ conquistado sempre num plano de análise de homem urbano do século XX, carregado de valores assimilados e construídos ao longo de mais de 500 anos ( que também contribuiu o facto que analisa). É disso prova a citação inicial da mulher Maia, casada, atirada aos cães por se recusar a ser seduzida pelos conquistadores.
Neste capitulo também são analisadas as intenções de Colombo antes e depois da descoberta dos novos territórios, a sua paixão pela natureza e a sua profunda religiosidade.
A questão de base é que foram após os primeiros contactos com os habitantes desses novos territórios que se estabeleceu uma primeira fase de um relacionamento que acabaria por condicionar os 200 anos seguintes. Na prática os autóctones não eram considerados como seres humanos como provam quer os escritos de Colombo e os relatos dos cronistas das Índias.
O autor também desenvolve neste capítulo os esquemas de comunicação, verbal e não verbal, as novas linguagens, as primeiras traduções, os primeiros contactos e o estabelecimento das primeiras relações quer humanas quer institucionais.

II.”Conquistar”
Neste capítulo são analisados, perante as mesmas premissas, os factos que levaram a efectivação da conquista do México por Cortez e a todo o complexo jogo de relações e interpretações que se estabeleceram no contacto entre duas culturas e civilizações tão diferentes.
O autor também nos desenvolve possíveis perspectivas do Outro perante os invasores espanhóis e os complexos jogos de poder e hierárquicos que condicionaram toda a sociedade Asteca e dos povos que habitavam no México.
São também dissecados por Todorov as dificuldades de comunicação efectiva e de como o controlo total da mesma por Cortez acabou por ser fundamental para uma conquista rápida apesar da desproporcionalidade das forças em questão.
É também sublinhado o elevado simbolismo e ritual da sociedade Asteca e de como os signos acabarão por antecipar o desfecho final: o Outro e o Eu em perspectivas anacrónicas, diversas e distantes. O autor faz também uma análise do signo como limitador e condicionador numa perspectiva estruturalista (comme il faut) em que o significantes e significados quase nunca coincidem quando comparados.

III.”Amar”
Em mais um capítulo peculiar, o autor transporta-nos para o patamar seguinte onde são introduzidos os níveis da compreensão, admiração e respeito perante uma sociedade Asteca extremamente desenvolvida e rica. Estes sentimentos acabarão por degenerar em aniquilação e destruição do objecto admirado pelo receptor desorientado. Porquê? Interroga-se Todorov. Esta questão irá percorrer toda a ponta final do livro onde são detalhadas as razões do genocídio directo e indirecto da população indígena.
Neste capítulo o discurso do autor assume por vezes um discurso extremamente vitimizador e redutor que descarta qualquer tipo de análise objectiva e imparcial.

IV.”Conhecer”
Este capítulo é para mim o mais interessante, racional e consistente pois define a relação com os outros sob o prisma da alteridade e em que são definidos vários níveis segundo os quais a relação é estabelecida:
1-Plano axiológico: juízo de valor (bom/mau, amor/ódio)
2-Plano praxiológico: aproximação ou afastamento (identificação/ ignorância, assimilação/ rejeição)
3-Plano epistémico: conhecimento ou indiferença

Com base nestes níveis Todorov analisa todos os intervenientes históricos que testemunharam e participaram nessa etapa marcante da passagem de uma mentalidade medieval para uma modernidade que se viria a revelar redefinidora e construtora de novos conceitos e valores.

B. Conclusão
Apesar de ser uma reflexão ligeira sobre o comportamento do Eu perante o Outro, sob o pano de fundo de uma medievalidade efectiva, esta obra de Todorov acaba por ser uma boa introdução para este tema tão actual, se analisado à luz do multiculturalismo latente em todas as sociedades modernas.
Na prática o que este ensaio revela é um diálogo por vezes academicamente injusto pois baseia-se nos registos de actores de acontecimentos, muitas vezes elaborados ainda a quente, para tirar conclusões, estas sim baseadas num registo contemporâneo e já no fim de uma linha histórica.
A questão da identidade é bem mais complexa e definitivamente é uma variável complexa numa equação não standard de valores e culturas múltiplas.
A nossa actuação perante o Outro é sempre condicionada pelos registos históricos, culturais e económicos que acabam por condicionar a alteridade.


Actores e personagens históricos analisados e consultados por Todorov para este ensaio:
Cristóbal Colón
Bartolomé de las Casas
Vasco de Quiroga
Gonzalo Guerrero
Hernán Cortés
La Malinche
Alvar Núñez-Cabeza de Vaca
Diego Durán
Bernardino de Sahagún

Phrases / mots clés
O Eu e o Outro; alteridade
Identidade ; imposição de valores
Manipulação, libertação, repressão e manipulação.
Diferença na Igualdade

Liaisons/ Voir aussi
Diálogo de Culturas
Estudos Pós-Coloniais; multiculturalismo

Influências
Michel Foucault; Edward Said

Literatura Europeia e Construção Colonial da Realidade Americana

Ficha de leitura

« Literatura Europeia e Construção Colonial da Realidade Americana», Artigo de Darío Villanueva \ Literatura e História – Actas de Colóquio Internacional do Porto, 2004

Notas introdutórias
O primeiro aspecto a realçar é a extrema clareza deste artigo de Darío Villanueva publicado no âmbito do Colóquio Internacional do Porto 2004 – Literatura e História. O texto de Darío Villanueva contribuiu inexoravelmente para a clarificação dos modelos teóricos e críticos no âmbito dos estudos e das literaturas comparadas, nomeadamente no campo da construção da identidade americana.

Signos e simbolismo
O autor começa por nos relatar um episódio do livro Memorias do Marquês de Bradomín em que este se refere ao Novo Mundo numa imagem estereotipada e arquetípica que consubstancia uma " descoberta particular da América, quatro séculos depois da colombiana".
A experiencia simbólica é também referida na obra de Bernal Díaz del Castillo, Historia verdadera de la conquista de la Nueva España onde os exemplos da "guerrilha" simbólica de Cortês são diversos.
Em seguida, é com naturalidade e lógica que Darío Villanueva cita a obra de Todorov, onde é dissecada a descoberta que o eu europeu faz do eu americano. Este tipo de análise inovadora valoriza os signos e a alteridade dos mesmos perante a surpresa e sobretudo a angústia da novidade.
Posteriormente é referenciado Stephen Greenblatt e a sua análise política da apropriação colonialista do Novo Mundo; esta apropriação iniciou-se através de técnicas discursivas e práticas de representação e pressupostos nativo-americanos que jogaram a favor dos conquistadores.
O delineamento semiótico é depois mencionado na referência obrigatória à obra Books of
the Brave de Irving Leonard, onde se analisa a percepção cosmovisionária dos primeiros espanhóis que chegaram à América, baseada e condicionada pelo imaginário cavaleiresco que naturalmente inundava toda a estrutural mental de percepção daqueles corajosos homens. A importância deste livro é realçada numa referência posterior de Darío Villanueva em que valoriza a sua importância para a teoria moderna na perspectiva da influência da literatura nos factos humanos.

O real maravilhoso

Darío Villanueva continua o artigo com a referência ao prólogo da obra El reino deste mundo de Alejo Carpentier, autentico manifesto identitário do novo romance ibero-americano. Aqui e em breves linhas Carpentier expõe a sua teoria do " lo real maravilloso": a realidade enquanto tal não é mais do que uma sucessiva construção mental ao longo de diversas épocas, dependendo sempre da percepção em cada uma dessas épocas.
O universo do realismo mágico nascia em sede literária e em forma de manifesto: sabemos da sua importância ainda hoje e como é essencial na construção e análise dos novos mitos e de identidades hispano – americanas.
O autor continua a dissecar as ideias mais emblemáticas de Carpentier sobretudo a sua definição de realidade, enquanto " construção mental e culturalmente socializada que varia de uma época para outra".

O estímulo da realidade americana
O afrontamento da nova realidade americana criou situações de controversa dualidade onde os primeiros relatos assumem estética simbólica de sobrevalorização da nova realidade e que se assumem como marcos na construção do novo universo mágico, isto é dessa concepção de América assim construída.
Darío Villanueva refere depois a citação de Edmun O´Gorman: a América não foi descoberta, mas inventada. O reino das fantasias foi construído na base das primeiras narrativas assumindo o terno sopro das quimeras e utopias tão em voga nessa época imbuída do imaginário cavaleiresco.
No seguimento deste raciocínio a referência posterior é sobre a obra de 1603 de Lope de
Vega - El nuevo mundo descubierto por Cristóbal Colón. Nesta obra, imagens de uma imaginação profícua vão-se sucedendo, construindo um mundo hermético e simbólico povoado de signos bem significativos que condicionam a eterna dicotomia entre a imaginação e a credibilidade racionalista.
Na sequência, uma referência obrigatória é feita a Irlemar Chiampi e ao seu "ideologema de maravilha" que povoa a narrativa ibero-americana.

A improvável credibilização do testemunho oral
Na parte final do artigo o autor refere o surpreendente processo de credibilidade e inscrição histórica da nova realidade fundada em simples testemunhos orais.
É a chamada "imaginação construtiva" que Collingwood bem definiu e que se seguiram processos mais ou menos globais de mitificação de realidades fantásticas e quimeras utópicas.
Darío Villanueva termina o artigo definindo o " encerramento do círculo que da ficção vai à realidade ou à história e dela regressa".
A construção desta nova realidade foi assim um processo abstracto e simbólico claramente realizado através de estruturas narrativas.




domingo, 1 de fevereiro de 2009

Os Poemas Homéricos

« E, além disso, o maior de todos os monumentos, que paradoxalmente surge desta época obscura: os poemas Homéricos. » 1

Nesta recensão irão ser abordados os dois marcos fundamentais na construção da cultura e da literatura ocidental, a Ilíada e a Odisseia. Para isso, iremos recensear alguns capítulos do livro de Maria Helena Rocha Pereira.1
Sendo os primeiros livros da literatura europeia são também os grandes livros referencia de toda a cultura ocidental.
Vinte e oito séculos depois estas duas obras mantém a sua capacidade esmagadora e comover e perturbar.2
A origem da literatura assenta na palavra poética. Primeiramente orais, as formas poéticas formam a base da literatura primitiva séria: textos religiosos, epopeias, genealogias. De inicio principalmente vocacionada e relacionada com acontecimentos extraordinários ou sagrados, a poesia grega era considerada uma forma de inspiração divina, enquanto a prosa era reservada a questões mais triviais e normais.
Podemos afirmar o extraordinário papel que cabe ao receptor/leitor pois a herança que nos cabe ao transmitir a cultura ocidental por vezes passa desapercebida.
Podemos dizer que no século VII antes de Cristo, no fim de uma longa tradição épica oral, surgem estes cantos de sangue e lágrimas, em que os próprios deuses e homens são feridos e os modelos e exemplos são construídos.

A Questão Homérica

Falar dos Poemas Homéricos é falar da questão da sua autoria e data de composição. Sobre a autoria existem autores que defendem que os poemas tiveram autores diferentes ( os analíticos) e os autores que defendem um só autor ( os unitários).
Sobre a data de composição dos poemas existem muitas duvidas: sabemos hoje que os textos são da época micénica e sobre heróis micénicos. Esta teoria é reforçada pela referencia no canto X da Ilíada a um ornamento micénico.
A repetição de versos inteiros foram fruto de uma tradição oral. Esses epítetos eram condicionantes da memorização e da métrica.
Relativamente à historicidade da Ilíada ela sempre foi posta em causa mas diversas escavações no século XIX e já no século XX demonstraram a autenticidade de muitos dos
lugares homéricos. Referencia à escavações de H. Schilieman em 1871 e as de Korfmann que em 1987 deu por encerrada a questão da localização de Tróia ao não só localizá-la mas provar alguns dos acontecimentos históricos referidos nos Poemas Homéricos.


Os Poemas Épicos

Os poemas épicos são longos textos baseados numa métrica bem definida, o chamado hexâmetro dactílico; um pé dactílico é composto de três sílabas, longa-breve-longa; o hexâmetro é apenas uma medida de seis pés.
Estes poemas cantaram lendas tradicionais chamadas ciclos ou epopeias, que continham episódios emblemáticos da história do povo grego. Muitos destes episódios mesmo tendo uma base real eram sempre abordados numa perspectiva mitológica.
Poemas épicos como a Ilíada e a Odisseia pertencem ao ciclo troiano. As lendas tradicionais referidas exploram e dissertam sobre os momentos chave da História de um povo e tentam responder a muitas questões de natureza existencial e escatológica.
As epopeias clássicas foram construídas à volta de personagens heróicas e onde os seus actos e principalmente as suas escolhas serviram de modelo e referencia cultural e cívica em autênticos exemplos modelares de vida. Os ciclos épicos cobrem toda a história mitológica de cidades como Tebas ou Micenas e contam os percursos heróicos de Hércules, Teseu, Perseu ou Jasão.
A literatura grega começa com as duas grandes epopeias do ciclo troiano, a Ilíada e a Odisseia. Estas obras foram passadas da oralidade à escrita cerca de 750 aC. Quer elas sejam ou não obra de um ou múltiplos génios, o nome de Homero é desde sempre a referência literária ocidental por excelência. O debate sobre estes textos épicos é ainda actual e podemos afirmar que são neles que nasce a literatura ocidental.
Assim, para compreender toda a cultura grega é necessário desde logo ler estas duas magnificas obras.


A Ilíada

Este primeiro Poema Homérico é de assunto limitado: a cólera funesta de Aquiles. Depois de uma breve introdução somos lançados “in media res”, isto é, no meio dos acontecimentos.. O nome Ilíada remete-nos para Ilíon ( Tróia). Em 16000 versos é-nos possível revisitar uma guerra de muitos anos, apesar de tudo se passar em apenas 50 dias, dos quais apenas 14 dizem respeito à acção . No entanto, os condicionantes do passado e das crenças mitológicas irão marcar todo o poema.
A Ilíada desenrola-se no décimo ano da guerra de Tróia. O texto começa pela querela que opõe o chefe dos gregos Agamémnon e o herói Aquiles. Este retira-se da batalha que provoca a derrota dos gregos contra os troianos liderados por Heitor.
Não obstante todos os pedidos, este ultimo recusa retomar o combate mas para que os gregos não percam a face e autoriza o seu amigo Pátroclo a combater por si. Heitor mata Pátroclo e Aquiles, retoma o seu lugar e o combate numa fúria sangrenta. Aquiles mata Heitor e profana o seu cadáver que provoca a vinda da mãe enviada pelos deuses que, em conjunto com o pai de Heitor, o rei Príamo, suplicam a Aquiles que termine tal profanação.
Aquiles aceita, enquanto o rei Príamo leva o cadáver do filho para exéquias dignas de um herói. O destino e a morte, a responsabilidade, o valor da vida a honra, a glória, a amizade e o amor estão perfeitamente ligados nesta obra extraordinariamente bela.
Verificamos que só há um fio condutor e uma só acção, que é retardada até ao fim. O discurso narrativo alterna com o discurso directo ( mais de metade dos versos).
De entre as figuras de estilo presentes na Ilíada a mais emblemática é a símile ou comparação que fornece a paisagem colorida à narrativa.
O contraste é uma das características homéricas e como tal muito presente na Ilíada. Este recurso poético é exemplificado na dicotomia guerra vs paz.
Apesar de haver muitas marcas de técnica e tradição oral pode-se hoje afirmar que a Ilíada foi concebida por escrito.3
Herberto Helder lembrou-nos “ a escrita suprema de imaginar por músicas as coisas; não estaria ele a lembrar-se da Ilidia?

A Odisseia

A Odisseia pertence à categoria das epopeias apeladas Nostoi ou Regressos que conta o regresso dos heróis gregos após a guerra de Tróia. É um poema de aventuras, das múltiplas histórias que excitam a atenção do ouvinte, e do espírito aberto a todas as curiosidades de “Ulisses dos mil artifícios” (…) 1.É a história de Ulisses, rei de Ítaca, que no seu regresso a casa com os seus homens vai viver uma série de aventuras fantásticas nomeadamente uma viagem ao país dos mortos. Azar e más decisões custam-lhe o seu barco e deixam-no naufragado e prisioneiro da ninfa solitária Calipso na sua ilha. Mas os deuses apoiados por um bom povo de marinheiros ajudam-no a regressar a casa onde encontra a sua mulher Penélope, o seu filho Telémaco e toda a sua criadagem ameaçados por um grupo de pretendentes que consideravam Penélope já viúva e assim pronta a casar novamente. Disfarçado de mendigo, Ulisses conspira com o seu filho e com a ajuda de Athéna massacra todos os pretendentes e reencontra Penélope.
Mito, epopeia e lenda misturam-se numa história inquietante e por vezes extremamente humana nas escolhas e observações dos heróis, nas suas responsabilidades e sobretudo na sua perseverança.
Ulisses é uma figura aquém as circunstancias, e não da sua própria natureza, conferindo-lhe uma dimensão heróica. (…) que determina porque se tenha sempre projectado em Ulisses a essência do Homem Mediterrâneo, logo, pela cultura, do Homem Ocidental.4
Todas as minhas personagens são como Ulisses, são soldados perdidos em território inimigo e num mar hostil ( Arturo Pèrez-Reverte)5.
Foi Proust que nos revelou que toda as emoções imediatas da contemporaneidade estão todas contidas nas remotas personagens homéricas dando-lhes uma dimensão Universal.

A comparação entre os dois poemas

Podemos afirmar que sendo muitas as semelhanças também muitas são as incongruentes diferenças dando um pouco de força aos analíticos que defendem uma autoria diferente para os dois poemas. Apesar dos deuses serem os mesmo a sua interacção com o Homem alterou-se com um afastamento, na Odisseia, do carácter humano desses mesmos deuses incorporando-se num realidade mais abstracta e mitológica.
Na Odisseia são pela primeira vez abordadas e assumidas as noções de culpa, castigo e de justiça.
Todas as grandes diferenças detectadas na análise dos dois poemas fazem-nos acreditar que Homero escreveu a Ilíada na juventude e a Odisseia já na velhice.


A concepção da Divindade nos Poemas Homéricos

Actualmente ainda paira a duvida se a origem da mitologia grega está em Homero e mesmo em Hesíodo ou eles apenas descrevem uma realidade que já existia.
Heródoto de Halicarnasso, o grande pai da História era um dos que, à semelhança de Platão, o afirmava categoricamente.
O panteão grego é definitivamente ligado ao panteão micénico e mesmo indirectamente ao minóico o que faz crer na evolução quer das divindades quer da origem delas próprias.

As divindades homéricas são luminosas e antropomórficas o que, comparativamente ás religiões existente até então, deram aos gregos uma absoluta e incontestável superioridade teológica.
No entanto a noção de eternidade das divindades só aparece mais tarde em Platão e Aristóteles.
Temos então que, naturalmente, o homem conjectura a actuação divina sempre perante factos enigmáticos e obscuros. Na Odisseia a evolução perante os desígnio dos deuses é clara pois assume-se o cumprimento da justiça terrena pela intervenção divina.


Referências Bibliográficas :

1 MARIA HELENA,ROCHA PEREIRA (2006) : « Estudos de História da Cultura Clássica », Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian
2 LOURENÇO, FREDERICO (2003) : In Introdução « Ilíada », Lisboa, Livros Cotovia
3 BOUVIER, DAVID (2002) : « Le Sceptre et la Lyre », Grenoble, Jérôme Millon
4 LOURENÇO, FREDERICO (2003) : In Introdução « Odisseia », Lisboa, Livros Cotovia
5 Publico, Suplemento Mil Folhas, 2-11-2002

terça-feira, 13 de janeiro de 2009

« Perceval le Gallois », de Éric Rohmer


Ficha do filme
« Perceval le Gallois », de Éric Rohmer segundo « Perceval ou o Romance do Graal » de Chrétien de Troyes, realizado em 1978.

Notas introdutórias
O primeiro aspecto a realçar desde já é a grande proximidade ao texto de Chrétien de Troyes. O imaginário cavaleiresco está perfeitamente representado neste autentico filme de culto. Os efeitos especiais adquirem uma função de distanciamento para limitar à ditadura da imagem, através de uma desproporção estética ( natural vs artificial) e uma dissociação histórica propositada e assim dar um relevo prioritário ao texto.
O texto original de Chrétien de Troyes contribuiu inexoravelmente para a construção de mitos ao assumir-se como um dos primeiros pilares do Imaginário Literário ocidental.


De descoberta em descoberta
O próprio filme assume o jogo simbólico do livro através de uma carga psicológica e escatológica muito grande. É assumida a relação de artista/realizador com o tempo, não o tempo diacrónico (passado, presente e futuro) mas sim um tempo sincrónico ( um tempo de reflexão). Neste particular assume verdadeira importância o episódio do Rei pescador e o episódio do confronto com o Graal.
A cada experiencia e aventura uma bifurcação se apresenta a Perceval. No romance, a passagem continua de um lugar a outro é uma característica deste tipo de estética cavaleiresca num contínuo de linhas isomórficas.
No filme, os personagens são actores e narradores, simultaneamente interpretes e romancistas através de uma expressão continua na terceira pessoa dando assim mais ênfase ao chamado estilo cortês, estilo ainda jovem e à procura de uma linguagem literária ao tempo de Chrétien de Troyes.
A experiencia dos limites da transgressão/ não transgressão e da ambivalência, condiciona e constrói o curso dos acontecimentos sempre através do recurso a uma dialéctica interior de decisão pessoal.
Uma palavra também para o recurso à animação que, como outros métodos de ruptura fílmica mencionados anteriormente, acentuam a atenção e fidelidade ao texto original.

A modernidade da Idade Média
A relação colocada em jogo por Éric Rohmer entre a Modernidade e a Idade Média é uma das grandes características do filme e que, neste caso, é assumido de uma forma que tem tanto de estranha como de original, sempre baseado na estética românica.
O universo romanesco tinha em Perceval a sua génese; sabemos da sua importância ainda hoje e como o foi também importante na construção de mitos e de símbolos da civilização ocidental.
E é nesse simbolismo e nessa iconografia que Éric Rohmer se baseia para imaginar o realismo da Idade Média pois, era assim que as pessoas dessa época retratavam a sua própria realidade.
A Arte Românica tinha assim tendência à imitação e à reprodução ao mesmo tempo que sugeria uma ilusão e uma sugestão de estilização deformadora. ( contraste entre as raízes greco-romanas e as raízes das artes primitivas cristãs e célticas)
A precisão do detalhe compartilhava o espaço narrativo com uma certa forma de abstracção ao mesmo tempo que a violência mais cruel sucedia a uma compaixão desconcertante.
Estas oposições são bem visíveis na dicotomia dos personagens Perceval e Gauvain.
Esta abordagem complexa e dialéctica é a essência da própria modernidade num diálogo de paradoxos que estimula processos narrativos enquanto base de construção de imaginários mais ou menos escondidos. Este jogo de aparências vai mais longe e encarna a eterna dialéctica do ser e o parecer, o consciente e o inconsciente.
Esta modernidade baseada no realismo estético e estilizado da Idade Média, fá-la brilhar numa riqueza de imagens que nos transportam para conceitos mais filosóficos e teológicos como o da Beleza e do Eterno Feminino, fundamento cristão da nova representação do papel da mulher.

Uma estética de aliança, de estratégia e de articulação
O afrontamento de Perceval consigo mesmo e com as situações de dualidade que se lhe apresentam fazem desta estética simbólica um marco na construção quer do universo cavaleiresco quer do imaginário literário ocidental.
Esta estética é sobrevalorizada pela utilização do arco românico da abside e principalmente pela utilização da música e do coro como base narrativa; a música harmoniza e liga.
É assim, num décor feito de curvas e elipses que as personagens circulam sem fim, os cavaleiros não despem as realistas armaduras metálicas numa espécie de curvatura espacial sem perspectiva real.
O filme de Rohmer é mais do que tudo, a essência da representação imaginária do real através da utilização dos protosignos bases de um imaginário literário base da nossa civilização: o universo cavaleiresco.

Da glória à cruz
As imagens de Perceval e de cavaleiros vão-se sucedendo construindo um mundo hermético e simbólico povoado de signos bem significativos de uma estética e antropologia românica.
A passagem de Deus cavaleiro/ Perceval a Deus homem/ Jesus é feita por recurso a uma livre adaptação final de Rohmer, em que representa a Paixão de Cristo e em que a Palavra se faz carne, a Palavra que vem de outro e se faz entender.
Perceval passa do ver ao entender. O caminho interior de Perceval está traçado e descoberto.
Esta é a demanda do Graal.

Mots-clés
Imaginário cavaleiresco, amor cortês, acolhimento, compaixão, Imaginário cavaleiresco. O Mito do Graal, tradição celta/pagã, mágica vs tradição judaico-cristã, cristianização do imaginário pagão, procura do ser interior, literatura cortês, herança literária francesa e provençal, simbólica do Graal, herança romântica séc. XIX, a procura, o caminho, essência divina e essência humana.
Dupla estética, realismo-precisão-simbolismo, Modernidade da Idade Média, estilização, deformação e abstracção.

Liaisons/ Voir aussi
Mulher/Eterno feminino, fonte de vida, objecto de busca

segunda-feira, 12 de janeiro de 2009

O génio civil romano

« Estes trabalhos gigantescos provocaram a admiração do historiador Dionísio de Halicarnasso, que por volta do ano 7 aC., considera que as mais prestigiadas realizações materiais de Roma eram os aquedutos, as estradas empedradas e os esgotos (III, 67), e acrescenta que a sua admiração vai não só para a utilidade destas obras como, ainda mais, para o preço que custaram. Observação reveladora que mostra bem o contributo de Roma para a vida colectiva. As cidades helenísticas tinham de facto, as maiores dificuldades em estabelecer orçamentos para obras de vulto, mais por má gestão dos recursos do que por falta deles. Roma, pelo contrário, possui uma administração financeira submetida a controlos exactos. O rigor orçamental é um dos benefícios do Império, pelo menos no inicio (…) » 1



Nesta dissertação irão ser abordados alguns dos grandes momentos do génio civil romano. Os romanos eram engenheiros especializados e construtores de espírito prático, como se pode verificar um pouco por todo o lado, na obra que eles nos deixaram. Construíram cidades, prédios, estradas, aquedutos, túneis e pontes que ainda hoje são utilizados. No objectivo de conquista de novas terras, os romanos construíram também construções precárias como campos militares, campos de cerco e maquinaria militar.
Os engenheiros romanos já adoptavam quatro etapas para edificar as suas construções duráveis: calculo, preparação do terreno, construção de fundações estáveis e por fim construção em definitivo.
Uma outra característica dos construtores romanos era a sua capacidade de resolução de problemas práticos e a sua determinação pragmática para fazer as coisas da melhor maneira. Não eram, ao contrário do que se pode pensar, adeptos do experimentalismo nem das construções de luxo. Uma grande parte do seu sucesso é devido a uma sistematização e utilização constante e rigorosa das técnicas construtivas que dominavam já desde o sec. VI aC. As soluções funcionais eram adoptadas e usadas de uma maneira quase dogmática.


O Império construía alicerces em cimento
Os romanos começaram a trabalhar o betão cerca de 300 aC. Utilizavam-no como base construtiva das suas construções e a su técnica denominava-se Opus cementicium. Estavam constante mente a melhorar a qualidade do cimento: primeiramente descobriram que, juntando à mistura a areia vulcânica do Vesúvio, o betão ficava tão duro que aguentava todo o tipo de esforço e condições, inclusive a submersão. Actualmente o betão é feito com mistura de cilicia para obter o mesmo resultado. A técnica de afinação do betão foi evoluindo nomeadamente nas técnicas de preparação ( mistura com gordura animal) de maneira a modificar as propriedades de colagem e de humidificação. Assim podiam utilizar o betão desde os climas secos aos húmidos e mesmo debaixo de água.
Excepto as gruas e os guindastes mecânicos, as peles e os instrumentos de talha poucos mais instrumentos eram necessários para trabalhar e moldar o betão. Os romanos utilizavam também o diptra um instrumento para medir as diferenças de altura. Para fazer ângulos rectos, traçar paralelas e calcular intercepções os romanos utilizavam a groma e para medir os níveis de água nos aquedutos utilizavam as chorobates.

Todos os caminhos vão dar a Roma
A conhecida expressão “ todos os caminhos vão dar a Roma deverá como é óbvio ser tomada ao inverso. Os romanos construíram a sua enorme rede de estradas a partir do centro da cidade de Roma. Os marcos de distância ao longo das estradas eram calculados a partir do marco de ouro do Fórum romano ( miliarium aureum); uma milha romana correspondia a mil passos. Entre as primeira vias a ser construídas estão as famosas via Appia, a via Salaria e a via Latina.
Os romanos construíram a sua rede de estradas inicialmente por razões militares e só depois por razões comerciais. O objectivo principal era o de defender os interesses de Roma através da facilidade de deslocamento das suas legiões.
As estradas estenderam-se na Península Itálica de norte a sul e de este a oeste; depois a rede de estradas estendeu-se naturalmente ás províncias exteriores nomadamente à Gália e à Macedónia.
Alguma exemplos das primeiras estradas principais da Republica romana:
- Via Appia ( 312 aC), de Roma a Brundisium ( Brindisi) via Capua.
- Via Aurelia ( 241 aC), de Roma a Pisa ao longo da costa.
- Via Flaminia ( 220 aC), de Roma a Ariminum (Rimini).
- Via Aemillia ( 187 aC), de Roma a Plaisance via Bolonha.
- Via Cassia( 171 aC), de Roma a Arezzo, Florença e Pisa .
- Via Egnatia ( 146 aC), de Dyrrachium ( Albânia) a Kipsela ( Turquia) ao longo de mais de 800km no Norte da Grécia.

A construção de estradas
Quando um traçado de uma estrada era proposto, o chamado censor estimava o custo e era publicado um concurso publico (publicani) destinado a empresas privadas. O traçado era definido rigorosamente. As estradas eram quase todas em linha recta sem necessidade de curvas suaves já que todos os veículos se deslocavam lentamente. Assim era seguida a topografia natural.
Depois de definido o traçado era feito um emparedamento base de 5 metros de largura e 1 de profundidade assim como fossas de drenagem de um lado ao outro da via. Esta base era essencial para que a estrada pudesse suportar a passagens das legiões e dos seus grandes carros ( cada um com mais de 35 toneladas).
Muitas estradas eram cobertas de gravilha e só eram pavimentadas na proximidade das cidades; próximo das zonas mineiras os romanos utilizavam os resíduos mineiros. Em África as estradas em terra batida eram tão duras que não necessitavam de revestimento em pedra.
O empedrado era feito minuciosamente por pedras talhadas para esse fim e coberto de gravilha para cobrir as juntas.
As principais vias romanas eram apelidadas de viae publicae e eram financiadas por fundos públicos. As vias militares eram financiadas por fundo militares. Havia também as vias secundarias ( actus) e as vias privadas ( viae privatae) que serviam para interligar as vias publicas.

Em terreno montanhoso
As vias romanas seguiam geralmente os contornos da paisagem pois as escavações em grande escala não eram praticáveis. Mas, em certos casos difíceis, era melhor atravessar a montanha em vez de contorná-la. Os romanos eram especialistas em matéria de túneis e pontes e mais tarde começaram também a fazer entalhes nas colinas para que as estradas se mantivessem perpendiculares ao longo das curvas e declives.
A durabilidade e consistência das construções romanas é testemunhada pela utilização ainda hoje de muitas pontes, muitas delas de grande dimensão como é o caso da extraordinária ponte de Alcântara em Espanha obra-prima do arquitecto Caius Julius Lacer. Este deixou gravado no seu tumulo, debaixo da ponte: “ construí uma ponte que atravessará os séculos”.
A sua técnica na construção de pilares e arcos era extraordinária e as suas pontes sulcavam vales e rios facilmente. A técnica de construção dos pilares era sofisticada: usavam já processos de construção de diques e posterior drenagem para construção a seco dos robustos pilares sob enormes fundações.
Em zonas de pântanos as estradas eram construídas fundações e placas que permitiam de ultrapassar esses difíceis obstáculos. Se o obstaculo era intransponível eram criados serviços de barcas ou balsas para ligar as duas pontas da estrada.

Engarrafamentos e viagens
As vias romanas já possuíam terríveis problemas de tráfego sobretudo próximo das grandes cidades. Julio César decretou que os transportes de mercadorias só podiam circular à noite mas o barulho nocturno das carroças era bem pior que os engarrafamentos diurnos.
Dentro das cidades as estradas eram ladeadas por passeios sobreelevados para os peões. Foram construídas também passagens superiores nos sítios mais movimentados. À entrada das cidades havia ao longo da estrada, casas de banho, termas e hospedarias.
Nos trajectos longos, os viajantes ricos descansavam e passavam a noite nas suas ou nas villas dos amigos; os funcionários que tinham uma autorização de viagem ( diploma) usavam os diversos edifícios públicos ( villulae) e trocavam de cavalos em entrepostos postais ( cursus publici). Os outros viajantes tinham de contar com os albergues existentes ( mansiones) e as tabernas ( tavernae). Os albergues eram mantidos pelos impostos locais e além de cama forneciam o couvert . Ao redor desses estabelecimentos pululavam oficinas de reparação, lojas e ateliers de pequenos serviços de apoio aos viajantes.
O poeta Horácio conta-nos na sua Sátira I,5 uma viagem com os seus amigos Mecenas e Virgílio ao longo da via Appia. Esta obra deixou-nos inúmero detalhes, etapas e peripécias de uma viagem nessa época. Esta viagem teve como objectivo tentar conciliar as relações entre Marco António e Octávio durante os momentos difíceis do segundo triunvirato

A gestão da água
Os romanos aprenderam desde muito cedo a transportar a água sobretudo para se livrarem dela em terrenos cultiváveis ao redor das cidades. Rápidamente perceberam que necessitavam da água para beberem e se lavarem e reverteram o processo abastecendo as cidades. Foi Appius Claudius o cego, que propôs o primeiro aqueduto, acqua Appia em 312 aC. e que tinha mais de 16 km. O segundo, anio Vetus de 272 aC. tinha mais de 80 km. Em 50 anos, os romanos construiram em média um aqueduto por ano.
O principio construtivo do aqueduto era relativamente simples: uma vez descoberta a fonte de água construía-se uma pequena bacia ( piscinae) de maneira a que a água sob a força da gravidade corresse até à cidade através de uma grande canalização que se desmultiplicava em pequenas redes secundárias (rami).
Foram construídos centenas de aquedutos, muitos dos quais ainda em uso hoje, tais como o do Vaticano e o de Segóvia.

Guardar a água na cidade

Quando uma fonte de água era descoberta os medidores calculavam a diferença de altura entre a origem o destino do aqueduto dentro da cidade. Um traçado era então calculado para que a água deslizasse suavemente e ininterruptamente. Se bem que os aquedutos são apreciados pelos seus belos arcos, a maior parte deles era subterrâneo para que a água não se evaporasse e se mantivesse fresca. Além disso este facto protegia os cursos de água de potenciais tentativas de envenenamento por parte dos inimigos.
Poços de equilíbrio e gestão eram construídos ao longo do itinerário o que permitia o acesso ao aqueduto para controlo e obras de reparação. Quando Roma já não temia os seus inimigos os poços foram numerados e identificados para melhor gestão e manutenção. A conduta de água ( rivus ou specus) era fechada e em pedra e normalmente era suficientemente larga para permitir a um homem andar facilmente dentro delas e assim permitir as inspecções e limpezas necessárias.
No centro das cidades eram construídos depósitos ( castellum) e pequenas canalizações de distribuição ( fistulae) até aos cidadãos que possuíssem contrato de fornecimento.
A utilização indevida da água publica era severamente punida. Já eram utilizadas bombas de elevação de água e válvulas de segurança e já existia toda um industria de fornecimento de serviços e materiais de canalização.
As cidade romanas utilizavam uma quantidade enorme de água corrente. Como não havia torneiras a água corria sempre a um débito constante.
O engenheiro romano Vitruvio ( 90-20 aC) expôs o sistema de distribuição de água em três reservatórios no seu tratado de arquitectura ( De architectura): o primeiro abastecia as fontes publicas em água potável, o segundo abastecia as termas que contribuíam para a higiene publica e as receitas do Estado, o terceiro, que só funcionava com o excedente dos outros, servia para abastecer as habitações particulares.
Este facto testemunha o valor que os romanos davam ao dever cívico, facto que garantia aos políticos um permanente apoio popular.
A abundância de água permitia às boas famílias possuir água corrente em casa, termas privadas e casas de banho.
O sistema de descargas de água das termas permitia limpar o sistema de esgotos ( cloaca máxima) e assim contribuir para a higiene publica.

Os teatros e anfiteatros
Uma das obras que nos vem ao espírito primeiramente quando pensamos no mundo romano é o Coliseu de Roma, construído entre 69-81 pelo imperador Titus.
A maior parte dos teatros e anfiteatros construídos pelos romanos foram-no durante o Imperium. Durante a Republica os senadores tinham medo que, ao construir lugares permanentes de reunião se pudesse estar contribuir para a discussão politica sem controlo entre as massas populares.
Convém fazer a distinção entre teatro e anfiteatro. Os dois foram construídos para substituir os locais temporários de representação. As cidades da Grécia já possuíam estes locais e foi nessas tradição helenística que os romanos se inspiraram.
Se a forma fosse semicircular chamava-se theatron que circundava uma orquestra e um muro de cena ( skené) para proteger os actores nas suas mudanças de indumentárias.
O anfiteatro era diferente e surgiu na evolução natural da arena sendo o palco central completamente rodeado de bancadas para os espectadores. A própria palavra é definidora do conceito: anfi /dois/ teatros. Os romanos utilizavam-nos para os espectáculos das execuções, de caça e de gladiadores.
O primeiro anfiteatro publico foi construído em Pompeia, na colónia de veteranos de Sylla em 80 aC.

O urbanismo
A planificação urbana não nasceu com os romanos. Exemplos de rigor urbanístico são- nos dados sistematicamente em todas as civilizações mediterrânicas tais como a egípcia, a micénica e a grega. Ela acabou por ser sistematizada pelo arquitecto grego Hippodamos de Mileto que propôs um plano urbano em quadrado em redor de uma praça de mercado central. Verdadeiro teórico da habitat urbano Hippodamos criou as bases do planeamento urbano.
Assim que fundavam as novas colónias, os romanos baseavam o seu planeamento urbano no modelo do campo militar, ou castrum. Os muros da cidade eram construídos e edificados em quadrado. Duas ruas principais ( viae principae) dividiam o quadrado em eixos norte-sul (cardo) e este-oeste (decamanus). No interior dos eixos formavam-se blocos de habitação ( insulae). No canto de cada ínsula, uma fonte publica fornecia água do aqueduto. Cada quarto da cidade tinha a sua função especifica e os bairros mais pobres por vezes eram dissimulados para não serem vistos pelos cidadão mais ricos.
Em Roma, o plano inicial da cidade já tinha sido definido pelos reis etruscos . O urbanismo romano aqui, consistiu em ir construindo edifícios públicos de acordo com as necessidades. Os diversos Fóruns eram espaços ao redor dos quais eram construídos os edifícios públicos.
À medida que os romanos “romanizavam” as cidades estrangeiras, construíam fóruns e outro tipo de construções que incarnavam a identidade romana. Em termos de codificação da construção, da renovação, da regulamentação e da regulação da circulação urbana e viária, a planificação urbana começará apenas no fim da Republica e sobretudo na época do Imperium. Este tipo de planificação urbana só era possível com uma autoridade forte, facto que não foi possível durante o período da Republica.


Construir para a vitória
Os romanos eram reputados engenheiros e tinham um Know-how extraordinário também no domínio da construção militar. As legiões romanas tinham os seus próprios engenheiros, construtores e pedreiros. Os seus campos, os seus trabalhos de terraplanagem, os seus materiais de cerco e as sua catapultas eram lendários. Outro factor importantíssimo era a capacidade das legiões em construir sob condições muito difíceis e em prazos muito curtos.
Os campos militares eram construídos para proteger os soldados e servir de base de defesa mesmo durante o movimento de tropas. Possuíam uma forma standard de maneira a que todos se pudessem referenciar sem dificuldade. Os soldados estavam estacionados em função da sua hierarquia, divididos pela via principalis. Todos os campos tinham, a forma de um quadrado circundado por um fosso de protecção ( fossa). Os maiores eram dotados de torres de vigia. Entre as tropas e os muros existia um espaço de sessenta metros chamado intervallum. Ao centro localizava-se a tenda do general, o praetorium, flanqueados pelas tendas dos centuriões e do espaço para o Fórum. Assim que os acampamentos se tornavam permanentes passavam a existir celeiros para os abastecimentos, hospitais e oficinas de reparação. Muitos campos militares das províncias transformaram-se em cidades à medida que os colonos se estabeleceram ao redor dos acampamentos.
O campo romano ( castrum) deixou marcas na toponímia de toda a Europa, como nas localidades com o nome Castro em Portugal ( ex: Castro-Marim), com o nome Châtres em França e com a terminação –caster em Inglaterra.

Material de guerra
Quando atacavam uma cidade, os romanos cercavam a cidade e construíam uma fossa para impedir os abastecimentos e a fuga dos inimigos. Este perímetro de cerco podia ter vários quilómetros. Logo após tentavam destruir as muralhas do inimigo: os sapadores entravam então em acção protegidos por protecções em madeira (testudo). As catapultas eram peças de artilharia tão imponentes como eficazes; haviam de dois tipos: a ballista que atirava flechas em fogo, e a onagre que atirava pedras. César mandou também construir muralhas em madeira portáteis mais altas que qualquer existente até aí de maneira a permitir que os legionários pudessem atirar e entrar sobre as muralhas da cidade sitiada.
Com esta sofisticação e material militar os romanos conseguiam quase sempre conquistar as cidades que pretendiam.


Referências Bibliográficas :
1 GRIMAL, PIERRE (1999) : « O Império Romano ». Lisboa, Edições 70