segunda-feira, 12 de janeiro de 2009

O génio civil romano

« Estes trabalhos gigantescos provocaram a admiração do historiador Dionísio de Halicarnasso, que por volta do ano 7 aC., considera que as mais prestigiadas realizações materiais de Roma eram os aquedutos, as estradas empedradas e os esgotos (III, 67), e acrescenta que a sua admiração vai não só para a utilidade destas obras como, ainda mais, para o preço que custaram. Observação reveladora que mostra bem o contributo de Roma para a vida colectiva. As cidades helenísticas tinham de facto, as maiores dificuldades em estabelecer orçamentos para obras de vulto, mais por má gestão dos recursos do que por falta deles. Roma, pelo contrário, possui uma administração financeira submetida a controlos exactos. O rigor orçamental é um dos benefícios do Império, pelo menos no inicio (…) » 1



Nesta dissertação irão ser abordados alguns dos grandes momentos do génio civil romano. Os romanos eram engenheiros especializados e construtores de espírito prático, como se pode verificar um pouco por todo o lado, na obra que eles nos deixaram. Construíram cidades, prédios, estradas, aquedutos, túneis e pontes que ainda hoje são utilizados. No objectivo de conquista de novas terras, os romanos construíram também construções precárias como campos militares, campos de cerco e maquinaria militar.
Os engenheiros romanos já adoptavam quatro etapas para edificar as suas construções duráveis: calculo, preparação do terreno, construção de fundações estáveis e por fim construção em definitivo.
Uma outra característica dos construtores romanos era a sua capacidade de resolução de problemas práticos e a sua determinação pragmática para fazer as coisas da melhor maneira. Não eram, ao contrário do que se pode pensar, adeptos do experimentalismo nem das construções de luxo. Uma grande parte do seu sucesso é devido a uma sistematização e utilização constante e rigorosa das técnicas construtivas que dominavam já desde o sec. VI aC. As soluções funcionais eram adoptadas e usadas de uma maneira quase dogmática.


O Império construía alicerces em cimento
Os romanos começaram a trabalhar o betão cerca de 300 aC. Utilizavam-no como base construtiva das suas construções e a su técnica denominava-se Opus cementicium. Estavam constante mente a melhorar a qualidade do cimento: primeiramente descobriram que, juntando à mistura a areia vulcânica do Vesúvio, o betão ficava tão duro que aguentava todo o tipo de esforço e condições, inclusive a submersão. Actualmente o betão é feito com mistura de cilicia para obter o mesmo resultado. A técnica de afinação do betão foi evoluindo nomeadamente nas técnicas de preparação ( mistura com gordura animal) de maneira a modificar as propriedades de colagem e de humidificação. Assim podiam utilizar o betão desde os climas secos aos húmidos e mesmo debaixo de água.
Excepto as gruas e os guindastes mecânicos, as peles e os instrumentos de talha poucos mais instrumentos eram necessários para trabalhar e moldar o betão. Os romanos utilizavam também o diptra um instrumento para medir as diferenças de altura. Para fazer ângulos rectos, traçar paralelas e calcular intercepções os romanos utilizavam a groma e para medir os níveis de água nos aquedutos utilizavam as chorobates.

Todos os caminhos vão dar a Roma
A conhecida expressão “ todos os caminhos vão dar a Roma deverá como é óbvio ser tomada ao inverso. Os romanos construíram a sua enorme rede de estradas a partir do centro da cidade de Roma. Os marcos de distância ao longo das estradas eram calculados a partir do marco de ouro do Fórum romano ( miliarium aureum); uma milha romana correspondia a mil passos. Entre as primeira vias a ser construídas estão as famosas via Appia, a via Salaria e a via Latina.
Os romanos construíram a sua rede de estradas inicialmente por razões militares e só depois por razões comerciais. O objectivo principal era o de defender os interesses de Roma através da facilidade de deslocamento das suas legiões.
As estradas estenderam-se na Península Itálica de norte a sul e de este a oeste; depois a rede de estradas estendeu-se naturalmente ás províncias exteriores nomadamente à Gália e à Macedónia.
Alguma exemplos das primeiras estradas principais da Republica romana:
- Via Appia ( 312 aC), de Roma a Brundisium ( Brindisi) via Capua.
- Via Aurelia ( 241 aC), de Roma a Pisa ao longo da costa.
- Via Flaminia ( 220 aC), de Roma a Ariminum (Rimini).
- Via Aemillia ( 187 aC), de Roma a Plaisance via Bolonha.
- Via Cassia( 171 aC), de Roma a Arezzo, Florença e Pisa .
- Via Egnatia ( 146 aC), de Dyrrachium ( Albânia) a Kipsela ( Turquia) ao longo de mais de 800km no Norte da Grécia.

A construção de estradas
Quando um traçado de uma estrada era proposto, o chamado censor estimava o custo e era publicado um concurso publico (publicani) destinado a empresas privadas. O traçado era definido rigorosamente. As estradas eram quase todas em linha recta sem necessidade de curvas suaves já que todos os veículos se deslocavam lentamente. Assim era seguida a topografia natural.
Depois de definido o traçado era feito um emparedamento base de 5 metros de largura e 1 de profundidade assim como fossas de drenagem de um lado ao outro da via. Esta base era essencial para que a estrada pudesse suportar a passagens das legiões e dos seus grandes carros ( cada um com mais de 35 toneladas).
Muitas estradas eram cobertas de gravilha e só eram pavimentadas na proximidade das cidades; próximo das zonas mineiras os romanos utilizavam os resíduos mineiros. Em África as estradas em terra batida eram tão duras que não necessitavam de revestimento em pedra.
O empedrado era feito minuciosamente por pedras talhadas para esse fim e coberto de gravilha para cobrir as juntas.
As principais vias romanas eram apelidadas de viae publicae e eram financiadas por fundos públicos. As vias militares eram financiadas por fundo militares. Havia também as vias secundarias ( actus) e as vias privadas ( viae privatae) que serviam para interligar as vias publicas.

Em terreno montanhoso
As vias romanas seguiam geralmente os contornos da paisagem pois as escavações em grande escala não eram praticáveis. Mas, em certos casos difíceis, era melhor atravessar a montanha em vez de contorná-la. Os romanos eram especialistas em matéria de túneis e pontes e mais tarde começaram também a fazer entalhes nas colinas para que as estradas se mantivessem perpendiculares ao longo das curvas e declives.
A durabilidade e consistência das construções romanas é testemunhada pela utilização ainda hoje de muitas pontes, muitas delas de grande dimensão como é o caso da extraordinária ponte de Alcântara em Espanha obra-prima do arquitecto Caius Julius Lacer. Este deixou gravado no seu tumulo, debaixo da ponte: “ construí uma ponte que atravessará os séculos”.
A sua técnica na construção de pilares e arcos era extraordinária e as suas pontes sulcavam vales e rios facilmente. A técnica de construção dos pilares era sofisticada: usavam já processos de construção de diques e posterior drenagem para construção a seco dos robustos pilares sob enormes fundações.
Em zonas de pântanos as estradas eram construídas fundações e placas que permitiam de ultrapassar esses difíceis obstáculos. Se o obstaculo era intransponível eram criados serviços de barcas ou balsas para ligar as duas pontas da estrada.

Engarrafamentos e viagens
As vias romanas já possuíam terríveis problemas de tráfego sobretudo próximo das grandes cidades. Julio César decretou que os transportes de mercadorias só podiam circular à noite mas o barulho nocturno das carroças era bem pior que os engarrafamentos diurnos.
Dentro das cidades as estradas eram ladeadas por passeios sobreelevados para os peões. Foram construídas também passagens superiores nos sítios mais movimentados. À entrada das cidades havia ao longo da estrada, casas de banho, termas e hospedarias.
Nos trajectos longos, os viajantes ricos descansavam e passavam a noite nas suas ou nas villas dos amigos; os funcionários que tinham uma autorização de viagem ( diploma) usavam os diversos edifícios públicos ( villulae) e trocavam de cavalos em entrepostos postais ( cursus publici). Os outros viajantes tinham de contar com os albergues existentes ( mansiones) e as tabernas ( tavernae). Os albergues eram mantidos pelos impostos locais e além de cama forneciam o couvert . Ao redor desses estabelecimentos pululavam oficinas de reparação, lojas e ateliers de pequenos serviços de apoio aos viajantes.
O poeta Horácio conta-nos na sua Sátira I,5 uma viagem com os seus amigos Mecenas e Virgílio ao longo da via Appia. Esta obra deixou-nos inúmero detalhes, etapas e peripécias de uma viagem nessa época. Esta viagem teve como objectivo tentar conciliar as relações entre Marco António e Octávio durante os momentos difíceis do segundo triunvirato

A gestão da água
Os romanos aprenderam desde muito cedo a transportar a água sobretudo para se livrarem dela em terrenos cultiváveis ao redor das cidades. Rápidamente perceberam que necessitavam da água para beberem e se lavarem e reverteram o processo abastecendo as cidades. Foi Appius Claudius o cego, que propôs o primeiro aqueduto, acqua Appia em 312 aC. e que tinha mais de 16 km. O segundo, anio Vetus de 272 aC. tinha mais de 80 km. Em 50 anos, os romanos construiram em média um aqueduto por ano.
O principio construtivo do aqueduto era relativamente simples: uma vez descoberta a fonte de água construía-se uma pequena bacia ( piscinae) de maneira a que a água sob a força da gravidade corresse até à cidade através de uma grande canalização que se desmultiplicava em pequenas redes secundárias (rami).
Foram construídos centenas de aquedutos, muitos dos quais ainda em uso hoje, tais como o do Vaticano e o de Segóvia.

Guardar a água na cidade

Quando uma fonte de água era descoberta os medidores calculavam a diferença de altura entre a origem o destino do aqueduto dentro da cidade. Um traçado era então calculado para que a água deslizasse suavemente e ininterruptamente. Se bem que os aquedutos são apreciados pelos seus belos arcos, a maior parte deles era subterrâneo para que a água não se evaporasse e se mantivesse fresca. Além disso este facto protegia os cursos de água de potenciais tentativas de envenenamento por parte dos inimigos.
Poços de equilíbrio e gestão eram construídos ao longo do itinerário o que permitia o acesso ao aqueduto para controlo e obras de reparação. Quando Roma já não temia os seus inimigos os poços foram numerados e identificados para melhor gestão e manutenção. A conduta de água ( rivus ou specus) era fechada e em pedra e normalmente era suficientemente larga para permitir a um homem andar facilmente dentro delas e assim permitir as inspecções e limpezas necessárias.
No centro das cidades eram construídos depósitos ( castellum) e pequenas canalizações de distribuição ( fistulae) até aos cidadãos que possuíssem contrato de fornecimento.
A utilização indevida da água publica era severamente punida. Já eram utilizadas bombas de elevação de água e válvulas de segurança e já existia toda um industria de fornecimento de serviços e materiais de canalização.
As cidade romanas utilizavam uma quantidade enorme de água corrente. Como não havia torneiras a água corria sempre a um débito constante.
O engenheiro romano Vitruvio ( 90-20 aC) expôs o sistema de distribuição de água em três reservatórios no seu tratado de arquitectura ( De architectura): o primeiro abastecia as fontes publicas em água potável, o segundo abastecia as termas que contribuíam para a higiene publica e as receitas do Estado, o terceiro, que só funcionava com o excedente dos outros, servia para abastecer as habitações particulares.
Este facto testemunha o valor que os romanos davam ao dever cívico, facto que garantia aos políticos um permanente apoio popular.
A abundância de água permitia às boas famílias possuir água corrente em casa, termas privadas e casas de banho.
O sistema de descargas de água das termas permitia limpar o sistema de esgotos ( cloaca máxima) e assim contribuir para a higiene publica.

Os teatros e anfiteatros
Uma das obras que nos vem ao espírito primeiramente quando pensamos no mundo romano é o Coliseu de Roma, construído entre 69-81 pelo imperador Titus.
A maior parte dos teatros e anfiteatros construídos pelos romanos foram-no durante o Imperium. Durante a Republica os senadores tinham medo que, ao construir lugares permanentes de reunião se pudesse estar contribuir para a discussão politica sem controlo entre as massas populares.
Convém fazer a distinção entre teatro e anfiteatro. Os dois foram construídos para substituir os locais temporários de representação. As cidades da Grécia já possuíam estes locais e foi nessas tradição helenística que os romanos se inspiraram.
Se a forma fosse semicircular chamava-se theatron que circundava uma orquestra e um muro de cena ( skené) para proteger os actores nas suas mudanças de indumentárias.
O anfiteatro era diferente e surgiu na evolução natural da arena sendo o palco central completamente rodeado de bancadas para os espectadores. A própria palavra é definidora do conceito: anfi /dois/ teatros. Os romanos utilizavam-nos para os espectáculos das execuções, de caça e de gladiadores.
O primeiro anfiteatro publico foi construído em Pompeia, na colónia de veteranos de Sylla em 80 aC.

O urbanismo
A planificação urbana não nasceu com os romanos. Exemplos de rigor urbanístico são- nos dados sistematicamente em todas as civilizações mediterrânicas tais como a egípcia, a micénica e a grega. Ela acabou por ser sistematizada pelo arquitecto grego Hippodamos de Mileto que propôs um plano urbano em quadrado em redor de uma praça de mercado central. Verdadeiro teórico da habitat urbano Hippodamos criou as bases do planeamento urbano.
Assim que fundavam as novas colónias, os romanos baseavam o seu planeamento urbano no modelo do campo militar, ou castrum. Os muros da cidade eram construídos e edificados em quadrado. Duas ruas principais ( viae principae) dividiam o quadrado em eixos norte-sul (cardo) e este-oeste (decamanus). No interior dos eixos formavam-se blocos de habitação ( insulae). No canto de cada ínsula, uma fonte publica fornecia água do aqueduto. Cada quarto da cidade tinha a sua função especifica e os bairros mais pobres por vezes eram dissimulados para não serem vistos pelos cidadão mais ricos.
Em Roma, o plano inicial da cidade já tinha sido definido pelos reis etruscos . O urbanismo romano aqui, consistiu em ir construindo edifícios públicos de acordo com as necessidades. Os diversos Fóruns eram espaços ao redor dos quais eram construídos os edifícios públicos.
À medida que os romanos “romanizavam” as cidades estrangeiras, construíam fóruns e outro tipo de construções que incarnavam a identidade romana. Em termos de codificação da construção, da renovação, da regulamentação e da regulação da circulação urbana e viária, a planificação urbana começará apenas no fim da Republica e sobretudo na época do Imperium. Este tipo de planificação urbana só era possível com uma autoridade forte, facto que não foi possível durante o período da Republica.


Construir para a vitória
Os romanos eram reputados engenheiros e tinham um Know-how extraordinário também no domínio da construção militar. As legiões romanas tinham os seus próprios engenheiros, construtores e pedreiros. Os seus campos, os seus trabalhos de terraplanagem, os seus materiais de cerco e as sua catapultas eram lendários. Outro factor importantíssimo era a capacidade das legiões em construir sob condições muito difíceis e em prazos muito curtos.
Os campos militares eram construídos para proteger os soldados e servir de base de defesa mesmo durante o movimento de tropas. Possuíam uma forma standard de maneira a que todos se pudessem referenciar sem dificuldade. Os soldados estavam estacionados em função da sua hierarquia, divididos pela via principalis. Todos os campos tinham, a forma de um quadrado circundado por um fosso de protecção ( fossa). Os maiores eram dotados de torres de vigia. Entre as tropas e os muros existia um espaço de sessenta metros chamado intervallum. Ao centro localizava-se a tenda do general, o praetorium, flanqueados pelas tendas dos centuriões e do espaço para o Fórum. Assim que os acampamentos se tornavam permanentes passavam a existir celeiros para os abastecimentos, hospitais e oficinas de reparação. Muitos campos militares das províncias transformaram-se em cidades à medida que os colonos se estabeleceram ao redor dos acampamentos.
O campo romano ( castrum) deixou marcas na toponímia de toda a Europa, como nas localidades com o nome Castro em Portugal ( ex: Castro-Marim), com o nome Châtres em França e com a terminação –caster em Inglaterra.

Material de guerra
Quando atacavam uma cidade, os romanos cercavam a cidade e construíam uma fossa para impedir os abastecimentos e a fuga dos inimigos. Este perímetro de cerco podia ter vários quilómetros. Logo após tentavam destruir as muralhas do inimigo: os sapadores entravam então em acção protegidos por protecções em madeira (testudo). As catapultas eram peças de artilharia tão imponentes como eficazes; haviam de dois tipos: a ballista que atirava flechas em fogo, e a onagre que atirava pedras. César mandou também construir muralhas em madeira portáteis mais altas que qualquer existente até aí de maneira a permitir que os legionários pudessem atirar e entrar sobre as muralhas da cidade sitiada.
Com esta sofisticação e material militar os romanos conseguiam quase sempre conquistar as cidades que pretendiam.


Referências Bibliográficas :
1 GRIMAL, PIERRE (1999) : « O Império Romano ». Lisboa, Edições 70

1 comentário:

Francesco Pavan disse...

Eu Vejo tudo o que você escreveu, imagine o trabalho e tempo que devia dar naquela época, ainda mais com a tecnologia, para construir estas civilizações, cidades e monumentos, tudo com a maior minuciosidade e capricho dos romanos.Não conseguiram até hoje, na minha opinião, mesmo, com os recursos e tecnologia, copiar corretamente as obras por eles feitas.Mas, o que me dá ódio é imaginar como,civilizações nômades inúteis, sem ao menos atribuir algo à humanidade, possam destruir e deixar em ruínas, nem mesmo percebendo o mal que estavam fazendo, tudo isso.Quanta ignorância...Pessoas assim não mereciam nem nascer.