domingo, 11 de janeiro de 2009

Monty Python and the Holy Grail


“Criticism of any comedy as apparently random as Monty Python troupe`s always runs the risk of being caught up in the very absurdity it analyzes. Professorial seriousness and pompousness were always among the troupe´s favorite targets, and when writing about their comedy it is hard to avoid sounding exactly like one of the hapless academics they so love to skewer ” 1


A essência da sátira dos Monty Python numa perspectiva cavaleiresca

1. Introdução

Ao iniciar a preparação deste trabalho sobre o filme“Monty Python and the Holy
Grail”2 deparei-me com a mesma dificuldade que qualquer analista ou crítico poderá ter perante as obras de Monty Python: nesta, o humor e a sátira são utilizados como armas certeiras perante conceitos, estigmas, arquétipos e estereótipos de uma sociedade que vive da idolatração conceptual de determinado tipo de valores.
Monty Python´s Flying Circus revolucionou quer o teatro (pois foram primeiro uma trupe de teatro) quer a sátira e a performance humorística do século XX, principalmente após a sua famosa série televisiva para a BBC nos anos setenta e que os deu a conhecer a todo o mundo.
Monty Python´s Flying Circus conseguiram através das suas performances incorporar a maior parte dos aspectos e características do teatro moderno como sejam o realismo, surrealismo, futurismo e sobretudo a assumpção da verdadeira essência do Teatro de Absurdo, sendo que os Monty Python são em larga medida os herdeiros de Beckett e Ionesco. Em qualquer sketch dos Monty Python o absurdo surge-nos em flashs precisos e incisivos.
A loucura metódica dos Monty Python baseia-se na performance individual e teatral de seis homens: Graham Chapman, Eric Idel, Michael Palin, Terry Jones, John Cleese e Terry Gilliam.
Mas foi só após o verdadeiro fenómeno global televisivo que foi Monty Python´s Flying Circus que a arte dos Monty Python (MP) passou a ser verdadeiramente conhecida e analisada.
Também é necessário referir que a sua arte e o seu humor cortante não são acessíveis a todos os públicos, sendo que uma das características dos MP é a sua essência e consistência narrativa e de conteúdo o que exige muito mais do receptor.
Os seus motivos principais (alvos ou objectivos) giram à volta da satirização da sociedade, do governo e da política e sobretudo da vida do dia a dia. John Cleese, um dos ideólogos dos MP, afirmou: “ uma coisa que conseguimos foi colocar no écran alguns arquétipos que as pessoas reconheceram independentemente da sua cultura ou geração”.
Ficaram para a história o famoso e non-sense “ The Silly Walk” como símbolo inteligente e sofisticado de um absurdo total num resultado de harmonia estética e carácter incisivo.
As performances e os sketches dos MP nunca deixaram de ser teatrais apesar de terem sido concebidos para televisão ou cinema. A sua influência no teatro e humor moderno é considerada ao mesmo tempo canónica, anárquica e de avant-garde e MP passou a ser sinónimo de humor satírico e de comédia ingénua.
Os Monty Python também fizeram três filmes: “The Life of Brian”, “The Meaning of Life” e “Monty Python and the Holy Grail”. É este último que vamos analisar com mais detalhe.


Bom Filme!


2. Paródia medieval ou surrealismo?
A paródia é a arte de imitar a literatura como forma artística. “Monty Python and the Holy Grail” é uma das grandes paródias populares de todos os tempos adaptadas à sétima arte.
Este filme é definitivamente, o filme mais sofisticado dos Monty Python pois consegue reinventar conceitos académicos e de análise critica, o que coincide com a nova abertura dos historiadores e críticos de arte perante a Idade Média. Esta nova maneira de olhar a Idade Média é por si só, também resultado e consequência de novas perspectivas de análise como a que os Monty Python fizeram.
Grande parte do filme é feito parodiando os clichés de cavalaria que são familiares ao espectador comum. Já o estudante universitário e entusiasta pelas questões da Lenda Arturiana referencia o filme, como uma lista de convenções de Cavalaria e do Amor Cortês sucessivamente parodiadas.
O mundo de “Monty Python and the Holy Grail” é vagamente medieval pois não faltam cavaleiros, reis, batalhas e muita lama, mas também surreal pois aparecem também polícias do século XX.
A paródia ao Rei Artur e aos cavaleiros da Távola Redonda é quase perfeita, pois alia a um sentido estético sarcástico e incisivo a um perfeito conhecimento da essência literária dos romances de cavalaria e do amor cortês.

3. A ausência de cavalos num filme de cavalaria
O primeiro grande espanto que temos ao iniciar o visionamento do filme é a cena inicial em que o Rei Artur no meio de um típico nevoeiro britânico, parece cavalgar um cavalo. Quando a imagem se aproxima temos consciência que Artur apenas saltita enquanto anda e que atrás, o seu escudeiro faz o barulho do cavalo com duas cascas de coco. Esta cena hilariante no início transforma-se num standard do filme e pouco depois deixamos de prestar atenção ao ridículo e acabamos por aceitar que eles estão mesmo cavalgar.
Logo após esta cena inicial, o Rei Artur aproxima-se de um castelo e pergunta ao vigia se quer juntar-se aos cavaleiros da Távola Redonda; depois, inicia um diálogo surrealista com o mesmo vigia (francês) em que se discute como as andorinhas do mar poderão ter conseguido trazer os cocos para as ilhas britânicas já que o coco é um fruto tropical.
Esta cena, como muitas outras, apenas nos serve para lembrar o quanto estúpida a vida real pode ser, quando o ridículo se transforma em norma. Este facto é ainda mais evidenciado pela nossa recusa em admitir o ridículo e o absurdo das nossas vidas rotineiras do dia-a-dia.
O exagero é outra das características potencializadoras do humor dos Monty Python. Na cena seguinte, muito realista, um homem com uma carroça cheia de corpos grita “ Bring out your dead” numa imagem perfeita aos tempos da peste na Europa; todos estão mortos ou a morrer excepto os colectores de corpos.

4. Subtileza filosófica
A cena seguinte parodia extraordinariamente bem o fenómeno da caça às bruxas. O Rei Artur entra numa pequena vila habitada por idiotas onde está a decorrer um processo de acusação de bruxaria por um cavaleiro, a uma mulher. O humor atinge um sentido quase filosófico quando Artur é questionado pelos idiotas como é que se determina se uma mulher é bruxa ou não.
Por dedução lógica surreal, chegam todos à conclusão de que só comparando o peso de um pato e da mulher se pode dizer se ela é ou não bruxa: se ambos flutuam na água é porque a mulher é bruxa.
A subtileza filosófica vai mais longe ao ser evocado pelo Rei Artur e pelo cavaleiro o conceito de lei e do que ela diz para se fazer. Assim, se a mulher é acusada de ser uma bruxa, a lei é clara e como tal a mulher deve ser mandada ao lago com pesos nos pés e como flutuará de qualquer maneira, ela será sempre condenada.
O ridículo apresenta-se no seu expoente máximo quando Artur convida o cavaleiro a juntar-se à Távola Redonda devido à sua inteligência.
A conclusão subtil desta cena é uma critica ás leis da nossa sociedade que têm uma base moral forte. As bruxas são más e devem ser punidas por essas leis apesar da maioria das pessoas não acreditar em bruxas. O sistema legal e judiciário ficou demasiado complexo principalmente devido ao peso religioso que contamina o poder legislativo. A lei é a lei e o resultado é que os advogados dos poderosos conseguem descobrir falhas no sistema para permitir aos infractores escapar.


5. Incongruência e ironia pragmática
Num momento do filme, os cavaleiros dividem-se para melhor atingirem o objectivo da procura do Graal, depois de Deus, numa versão barata e kitsch de animação, lhes ter aparecido no céu.
Sir Robin é acompanhado por um menestrel e pelos seus escudeiros numa alegre procissão onde se canta a bravura de Robin e onde é enaltecida a sua coragem. Mas quando Sir Robin enfrenta o gigante das três cabeças e ………foge, a musica muda para
“Brave Sir Robin ran away”. Robin diz constantemente até final do filme para eles se calarem. Esta cena repete-se ao longo do filme com outras personagens onde em vez de se ouvir os bravos cavaleiros a gritarem “attack” ouve-se “ run away, run away”.
Uma outra cena simbólica é quando Sir Launcelot (sic) encontra uma nota numa seta que atingiu o seu escudeiro e que ele julga ser de uma donzela em perigo num castelo. Sir Launcelot, que deveria ser um dos heróis da história, carrega contra o castelo onde apenas estão convidados de um casamento desarmados e guardas que não oferecem resistência, Sir Launcelot, depois de chacinar a quase totalidade dos convidados é convidado a beber um copo com o pai do noivo que tinha enviado a seta com a nota.
Este hino à violência gratuita é muito mais do que aparenta ser e numa primeira apreciação indica-nos o que somos ou o que conseguimos fazer quando o medo toma conta de nós. A actualidade desta cena é tanto maior se a analisarmos perante os factos que levaram à invasão e destruição do Iraque à procura de armas de destruição maciça… que afinal não existiam.
Outra paródia à violência e sobretudo às lendas arturianas é feita quando o cavaleiro negro luta com o Rei Artur pelo direito de cruzar a ponte. Depois de cortar os braços do cavaleiro negro este continua a lutar até que lhe são cortadas também as pernas e este continua vigorosamente a tentar lutar e a provocar o Rei Artur.
Outra cena simbólica é quando os cavaleiros entram na gruta de Caerbannog onde supostamente o Graal está escondido e guardado por uma criatura diabólica e selvagem, um……. coelho branco capaz das maiores atrocidades e que mata metade dos cavaleiros numa parodia às lutas contra os dragões e à violência da Idade Média. Só com o recurso à granada sagrada, com instruções do livro sagrado, o terrível monstro foi destruído. Esta cena demonstra o quanto estúpida poderá ser a rigidez religiosa e o quanto a vontade de apenas lutar sem preparação pode levar a situações caricatas determinadas pelo medo e pelo instinto de sobrevivência.
A cena clássica e mais emblemática do filme é aquela da travessia da ponte da morte que atravessa o abismo do perigo eterno. A ponte tem um guardião que protege a ponte e a sua travessia para o outro lado onde está o Graal. Esta cena é uma paródia ao teste que é sujeito Percival (Death of Arthur, Thomas Mallory, c 1410-71) mas em vez de lhe ser perguntado qual é o segredo do Graal é-lhe perguntado qual é a sua cor preferida.
Na essência, a questão é a mesma, e só respondendo a verdade e demonstrando que vale a pena procurar e lutar por ela é que o Graal poderá ser atingido. Todas as pessoas são diferentes e a conclusão simples: teremos de viver sendo verdadeiros para nós mesmos. Não poderemos fingir que o azul é a nossa cor preferida se ela é o verde.
Uma anotação final para o castelo onde poderá estar o Graal, o castelo que aparece e desaparece e que é uma referencia ao castelo do rei-pescador da lenda de Percival de Chrétien de Troyes. Assim quando os guardiões do castelo assumem a propriedade do Graal é óbvio que o defendem contra os heréticos ingleses que negam a Santa Madre Igreja de Roma. Tudo assume um sentido…… completamente genial! 3
O filme não acaba, apenas é interrompido, numa cena em que é representada uma rusga dos policias do século XX e em que o rei Artur…….é preso.

6.Conclusão
Pretendeu este trabalho fazer uma pequena abordagem sobre esta verdadeira obra de referência do humor e da sátira do século XX. É claro para nós, que os Monty Python, não pretenderam fazer nenhuma abordagem ou critica moral sobre os temas medievais de cavalaria e do amor cortês. No entanto, é evidente o entusiasmo real da trupe dos MP por estes assuntos, pois só pessoas que gostem e conheçam efectivamente os temas podem parodiá-los aberta e conscientemente.
Para nós, foi uma oportunidade de analisar e conhecer uma abordagem diferente sobre os temas da cavalaria e do amor cortês.

7. Référencias Bibliográficas

1 HARTY, KEVIN J. (2002): “Cinema Arthuriana”, New York, McFarland

2 PYTHON, MONTHY (1974): “Monty Python and the Holy Grail”, Columbia Pictures

3PYTHON, MONTHY (1987): “Monty Python and the Holy Grail – The Strictly- Unofficial, more than fully annotated script”, Zombie Press

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