sexta-feira, 14 de dezembro de 2007

Mulholland Drive @ Carter Hotel

Mulholland Drive ou transmigração virtual

A bifurcação inicial de Mulholland Drive conduz-nos para os caminhos tortuosos da alma e da mente enquanto paradigma existencial .
A decisão inicial que tomarmos, conduzir-nos-á onde quisermos e dar-nos-á a chave…a azul.
O Universo de David Lynch é irrepreensivelmente onírico e simbólico.
Mulholland Drive conduz-nos por referenciais e marcadores muito complexos.
Boa Viagem


Mulholland Drive
A caixa azul transforma Betty em Diane e Rita em Camilla. A procura de um possível código alimenta legiões de cinéfilos, sempre na esperança de terem encontrado a chave para a compreensão desta obra de arte.
Os “experts distraídos”, neste caso, não se deixaram iludir e inundaram a Net com dezenas de teorias e possibilidades de interpretação.
Diane é ela própria a imensidão de uma procura e de um signo, a chave azul.
Mulholland Drive é um palco de marionetas, manobradas não sabemos por quem e porquê.
A existência de inúmeras “mises en abyme” confunde-nos: ilusão ou realidade, virtual ou real?
As hipóteses mais numerosas caminham por terrenos de loucura e esquizofrenia da personagem Betty\Diane e também por envolvências oníricas e hipóteses místicas, esotéricas ou espíritas
Anjos negros, diabos mendigos, cadáveres e portas de entrada , tudo é simbólico e nos transporta para mundos bem próximos do nosso, talvez o nosso, talvez outra dimensão.
Fantasmas à deriva ou puro xamanismo ?
E porquê não tudo isto numa combinação perfeitamente louca e única?
Não nos fechemos nos preconceitos dos nossos juízos de valores e do nosso sistema de crenças castrante.
David Lynch chama-nos e empurra-nos…para onde?



Mulholland Drive
Que fazer perante as grandes questões? Esquecermos e vivermos como se houvesse resposta? Que fazemos por aqui? Que mistério é este?
Que se passa em Mulholland Drive?
Corpos que mudam de alma e almas que vagueiam entre corpos: a metempsicose. Reencarnações em delírio eterno. Transmigrações em tempo de sonhos num movimento perpétuo: que acontece enquanto sonhamos? Para onde vamos?
A relação Betty\ Diane coloca-nos perante os enigmas de uma reencarnação anunciada de véspera: de adolescente ingénua a amante ardente, a fronteira é ténue, ou não será sempre assim?
A metempsicose é mais do que a recordação de vidas passadas, são cenas recorrentes e são definitivamente os símbolos que encontramos para nos invocar e relembrar, ou mesmo renegar o passado e o presente que nos trespassa.
O autómato escondido dentro de nós; por vezes não temos de viver e experimentar para conhecer, pois possuímos uma reserva de conhecimento e experiência que não nos damos conta e que não temos consciência de possuir.

“Don´t play for real until it gets real”


Mulholland Drive
O que é uma alma perdida? O que é uma alma sem corpo? O que é uma alma à deriva?
Será que ela sabe que não tem corpo?
Não poderá existir uma só alma, um só pulsar e tudo ou todos, sermos um? Um Solaris bem real?
A herança genética poderá ser apenas o registo de reminiscências e de almas passantes, de imagens que já vimos e situações que já vivemos sem as ter vivido.
Un “déjà vu” matrixiano em contornos reais; ou serão virtuais? “C´est la même chose”
Rita e Betty são como espectros e raios de luz que sobrevoam a cidade.
Louise Bonner, a velha louca, espécie de oráculo, a vizinha das afirmações inquietantes.
“Someone is in trouble, something bad is happening”
Ela sabe, ela reconhece as almas perdidas, as almas danadas.
Vidas múltiplas dentro de uma vida ou remakes de um sonho perpetuo.
Sentimo-nos perdidos em Mulholland Drive.




Silêncio
Quem é aquela felliniana de cabelos azuis que destoa no meio de Mulholland Drive?
Mais do que nos convidar a um caminho ela simboliza a bifurcação perpétua da nossa tomada de decisão.
Cada imagem nesta cena é um símbolo que nos remete por caminhos difíceis.
Emblematicamente a mulher de cabelos azuis simboliza a cinefilia, essa doença mortal contemporânea que mata lentamente o cinema.
Mais do que dar-nos pistas a mulher de cabelos azuis é uma “mise en abyme” perfeita e emblemática, uma história dentro da história , espécie de transepto metafórico na catedral mental que é Mulholland Drive.


A mensagem é clara, a cinefilia é uma patologia e mania consumista, uma agorafobia, novofobia, estreiofobia,boulimia DVD, procissão de militantes de fim de semana, cinéfilos de segundas feiras, tontos pseudo intelectuais kingodependentes, todos eles contribuem para destruir a essência da obra de arte, do cinema como a sétima arte. A morte do cinema anunciada por uma voz……”.llorando”



Mulholland Drive
As almas perdidas procuram sempre um corpo, um castelo de refugio com suporte nas imagens que retemos, nas imagens que somos.
O cadáver do numero doze, a morena que se transforma em loura e a loura que se transforma em morena, as duas borboletas por cima da vedação, o sonho de um corpo, a escravidão de um corpo, uma alma imagem e uma alma pele.
A mudança de corpos, a reencarnação simulada, regressiva, tudo isto nos é devolvido por Mulholland Drive.
A recepção múltipla de Mulholland Drive remete-nos para a essência da obra de arte e para a multiplicidade de recepções que esta poderá ter.
A caixa azul revolve a pretexta unicidade mental do argumento. Será que ela existe?
“It´s time to wake up” diz o cowboy, na função de coro grego.

Em OK Corral testemunhamos o cliché da voz de uma consciência inexistente, o Cowboy, ele é a figura incompleta do emissário da uma mentira. Será que só existem almas más? Não seremos nós a criá-las e a educá-las pela acção, pelas decisões, ou será o contrário, num movimento mimético e contagiante, propagador do mal?



Mulholland Drive
A caixa azul tem a chave do enigma simbólico. O controlo não existe, tudo é virtual, tudo é uma ilusão, tudo é uma mentira.
Quando vamos dormir, morremos por uma noite e reencarnamos pela manhã. Não nos lembramos por onde vagueámos e porquê.
Mulholland Drive é mais do que um filme, será que é um filme? É essência de uma realidade que talvez não exista.
As almas e os espíritos rodam em Mulholland Drive, à deriva: almas boas, almas danadas, almas perdidas, espíritos.
Pouco ou nada controlamos. O paradigma virtual está instalado.
Somos um.

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