segunda-feira, 28 de maio de 2007

Albert Camus, a revolta pelo absurdo

«Que voulez-vous, je ne m`intéresse pas aux idées, moi, je m´intéresse aux personnes » Les Justes

Do desporto e do futebol em particular, Albert Camus reteve a lição de que nem sempre tudo corre como esperamos e que a bola nem sempre vai parar onde queremos.

De origens bastante humildes, a sua evolução como ser humano, é também, uma excepção já que perante um meio adverso e hostil, o seu caminho poderia ter sido outro. Da miséria social e intelectual ( un vrai voyou pied noir) que marcou o seu ambiente de infância na Argélia, ao prémio Nobel com apenas 44 anos, o caminho foi sempre pelo lado do inesperado, da surpresa, do fulgor de uma carreira e de uma vida terminada abruptamente de forma absurda por um acidente de viação.

Foi um amante da vida, do sol e da beleza, sem nunca esquecer a sombra e o lado negro da vida.

Sempre mais atento às misérias do mundo, do que aos focos de uma vaidade universitária e intelectual, Camus estava sempre ali, longe e distante, sempre em risco de uma solidão por vezes querida e assumida.

Defensor da verdade enquanto essência da vida, foi por esta característica que chocou com uma certa cegueira de alguns intelectuais seus contemporâneos. O futuro deu-lhe razão e hoje Camus é sem dúvida o autor francês mais lido e conhecido em todo o mundo, nomeadamente através do seu emblemático e enigmático romance "O Estrangeiro".

Apesar de amante da vida, a morte, a dor, a tentação do nada e do absurdo tornaram-se em questões essenciais, que iriam caracterizar todo o seu pensamento.

Como poderemos definir Camus, o seu pensamento e a sua filosofia?

Jean-Paul Sartre, logo após a publicação de " O Estrangeiro" definiu o seu pensamento como moralista e colocou-o a par dos pensadores moralistas do séc. XVII, devido à sua escrita aplicada e ao recurso constante a aforismos.

Será que Albert Camus não seria mais um filósofo do que um escritor?

Negligenciado por Sartre como um aluno mal comportado, o seu pensamento depressa ultrapassou a catalogação primária de existencialista.

Verdadeiro " Filósofo do Absurdo" o seu caminho distancia-se definitivamente dos existencialistas com a publicação do "O Mito de Sísifo", contra os quais o livro foi escrito.Com uma "sensibilidade absurda" ímpar, foi a seguir rotulado de niilista militante.

Albert Camus respondeu com uma teoria da revolta como valor criativo.

Albert Camus, pensar a revolta

Estudo sobre o pensamento e a filosofia de Camus

A revolta do bom senso e da justa medida

Intelectual "engagé" a História acabou por lhe dar razão, quer no seu combate contra todo o tipo de ditaduras quer na sua querela com Sartre.

Colocou sempre o homem à frente de qualquer filosofia, associou o conceito de revolta a uma justa medida e combateu o niilismo básico e castrador do conceito de revolta pura.

" Je ne crois pas assez à la raison pour croire à un système.Ce qui m´intéresse, c´est de savoir comment il faut se conduire quand on ne croit ni en Dieu ni en la raison. » Essais

Homem de bom senso, humanista, céptico e equilibrado, Albert Camus é o "protótipo" do homem moderno , sensível e amante da natureza e do mundo.

Camus desconfiou sempre do radicalismo político e apesar de "engagé" nunca comprometeu uma amizade e o diálogo aos assaltos do ódio ideológico.

Em " O Homem Revoltado" coloca em causa todo o artifício niilista e de como a revolta absoluta poderá ou não ser legítima.

Camus demonstra-nos que o Homem não vive de ódios e de lutas, não morre sempre com as armas na mão. Posição corajosa no contexto panfletário existencialista. Camus orienta para a História os exemplos para o seu pensamento; avança com conceitos inovadores para a época, como a valorização da beleza, da paixão, o amor dos seres e a felicidade.

Ao contrário de Sartre, que fazia do ódio profissão de fé, Camus defendia a amizade como valor quase absoluto e como tal bem a preservar e considerando que deveriam haver limites para as querelas ideológicas.

E foi em resultado da publicação de "O Homem revoltado" que se inicia a querela ideológica que marcaria os anos cinquenta e toda a segunda metade do séc. XX. Sartre inicia um diálogo, belo por vezes, mas que acaba por elevar e justificar todo o pensamento de Camus.

Camus antecipou a critica ideológica e filosófica contra o comunismo e contra a revolução, com uma abordagem totalmente anti- totalitarista; não hesita em pegar em autores como Lautréamont para justificar o seu pensamento.

Muitas das suas ideias são precursoras de um pensamento mais próximo do séc. XXI. Justa medida, equilíbrio, humanidade e bom senso são palavras de um léxico actual e que nos anos cinquenta eram consideradas pelos radicais como virtudes burguesas.

Aliás todos estes conceitos só seriam recuperados por Milan Kundera em plenos anos oitenta quando faz uma análise da revolta de Praga como uma revolta de moderados cépticos post-revolucionários: uma revolta de moderados, verdadeiro pecado capital para os intelectuais radicais.

Muito mais do que uma crítica a regimes ou doutrinas totalitárias todos estes conceitos são a génese de um pensamento e de uma filosofia da modernidade.

A coragem referida anteriormente é de sublinhar já que o contexto dos dois blocos políticos e da guerra fria tornava a esquerda e os seus radicais dominantes no contexto intelectual ocidental.

Mas Camus considerava-se de esquerda, " malgré moi et malgré elle" mas de uma esquerda que hoje poderíamos como humanista e despreconceituada.

Albert Camus foi muito longe em " O Homem Revoltado" na antecipação de um pensamento dessacralizante da política. Vai recuperar o regicídio de Luís XVI como exemplo de um assassínio de um homem bom mas que é assassinado em função do que representa. É a abstracção pura ao serviço do pensamento revolucionário. Considerava Camus que estávamos perante um momento chave da história, em que o sagrado deixava o campo do religioso e invadia o campo político. Recusa assim definitivamente os radicalismos e sai de um certo pensamento maniqueísta deleitante e reinante.

Nascido equidistante "da miséria absoluta e do sol abrasador" foi como que obrigado ao "engagement" na defesa do que nunca teve por direito e por opção. Mas Camus tinha mais: tinha o mundo e a sua gratitude, a afectividade, os sentimentos, a condição humana revisitada em plena renovação. A esperança como futuro, o futuro como esperança.

"La pensée de Midi" é assim a definição ou redefinição de Camus do pensamento clássico greco-mediterranico, nascido do sol e do mar, contraponto a um pensamento do norte da Europa, sombrio e personificador do nada e do mal.

O mundo pensado por Camus é baseado no amor pela vida que nos faça esquecer o desespero da condição humana, o absurdo de viver: a verdadeira tese da felicidade.

" Um homem é sempre presa das suas verdades. » O Mito de Sísifo

Um raciocínio absurdo

Albert Camus sempre teve especial apetência para ser artista em vez de filósofo. A sua capacidade de adaptação da forma ao sujeito foi muito importante na divulgação e no reconhecimento quer da sua obra, quer do seu pensamento.

De 1938 a 1941 Camus escreverá três obras que marcarão todo o seu percurso enquanto pensador: um ensaio, " O mito de Sísifo", um romance " O Estrangeiro" e uma peça de teatro "Calígula". Diversificando as formas, tentava atingir o essencial: o pensamento do absurdo.

" O divórcio entre o Homem e a sua vida, entre o actor e o seu cenário, é que é verdadeiramente o sentimento do absurdo"

O Mito de Sísifo

Muitos criticaram que "O Estrangeiro" foi sempre lido à luz do "O mito de Sísifo". Camus percebeu desde cedo que a melhor maneira de ser filósofo era de escrever romances, espécie de álbum de imagens do pensamento filosófico.

Será que os jurados tinham ou não razão em condenar Mersault à pena capital? Para muitos este é o grande poder de ilusão de "O Estrangeiro" comparável ao génio de Flaubert ao colocar o leitor a favor ou contra Emma Bovary.

" Ce que attire beaucoup de gens vers le roman c´est que apparemment c´est un genre qui n´a pas de style.En fait il exige le style le plus difficile, celui qui se soumet tout entier à l´objet.On peut ainsi imaginer un auteur écrivant chacun de ses romans dans un style différent » Carnets II

No final dos anos quarenta e início dos cinquenta, Camus frequentava com Sartre e Simone os cafés de St.Germain-des-Prés, nomeadamente o "Flore" e o "Deux Magots". Os ignorantes e distraídos confundiam Camus como um simples seguidor de Sartre e do seu movimento existencialista.

Preferia testemunhar e exemplificar a "sensibilidade absurda" em vez de teorizar sobre uma "teoria do absurdo".

As suas ideias políticas são hoje verdades inalienáveis no nosso dia-a-dia. Todos nós concordamos que a servidão não é maneira de levar o Homem a sentir-se feliz.

O acreditar no devir de um mundo melhor sempre foi condenado pela esquerda dogmática.

Camus tanto criticava os métodos do General Franco em Espanha, como a ditadura Estalinista. Esta parece-nos hoje, uma atitude óbvia, mas tomar uma posição destas naquela época era demonstrador não só de coragem como de um carácter forte. Denunciou sempre a sombra e o mal, em contraponto ao bem e ao sol.


As palavras-chave de Albert Camus

O Absurdo

O sentimento do absurdo nasce no homem na sua incapacidade de se interrogar sobre a presença do próprio mundo e quando não obtém nenhuma resposta.Resta-lhe apenas assumir a sua condição absurda, tal como Sísifo que transportava repetitivamente e sem parar um enorme rochedo até ao cume da montanha e que de cada vez, este rolava até à base. Esta condição absurda, a condição humana, não impedia Sísifo de ser feliz e não impede o Homem de ser feliz. Do absurdo ao nada, e daí ao niilismo militante é apenas um passo.O conceito de Absurdo foi também utilizado pelos niilistas para justificar assassínios e a morte, o que deixou Camus escandalizado.

A Beleza

Os Gregos sempre viveram rodeados da beleza. Esta servia muitas vezes de código moral.Camus defendia um retorno à beleza, afastada do Homem por esses tempos.Afastava-se assim de um certo pensamento moderno defendendo que a beleza seria a justiça perfeita.

A beleza é necessária para o Homem de acção e para o criador, numa vontade de equilíbrio determinadora de um bom senso. Defendia a estética clássica como o cânone de beleza, como a dominação de todas as paixões.

O Sol

Quando perguntam a Mersault por que razão tinha cometido o assassínio, este responde que tinha sido por causa do sol. O seu próprio nome ,Meurt-Solei, predestinava-o já a um destino trágico. É um signo em toda a obra de Camus, de uma felicidade que caminha lado a lado com a tragédia.


Bibliografia

CAMUS, Albert; (1971):"A Morte Feliz", Livros do Brasil, Lisboa

CAMUS, Albert; (S\D):"O Mito de Sísifo", LBL Enciclopédia, Livros do Brasil, Lisboa

CAMUS,Albert;(1951):"L´homme révolté", Éditions Gallimard,Paris

Le magazine littéraire; (mai 2006): "Albert Camus: penser la révolte"



















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