
Ficha do filme
« Perceval le Gallois », de Éric Rohmer segundo « Perceval ou o Romance do Graal » de Chrétien de Troyes, realizado em 1978.
Notas introdutórias
O primeiro aspecto a realçar desde já é a grande proximidade ao texto de Chrétien de Troyes. O imaginário cavaleiresco está perfeitamente representado neste autentico filme de culto. Os efeitos especiais adquirem uma função de distanciamento para limitar à ditadura da imagem, através de uma desproporção estética ( natural vs artificial) e uma dissociação histórica propositada e assim dar um relevo prioritário ao texto.
O texto original de Chrétien de Troyes contribuiu inexoravelmente para a construção de mitos ao assumir-se como um dos primeiros pilares do Imaginário Literário ocidental.
De descoberta em descoberta
O próprio filme assume o jogo simbólico do livro através de uma carga psicológica e escatológica muito grande. É assumida a relação de artista/realizador com o tempo, não o tempo diacrónico (passado, presente e futuro) mas sim um tempo sincrónico ( um tempo de reflexão). Neste particular assume verdadeira importância o episódio do Rei pescador e o episódio do confronto com o Graal.
A cada experiencia e aventura uma bifurcação se apresenta a Perceval. No romance, a passagem continua de um lugar a outro é uma característica deste tipo de estética cavaleiresca num contínuo de linhas isomórficas.
No filme, os personagens são actores e narradores, simultaneamente interpretes e romancistas através de uma expressão continua na terceira pessoa dando assim mais ênfase ao chamado estilo cortês, estilo ainda jovem e à procura de uma linguagem literária ao tempo de Chrétien de Troyes.
A experiencia dos limites da transgressão/ não transgressão e da ambivalência, condiciona e constrói o curso dos acontecimentos sempre através do recurso a uma dialéctica interior de decisão pessoal.
Uma palavra também para o recurso à animação que, como outros métodos de ruptura fílmica mencionados anteriormente, acentuam a atenção e fidelidade ao texto original.
A modernidade da Idade Média
A relação colocada em jogo por Éric Rohmer entre a Modernidade e a Idade Média é uma das grandes características do filme e que, neste caso, é assumido de uma forma que tem tanto de estranha como de original, sempre baseado na estética românica.
O universo romanesco tinha em Perceval a sua génese; sabemos da sua importância ainda hoje e como o foi também importante na construção de mitos e de símbolos da civilização ocidental.
E é nesse simbolismo e nessa iconografia que Éric Rohmer se baseia para imaginar o realismo da Idade Média pois, era assim que as pessoas dessa época retratavam a sua própria realidade.
A Arte Românica tinha assim tendência à imitação e à reprodução ao mesmo tempo que sugeria uma ilusão e uma sugestão de estilização deformadora. ( contraste entre as raízes greco-romanas e as raízes das artes primitivas cristãs e célticas)
A precisão do detalhe compartilhava o espaço narrativo com uma certa forma de abstracção ao mesmo tempo que a violência mais cruel sucedia a uma compaixão desconcertante.
Estas oposições são bem visíveis na dicotomia dos personagens Perceval e Gauvain.
Esta abordagem complexa e dialéctica é a essência da própria modernidade num diálogo de paradoxos que estimula processos narrativos enquanto base de construção de imaginários mais ou menos escondidos. Este jogo de aparências vai mais longe e encarna a eterna dialéctica do ser e o parecer, o consciente e o inconsciente.
Esta modernidade baseada no realismo estético e estilizado da Idade Média, fá-la brilhar numa riqueza de imagens que nos transportam para conceitos mais filosóficos e teológicos como o da Beleza e do Eterno Feminino, fundamento cristão da nova representação do papel da mulher.
Uma estética de aliança, de estratégia e de articulação
O afrontamento de Perceval consigo mesmo e com as situações de dualidade que se lhe apresentam fazem desta estética simbólica um marco na construção quer do universo cavaleiresco quer do imaginário literário ocidental.
Esta estética é sobrevalorizada pela utilização do arco românico da abside e principalmente pela utilização da música e do coro como base narrativa; a música harmoniza e liga.
É assim, num décor feito de curvas e elipses que as personagens circulam sem fim, os cavaleiros não despem as realistas armaduras metálicas numa espécie de curvatura espacial sem perspectiva real.
O filme de Rohmer é mais do que tudo, a essência da representação imaginária do real através da utilização dos protosignos bases de um imaginário literário base da nossa civilização: o universo cavaleiresco.
Da glória à cruz
As imagens de Perceval e de cavaleiros vão-se sucedendo construindo um mundo hermético e simbólico povoado de signos bem significativos de uma estética e antropologia românica.
A passagem de Deus cavaleiro/ Perceval a Deus homem/ Jesus é feita por recurso a uma livre adaptação final de Rohmer, em que representa a Paixão de Cristo e em que a Palavra se faz carne, a Palavra que vem de outro e se faz entender.
Perceval passa do ver ao entender. O caminho interior de Perceval está traçado e descoberto.
Esta é a demanda do Graal.
Mots-clés
Imaginário cavaleiresco, amor cortês, acolhimento, compaixão, Imaginário cavaleiresco. O Mito do Graal, tradição celta/pagã, mágica vs tradição judaico-cristã, cristianização do imaginário pagão, procura do ser interior, literatura cortês, herança literária francesa e provençal, simbólica do Graal, herança romântica séc. XIX, a procura, o caminho, essência divina e essência humana.
Dupla estética, realismo-precisão-simbolismo, Modernidade da Idade Média, estilização, deformação e abstracção.
Liaisons/ Voir aussi
Mulher/Eterno feminino, fonte de vida, objecto de busca
« Perceval le Gallois », de Éric Rohmer segundo « Perceval ou o Romance do Graal » de Chrétien de Troyes, realizado em 1978.
Notas introdutórias
O primeiro aspecto a realçar desde já é a grande proximidade ao texto de Chrétien de Troyes. O imaginário cavaleiresco está perfeitamente representado neste autentico filme de culto. Os efeitos especiais adquirem uma função de distanciamento para limitar à ditadura da imagem, através de uma desproporção estética ( natural vs artificial) e uma dissociação histórica propositada e assim dar um relevo prioritário ao texto.
O texto original de Chrétien de Troyes contribuiu inexoravelmente para a construção de mitos ao assumir-se como um dos primeiros pilares do Imaginário Literário ocidental.
De descoberta em descoberta
O próprio filme assume o jogo simbólico do livro através de uma carga psicológica e escatológica muito grande. É assumida a relação de artista/realizador com o tempo, não o tempo diacrónico (passado, presente e futuro) mas sim um tempo sincrónico ( um tempo de reflexão). Neste particular assume verdadeira importância o episódio do Rei pescador e o episódio do confronto com o Graal.
A cada experiencia e aventura uma bifurcação se apresenta a Perceval. No romance, a passagem continua de um lugar a outro é uma característica deste tipo de estética cavaleiresca num contínuo de linhas isomórficas.
No filme, os personagens são actores e narradores, simultaneamente interpretes e romancistas através de uma expressão continua na terceira pessoa dando assim mais ênfase ao chamado estilo cortês, estilo ainda jovem e à procura de uma linguagem literária ao tempo de Chrétien de Troyes.
A experiencia dos limites da transgressão/ não transgressão e da ambivalência, condiciona e constrói o curso dos acontecimentos sempre através do recurso a uma dialéctica interior de decisão pessoal.
Uma palavra também para o recurso à animação que, como outros métodos de ruptura fílmica mencionados anteriormente, acentuam a atenção e fidelidade ao texto original.
A modernidade da Idade Média
A relação colocada em jogo por Éric Rohmer entre a Modernidade e a Idade Média é uma das grandes características do filme e que, neste caso, é assumido de uma forma que tem tanto de estranha como de original, sempre baseado na estética românica.
O universo romanesco tinha em Perceval a sua génese; sabemos da sua importância ainda hoje e como o foi também importante na construção de mitos e de símbolos da civilização ocidental.
E é nesse simbolismo e nessa iconografia que Éric Rohmer se baseia para imaginar o realismo da Idade Média pois, era assim que as pessoas dessa época retratavam a sua própria realidade.
A Arte Românica tinha assim tendência à imitação e à reprodução ao mesmo tempo que sugeria uma ilusão e uma sugestão de estilização deformadora. ( contraste entre as raízes greco-romanas e as raízes das artes primitivas cristãs e célticas)
A precisão do detalhe compartilhava o espaço narrativo com uma certa forma de abstracção ao mesmo tempo que a violência mais cruel sucedia a uma compaixão desconcertante.
Estas oposições são bem visíveis na dicotomia dos personagens Perceval e Gauvain.
Esta abordagem complexa e dialéctica é a essência da própria modernidade num diálogo de paradoxos que estimula processos narrativos enquanto base de construção de imaginários mais ou menos escondidos. Este jogo de aparências vai mais longe e encarna a eterna dialéctica do ser e o parecer, o consciente e o inconsciente.
Esta modernidade baseada no realismo estético e estilizado da Idade Média, fá-la brilhar numa riqueza de imagens que nos transportam para conceitos mais filosóficos e teológicos como o da Beleza e do Eterno Feminino, fundamento cristão da nova representação do papel da mulher.
Uma estética de aliança, de estratégia e de articulação
O afrontamento de Perceval consigo mesmo e com as situações de dualidade que se lhe apresentam fazem desta estética simbólica um marco na construção quer do universo cavaleiresco quer do imaginário literário ocidental.
Esta estética é sobrevalorizada pela utilização do arco românico da abside e principalmente pela utilização da música e do coro como base narrativa; a música harmoniza e liga.
É assim, num décor feito de curvas e elipses que as personagens circulam sem fim, os cavaleiros não despem as realistas armaduras metálicas numa espécie de curvatura espacial sem perspectiva real.
O filme de Rohmer é mais do que tudo, a essência da representação imaginária do real através da utilização dos protosignos bases de um imaginário literário base da nossa civilização: o universo cavaleiresco.
Da glória à cruz
As imagens de Perceval e de cavaleiros vão-se sucedendo construindo um mundo hermético e simbólico povoado de signos bem significativos de uma estética e antropologia românica.
A passagem de Deus cavaleiro/ Perceval a Deus homem/ Jesus é feita por recurso a uma livre adaptação final de Rohmer, em que representa a Paixão de Cristo e em que a Palavra se faz carne, a Palavra que vem de outro e se faz entender.
Perceval passa do ver ao entender. O caminho interior de Perceval está traçado e descoberto.
Esta é a demanda do Graal.
Mots-clés
Imaginário cavaleiresco, amor cortês, acolhimento, compaixão, Imaginário cavaleiresco. O Mito do Graal, tradição celta/pagã, mágica vs tradição judaico-cristã, cristianização do imaginário pagão, procura do ser interior, literatura cortês, herança literária francesa e provençal, simbólica do Graal, herança romântica séc. XIX, a procura, o caminho, essência divina e essência humana.
Dupla estética, realismo-precisão-simbolismo, Modernidade da Idade Média, estilização, deformação e abstracção.
Liaisons/ Voir aussi
Mulher/Eterno feminino, fonte de vida, objecto de busca