sábado, 9 de maio de 2009

A conquista da América

Ficha de Leitura
TODOROV, Tzvetan, « A Conquista da América”, 1990, Lisboa, Litoral Edições

A. Introdução
« Quero falar da descoberta que o eu faz do outro » . Com esta frase inicial Todorov dá o mote para este interessante ensaio (no original “La conquête de l´Amérique, la question de l´autre”) em que é analisada ao detalhe a alteridade e a visão que um povo tem de outro e as interacções que se estabelecem no contacto entre dois povos e culturas (através dos seus representantes). Esta análise é feita tendo por base o exemplo histórico da descoberta e conquista da América Central ( México e Caraíbas) pelos espanhóis no século XVI.
O trabalho do franco-bulgaro Todorov foi sempre marcado pela relação entre o Eu e o Outro mas numa perspectiva meramente linguística.
Ao analisar um determinado período histórico através de relatos descritivos da época, que já por si são visões condicionadas da realidade, Todorov expõe-se de uma maneira clara e directa pois não consegue libertar-se de uma perspectiva muito pessoal politicamente critica e que acabou por condicionar todo o ensaio.
Este tipo de análise estática e modular característica do seu estruturalismo militante entra por caminhos de análise sociológica muito limitada que transforma o texto em uma mensagem moralista de carácter meramente panfletário.
A tentativa de transportar os exemplos do passado para a actualidade e assumir a sua critica aos olhos de um conhecimento e de valores actuais e pretensamente globais transformam este ensaio num trabalho condicionado politicamente e definitivamente muito datado.

I.”Descobrir”
Neste capítulo é feita uma análise da viagem e dos motivos de Colombo e de como eles definiram o que viria a ser o paradigma da descoberta e posteriormente o paradigma da conquista. O Outro como o ente completamente desconhecido e o Eu com entidade única e redutora perfeitamente condicionada aos axiomas societários limitados do século XVI.
Todorov demonstra desde o inicio “ de que lado está”, isto é, do lado dos opressores perante a redução primária à relação conquistador\ conquistado sempre num plano de análise de homem urbano do século XX, carregado de valores assimilados e construídos ao longo de mais de 500 anos ( que também contribuiu o facto que analisa). É disso prova a citação inicial da mulher Maia, casada, atirada aos cães por se recusar a ser seduzida pelos conquistadores.
Neste capitulo também são analisadas as intenções de Colombo antes e depois da descoberta dos novos territórios, a sua paixão pela natureza e a sua profunda religiosidade.
A questão de base é que foram após os primeiros contactos com os habitantes desses novos territórios que se estabeleceu uma primeira fase de um relacionamento que acabaria por condicionar os 200 anos seguintes. Na prática os autóctones não eram considerados como seres humanos como provam quer os escritos de Colombo e os relatos dos cronistas das Índias.
O autor também desenvolve neste capítulo os esquemas de comunicação, verbal e não verbal, as novas linguagens, as primeiras traduções, os primeiros contactos e o estabelecimento das primeiras relações quer humanas quer institucionais.

II.”Conquistar”
Neste capítulo são analisados, perante as mesmas premissas, os factos que levaram a efectivação da conquista do México por Cortez e a todo o complexo jogo de relações e interpretações que se estabeleceram no contacto entre duas culturas e civilizações tão diferentes.
O autor também nos desenvolve possíveis perspectivas do Outro perante os invasores espanhóis e os complexos jogos de poder e hierárquicos que condicionaram toda a sociedade Asteca e dos povos que habitavam no México.
São também dissecados por Todorov as dificuldades de comunicação efectiva e de como o controlo total da mesma por Cortez acabou por ser fundamental para uma conquista rápida apesar da desproporcionalidade das forças em questão.
É também sublinhado o elevado simbolismo e ritual da sociedade Asteca e de como os signos acabarão por antecipar o desfecho final: o Outro e o Eu em perspectivas anacrónicas, diversas e distantes. O autor faz também uma análise do signo como limitador e condicionador numa perspectiva estruturalista (comme il faut) em que o significantes e significados quase nunca coincidem quando comparados.

III.”Amar”
Em mais um capítulo peculiar, o autor transporta-nos para o patamar seguinte onde são introduzidos os níveis da compreensão, admiração e respeito perante uma sociedade Asteca extremamente desenvolvida e rica. Estes sentimentos acabarão por degenerar em aniquilação e destruição do objecto admirado pelo receptor desorientado. Porquê? Interroga-se Todorov. Esta questão irá percorrer toda a ponta final do livro onde são detalhadas as razões do genocídio directo e indirecto da população indígena.
Neste capítulo o discurso do autor assume por vezes um discurso extremamente vitimizador e redutor que descarta qualquer tipo de análise objectiva e imparcial.

IV.”Conhecer”
Este capítulo é para mim o mais interessante, racional e consistente pois define a relação com os outros sob o prisma da alteridade e em que são definidos vários níveis segundo os quais a relação é estabelecida:
1-Plano axiológico: juízo de valor (bom/mau, amor/ódio)
2-Plano praxiológico: aproximação ou afastamento (identificação/ ignorância, assimilação/ rejeição)
3-Plano epistémico: conhecimento ou indiferença

Com base nestes níveis Todorov analisa todos os intervenientes históricos que testemunharam e participaram nessa etapa marcante da passagem de uma mentalidade medieval para uma modernidade que se viria a revelar redefinidora e construtora de novos conceitos e valores.

B. Conclusão
Apesar de ser uma reflexão ligeira sobre o comportamento do Eu perante o Outro, sob o pano de fundo de uma medievalidade efectiva, esta obra de Todorov acaba por ser uma boa introdução para este tema tão actual, se analisado à luz do multiculturalismo latente em todas as sociedades modernas.
Na prática o que este ensaio revela é um diálogo por vezes academicamente injusto pois baseia-se nos registos de actores de acontecimentos, muitas vezes elaborados ainda a quente, para tirar conclusões, estas sim baseadas num registo contemporâneo e já no fim de uma linha histórica.
A questão da identidade é bem mais complexa e definitivamente é uma variável complexa numa equação não standard de valores e culturas múltiplas.
A nossa actuação perante o Outro é sempre condicionada pelos registos históricos, culturais e económicos que acabam por condicionar a alteridade.


Actores e personagens históricos analisados e consultados por Todorov para este ensaio:
Cristóbal Colón
Bartolomé de las Casas
Vasco de Quiroga
Gonzalo Guerrero
Hernán Cortés
La Malinche
Alvar Núñez-Cabeza de Vaca
Diego Durán
Bernardino de Sahagún

Phrases / mots clés
O Eu e o Outro; alteridade
Identidade ; imposição de valores
Manipulação, libertação, repressão e manipulação.
Diferença na Igualdade

Liaisons/ Voir aussi
Diálogo de Culturas
Estudos Pós-Coloniais; multiculturalismo

Influências
Michel Foucault; Edward Said

Literatura Europeia e Construção Colonial da Realidade Americana

Ficha de leitura

« Literatura Europeia e Construção Colonial da Realidade Americana», Artigo de Darío Villanueva \ Literatura e História – Actas de Colóquio Internacional do Porto, 2004

Notas introdutórias
O primeiro aspecto a realçar é a extrema clareza deste artigo de Darío Villanueva publicado no âmbito do Colóquio Internacional do Porto 2004 – Literatura e História. O texto de Darío Villanueva contribuiu inexoravelmente para a clarificação dos modelos teóricos e críticos no âmbito dos estudos e das literaturas comparadas, nomeadamente no campo da construção da identidade americana.

Signos e simbolismo
O autor começa por nos relatar um episódio do livro Memorias do Marquês de Bradomín em que este se refere ao Novo Mundo numa imagem estereotipada e arquetípica que consubstancia uma " descoberta particular da América, quatro séculos depois da colombiana".
A experiencia simbólica é também referida na obra de Bernal Díaz del Castillo, Historia verdadera de la conquista de la Nueva España onde os exemplos da "guerrilha" simbólica de Cortês são diversos.
Em seguida, é com naturalidade e lógica que Darío Villanueva cita a obra de Todorov, onde é dissecada a descoberta que o eu europeu faz do eu americano. Este tipo de análise inovadora valoriza os signos e a alteridade dos mesmos perante a surpresa e sobretudo a angústia da novidade.
Posteriormente é referenciado Stephen Greenblatt e a sua análise política da apropriação colonialista do Novo Mundo; esta apropriação iniciou-se através de técnicas discursivas e práticas de representação e pressupostos nativo-americanos que jogaram a favor dos conquistadores.
O delineamento semiótico é depois mencionado na referência obrigatória à obra Books of
the Brave de Irving Leonard, onde se analisa a percepção cosmovisionária dos primeiros espanhóis que chegaram à América, baseada e condicionada pelo imaginário cavaleiresco que naturalmente inundava toda a estrutural mental de percepção daqueles corajosos homens. A importância deste livro é realçada numa referência posterior de Darío Villanueva em que valoriza a sua importância para a teoria moderna na perspectiva da influência da literatura nos factos humanos.

O real maravilhoso

Darío Villanueva continua o artigo com a referência ao prólogo da obra El reino deste mundo de Alejo Carpentier, autentico manifesto identitário do novo romance ibero-americano. Aqui e em breves linhas Carpentier expõe a sua teoria do " lo real maravilloso": a realidade enquanto tal não é mais do que uma sucessiva construção mental ao longo de diversas épocas, dependendo sempre da percepção em cada uma dessas épocas.
O universo do realismo mágico nascia em sede literária e em forma de manifesto: sabemos da sua importância ainda hoje e como é essencial na construção e análise dos novos mitos e de identidades hispano – americanas.
O autor continua a dissecar as ideias mais emblemáticas de Carpentier sobretudo a sua definição de realidade, enquanto " construção mental e culturalmente socializada que varia de uma época para outra".

O estímulo da realidade americana
O afrontamento da nova realidade americana criou situações de controversa dualidade onde os primeiros relatos assumem estética simbólica de sobrevalorização da nova realidade e que se assumem como marcos na construção do novo universo mágico, isto é dessa concepção de América assim construída.
Darío Villanueva refere depois a citação de Edmun O´Gorman: a América não foi descoberta, mas inventada. O reino das fantasias foi construído na base das primeiras narrativas assumindo o terno sopro das quimeras e utopias tão em voga nessa época imbuída do imaginário cavaleiresco.
No seguimento deste raciocínio a referência posterior é sobre a obra de 1603 de Lope de
Vega - El nuevo mundo descubierto por Cristóbal Colón. Nesta obra, imagens de uma imaginação profícua vão-se sucedendo, construindo um mundo hermético e simbólico povoado de signos bem significativos que condicionam a eterna dicotomia entre a imaginação e a credibilidade racionalista.
Na sequência, uma referência obrigatória é feita a Irlemar Chiampi e ao seu "ideologema de maravilha" que povoa a narrativa ibero-americana.

A improvável credibilização do testemunho oral
Na parte final do artigo o autor refere o surpreendente processo de credibilidade e inscrição histórica da nova realidade fundada em simples testemunhos orais.
É a chamada "imaginação construtiva" que Collingwood bem definiu e que se seguiram processos mais ou menos globais de mitificação de realidades fantásticas e quimeras utópicas.
Darío Villanueva termina o artigo definindo o " encerramento do círculo que da ficção vai à realidade ou à história e dela regressa".
A construção desta nova realidade foi assim um processo abstracto e simbólico claramente realizado através de estruturas narrativas.