quarta-feira, 14 de maio de 2008

Dieu est Lumière


“En 1130, la plus royale des églises n´était pas une cathédrale mais un monastère: Saint- Denis- en- France.
Depuis Dagobert, les successeurs de Clovis avaient choisi ce sanctuaire pour necrópole (...) annexée par la puissance capétienne, la tradition carolingienne retournait ici à ses origines: la plaine de France, et non plus la Franconie. L´art nouveau qui naît á Saint- Denis manifeste avant tout ce reflux. Il est né de la volonté d´un homme, Suger” 1

Abordagem à Arquitectura Gótica após uma visita à
Abadia de Saint- Denis


Quando Suger foi eleito abade de Saint- Denis em 1122, já ninguém se lembrava dos últimos trabalhos de remodelação da abadia datados da época Carolíngia. Nesse tempo a Igreja tinha um aspecto vetusto e não era mais do que a igreja do seu fundador e construtor, Dagoberto.
Toda a sua politica teve como objectivo fazer de Saint- Denis não só a mais antiga mas a primeira das Igrejas de França.
No sec. IX, Luis, o Pio ofereceu ao mosteiro um manuscrito em grego redigido no sec.VI por um certo Denis, confundido com Denis, o Areopagita, convertido por S.Paulo no sec.I. Logo S. Denis, bispo de Paris no sec.III foi associado ao Pseudo-Denis, o Areopagita discípulo directo e único convertido pelo Apóstolo S. Paulo. O prestigio e fama que conseguiu foram extraordinários e tornou-se num dos santos mais venerados e idolatrados em França.
Estes textos ( Corpus Aeropagiticum) tiveram uma valor quase apostólico durante toda a Idade Média e foram muito admirados pelo Abade Suger

“Il ne fait pas de doute que Suger était un croyant aussi sincère que le plus sincère des hommes d´Église de son époque et qu´il manifestait les émotions appropriées dans les circonstances appropriées « arrosant le pavement de ses larmes » devant les Saints Martyrs et se montrant « dévotement joyeux, joyeusement dévot » lors des fêtes joyeuses de Noël et Pâques.” 2

S.Denis era também o protector da Dinastia Capetiana e como tal a abadia de S. Denis tornou-se a necrópole real.
Com Suger a ligação ao Rei e à monarquia foi reforçada e estrategicamente planeada. Suger estudou com o filho do Rei e futuro Luis VII.
Há quem o coloque como verdadeiro pai e fundador da monarquia francesa já que estrategicamente colocou o reforço da monarquia e do poder real no topo da sua ambição pessoal, ao mesmo nível da sua outra grande ambição e objectivo pessoal: reedificar e engrandecer a Abadia de S. Denis.

A Igreja do Abade Suger: a primeira criação da Arquitectura Gótica

Era então necessária uma Abadia à altura das ambições de S. Denis. Vontade, querer e dedicação não faltaram, assim como os meios financeiros necessários para tal empreendimento.
Orgulhoso e entusiasta da sua própria obra, Suger descreve minuciosamente todos os trabalhos de renovação da Abadia em dois documentos únicos De son administration e De la consécration. Estes testemunhos excepcionais foram e são preciosos para os historiadores e serviram para se ter uma noção exacta da construção da primeira grande obra da Arquitectura Gótica. Aliás, podemos dizer que foi também devido à existência destes documentos escritos que S. Denis se transformou em ícone e monumento chave da História da Arte e da Arquitectura. O papel do Abade Suger é assim de extrema importância na História da Arte e na História da França.

“Saint Denis n´est pas seulement un chef-d´oeuvre.C´est un fait, considérable dans l´histoire de la civilisation médiévale, et c´est un homme Nous ne connaissons pas le grand artiste qui l´a élevé, mais celui qui l´a conçu, anime de son souffle et de la poésie de sa vie, nous l´avons tout entier. Suger, abbé de Saint- Denis, ministre de Louis VII (…) Ce seigneur dans son église est un bûcheron dans son forêt, ami des beaux arbres, qu´il va choisir, et des belles colonnes, qu´il fait venir de très loin. Il y a quelque chose de rustique dans la vigueur de ses entreprises, mais son ardent enthousiasme pour son oeuvre crée autour d´elle la ferveur, les concours, le rayonnement qui lui sont nécessaires.Suger est le chef des architectes, des imagiers, des orfèvres et des peintres. Sa pensée aspire perpétuellement à la puissance et à la nouveauté de la forme.” 3

Inicialmente Suger acrescentou um maciço ocidental e uma nova fachada na parte Oeste. O maciço ocidental foi terminado em 9 de Junho de 1140. Os níveis superiores das torres foram deixados em espera enquanto Suger refazia toda a estrutura carolíngia construindo um todo novo santuário. Mais comprido e com um novíssima cabeceira a abadia estava pronta para a consagração em 11 de Junho de 1144.
Todas as intervenções posteriores do século XII, XIV e XIX não fizeram mais do que sobrevalorizar a obra prima de Suger que morreu em 1231.
Foi mantida a fachada, o maciço ocidental, a cripta, o deambulatório e as capelas radiantes.
Hoje a obra de Suger suscita uma admiração unânime e constitui a primeira grande criação da Arquitectura Gótica.
Suger inovou e personalizou ele próprio uma obra prima e um começo de um estilo e de uma nova época, num caso único da História da Arte.

Uma nova arte e a quimera da luz

As obras começaram pelo maciço ocidental em data não registada mas terminaram em 1140 naquele que foi o primeiro degrau no caminho de “procura da luz”. Este maciço constitui uma espécie de ante nave bem na tradição das abadias beneditinas. Duas torres elevam-se por cima das capelas laterais (a igreja perdeu a sua torre norte em 1846). Na fachada, três portas dão acesso ao interior da abadia. A luz penetra pelas arcaduras das torres e através de uma rosácea central em cima da porta central, a primeira a ser colocada numa fachada aberta a Ocidente e que serve para clarear as capelas superiores dedicadas à Virgem, S. Miguel e aos Anjos. Esta base teológica criará o estilo e a marca de todas as catedrais futuras abrindo um novo ciclo, um novo estilo.
Mas mais do isso algo também estava a mudar nas construções: começava-se a ver claro nas casas, de inverno e de verão, sem temer o frio e as tempestades. A industria do vidro desenvolveu-se e as janelas deixaram de ser pequenas. Este é um dos traços característicos da evolução da Arquitectura Gótica 4
Mas foi no coração da igreja que a mutação estética teve lugar. Suger aponta a direcção dos seus esforços para o sol nascente, o local mais irradiante de luz e mais próximo de Deus. Suprime muros e muralhas, desenvolve e cria ogivas cruzadas explorando ao máximo todos os desenvolvimentos técnicos da altura.
Foi assim que entre 1140 e 1144 se construíram capelas na cabeceira em semi circulo e onde largas janelas fazem entrar uma luz magnifica e ininterrupta. Uma nova estética tinha nascido.

“Suger eut la bonne fortune de découvrir dans les paroles mêmes du “trois fois béni Saint Denis” une philosophie chrétienne qui l´autorisait à reconnaître dans la beauté matérielle un véhicule de la béatitude spirituelle, au lieu de le forcer à fuir comme une tentation, et à concevoir l´univers tant moral que physique non comme un monochrome en noir et blanc mais comme une harmonie de couleurs.” 2

Denis é antes de mais a unidade do Universo e a Luz. A Igreja que o representava irradiava luz da cabeceira à porta, sem obstáculo e numa atitude simbólica e mística que a todos surpreendeu. Era a irradiação divina. A lux nova.
Os pensadores e teóricos sacros atribuíram a esta igreja e a este estilo novo um valor singular e moral . “ Tes murs sont des pierres précieuses” 1
Suger fez entrar luz e cor na sua igreja através do vidro colorido, através dos vitrais. Num desses vitrais Suger fez-se representar para a posterioridade.
A iconografia de S. Denis é bem o protótipo da Arte Gótica nascente. As representações na fachada por cima dos portões de entrada são bem exemplificativas de uma nova maneira de pensar, de ver o mundo e do papel da Igreja.
A Abadia de S. Denis exprime um cristianismo que não é apenas musica e liturgia mas que se transforma em teologia pura.
O Cristo de S. Denis é o Cristo dos evangelhos sinópticos: assume face de homem. A Abadia de S. Denis foi construída sob a exaltação da reconquista da Terra Santa por isso Carlos Magno é representado na sua cruzada a caminho de Jerusalém.
Vivia-se um tempo em que a peregrinação à Terra Santa e a miragem de um Oriente redentor dominava o imaginário Cristão.
Esta confrontação com o local de vida e sofrimento de Cristo não foi mais do que a assumpção da humanidade de Deus.
Esta nova teologia foi bem desenvolvida e aproveitada por Suger nos seus dois grandes objectivos de vida referidos anteriormente: reforço e expansão do poder real em França e engrandecimento da Abadia de S. Denis.

O novo Santuário

“La cathédral gothique est la représentation la plus forte et la plus vaste du sentiment médiéval. Le mysticisme et la scolastique, ces deux grandes forces vitales du Moyen age, qui apparaissent généralement comme irréconciliables, sont ainsi intimement unies. L´intérieur est tout mysticisme et l´extérieur tout scolastique. C´est le même transcendantalisme du mouvement qui les unit, mais il se sert des moyens d´expression différents: dans un cas ils sont organiques et sensuels, dans l´autre abstrait et mécaniques. Le mysticisme de intérieur n´est qu´une scolastique recueillie passée dans le domaine organique sensuel”5

O Santuário concebido por Suger é iluminado por janelas enormes decoradas por vitrais coloridos. É ligeiramente sobreelevado em relação ao transepto e à nave, tendo-se acesso através de escadas.
A grande inovação na obra de Suger está nas novas funções litúrgicas do coro que passou para próximo do altar deixando a nave principal.
O deambulatório e as capelas radiantes foram mais uma consequência das necessidades especificas de S. Denis mas que ajudaram a potencializar o resultado final. Uma estrutura ligeira e muito aberta transforma a Abadia numa obra prodigiosa de engenho e arte.
A cabeceira é contornada por filas de colunas maciças e emparelhadas que cercam o deambulatório e as 7 capelas radiantes, cada uma iluminada por duas janelas.
As abóbadas de arestas foram uma escolha deliberada e uma solução extremamente feliz e bem conseguida. Esta estética da cabeceira e do altar foi largamente disseminado em todo este Gótico Inicial e que durante muito tempo era referido como Escola de S.Denis.
As abóbadas de ogivas de perfil fino são testemunho da técnica dos mestres que construíram a abadia e da genialidade de quem a concebeu.
A audácia destas ideias e do prodígio técnico para as construir são ainda hoje um marco de referencia na História da Arquitectura.

Referencias Bibliográficas:

1 DUBY, GEORGE (2002) : L´Art et Société au Moyen Âge. Paris. Gallimard.

2 PANOFSKY, ERWIN (1975) : “Architecture Gothique et Pensée Scolastique”. Paris. Les Éditions de Minuit

3 FOCILLON, HENRY (1938) : Art d´Occident. Paris. Librairie Armand Colin

4 BECHMANN,ROLAND (1981): Les Racines des Cathédrales. Paris. Payot

5 WORRINGER,WILHELM (1967): L´Art Gothique. Paris. Gallimard